SÁBADO

DIÁRIOS DO CORONAVÍRU­S

HISTÓRIAS DE VIDAS EM SUSPENSO

- Sofia, 37 ANOS, JURISTA A GRÁVIDA COM PARTO PREVISTO PARA INÍCIO DE MAIO Por Vanda Marques

Casamentos adiados, grávidas com dificuldad­es em marcar exames, doentes que desesperam por informação, pais divorciado­s sem verem os filhos e jovens que trabalham sozinhos num hotel sem ninguém. Cinco testemunho­s de como o novo coronavíru­s lhes trocou os planos. h O meu filho vai nascer no pico do coronavíru­s em Portugal. Isso não é nada tranquiliz­ante. Não sei como estarão os recursos dos hospitais nessa altura. Ainda por cima como sou grávida de risco – tenho placenta prévia total – posso ter uma hemorragia e ter de ser internada de urgência. Há muita incerteza. Sinto, sobretudo, falta de informação. Ou melhor, ninguém sabe bem qual é a informação correta. Deve-se amamentar se estivermos infetadas ou não? Já ouvi que é possível, mas teríamos de ter cuidados. Ou seja, às 3h da manhã, enquanto o bebé chora, temos de lavar as mãos, colocar máscara, pôr luvas e só depois pegar no bebé. Isso deve ser possível umas vezes, mas com o cansaço acumulado? Será quase impossível. E basta uma vez espirrar ou tossir…

Depois há as dificuldad­es técnicas. Por exemplo, marcar análises. Estava a ser seguida num hospital privado que vai tratar doentes com coronavíru­s, por isso achei prudente fazer noutro local. Mas quando liguei para marcar só tinham vaga em junho, ora o bebé está previsto para o início de maio. Felizmente consegui num laboratóri­o mais pequeno ao pé de casa.

Ainda tenho conseguido fazer as ecogrrafia­s acompanhad­as pelo meu companheir­o. Sei que nalguns sítios já não deixam. O pós-parto não é fácil, mas com estes constrangi­mentos todos será ainda mais complicado. Por exemplo, as compras online estão impossívei­s. Estava a pensar socorrer-me disso quando ele nascesse, é para esquecer. Até as coisas que já encomendei – alcofa, lençóis, almofadas – nem sei se as vou receber… Preparar esses detalhes são momentos de prazer, agora são um stress acrescido. Tenho tido insónias. Também fiquei com azia, mas só de pensar em ir para uma farmácia – ou pedir ao meu companheir­o que vá por mim – prefiro aguentar.

Nuno, 42 ANOS, JORNALISTA O DIVORCIADO QUE ESTÁ LONGE DOS FILHOS

h Há mais de 10 dias que não vejo os meus filhos. Tenho dois, de dois divórcios, e eles estão em isolamento com as mães. Falo com eles todos os dias por videochama­da, mas as saudades apertam…

A minha filha tem 14 anos, e decidi com a mãe dela, mesmo antes de a escola fechar, que era melhor ficar em casa. Vivo na Amadora, ela na Margem Sul. Ela está a adaptar-se bem e está sempre em contacto com os amigos.

O meu filho de 3 anos tem asma crónica, por isso decidimos logo que era importante levá-lo para um ambiente mais saudável. Foi para uma aldeia, perto de Castelo Branco, onde os pais da minha ex-mulher têm casa. Ele é um menino carinhoso. Diz-me que tem saudades minhas, que gosta de mim e isso enche-me o coração.

Estou em teletrabal­ho, sozinho. O único que ficou comigo foi o cão – que também partilho com a minha ex-mulher. É a minha companhia e acaba por ser a minha desculpa para ir à rua. Mas não descarto a hipótese de ir passar uns dias com o meu filho. Foram decisões fáceis de tomar, conversámo­s muito para decidir com quem eles ficavam e onde. Acho que tomaria a mesma decisão. Mas se calhar vou estar três meses sem os ver. Não sabemos.

Cláudio, 25 ANOS, RECECIONIS­TA TRABALHAR NUM HOTEL FANTASMA EM OVAR

h Estou sozinho no hotel. Parece quase fantasma. É desconcert­ante mas tem de ser. O hotel tem uma pessoa por turno. Estou a responder a emails, a atender chamadas, a receber cancelamen­tos e adiamentos de reservas. Há muitas a serem alteradas para junho… Se for necessário, o hotel também vai receber os profission­ais de saúde.

Nunca pensámos que íamos fechar. Quando, no dia 16, foi decretado o estado de calamidade em Ovar, ficámos alarmados. Nesse dia, tínhamos nove quartos ocupados e tivemos de dizer para as pessoas saírem. Ficaram surpresas, nunca pensaram que ia chegar a este ponto.

Acho que no início as reações dos jovens foram de: “Nada nos pega”. Agora puseram a mão na consciênci­a e estão mais preocupado­s.

Conheço a rapariga de 17 anos que esteve internada com coronavíru­s. Acho que se tornou mais real. Continuo a trabalhar e tenho cuidado. Lavo as mãos e ando de máscara e luvas. Em Ovar o ambiente é tranquilo. Não há ninguém nas ruas.

Pedro, 46 ANOS, DIR. DE MARKETING ADIAR O CASAMENTO ERA A ÚNICA HIPÓTESE

h Estou junto com a minha mulher há 10 anos e temos dois filhos. Há três anos decidimos casar e escolhemos uma data especial: 6 de junho de 2020, quando a minha mulher faz 40 anos. Queríamos uma festa especial com a família e os amigos.

Começámos a tratar de tudo há um ano. Já pagámos parte da reserva da quinta e tínhamos acabado de dar o sinal ao catering, quando a situação por causa do coronavíru­s se complicou. Foi numa conversa com uma amiga médica, na última semana de fevereiro, que percebi que não podia acontecer. Ela perguntou-me: “O que vais fazer com o casamento?” Ainda ninguém estava a cancelar nada mas... Os sinais estavam lá. Conversei com a minha mulher e decidimos logo adiar para setembro. Veja o que aconteceu em Espanha, num funeral, em que ficaram contaminad­as dezenas de pessoas. Não queremos correr esse risco. Além disso, temos pelo menos 10 pessoas que vêm de fora, dos EUA, Inglaterra, Holanda.

É claro que custou um pouco adiar, porque é o aniversári­o da minha mulher. Mas honestamen­te, a pandemia põe a data do casamento em segundo plano. Não é que não seja importante, mas neste contexto passa a ser mais irrelevant­e. Se tudo correr bem, será a 5 de setembro ou então fazemos como o Euro 2020 e passamos para 2021. W

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