Bomba-relógio Emigrantes que trabalham nas estufas de Odemira estão infetados
Primeiro caso confirmado de infeção por coronavírus na comunidade migrante local está a lançar o pânico na população.
Era uma bomba-relógio em acelerada contagem decrescente que acabou por nos rebentar nas mãos.” As palavras são do presidente do município de Odemira, José Alberto Guerreiro, a propósito da identificação do primeiro caso de infeção por coronavírus naquele concelho do litoral alentejano: um cidadão indiano, de 46 anos, que na passada semana viajou de Lisboa em busca de trabalho nas estufas da região. Neste momento, diz José Alberto Guerreiro, há no concelho de Odemira “perto de 10 mil trabalhadores agrícolas, muitos a viverem amontoados em habitações precárias e sem condições de higiene. A situação ainda não é de um estado de pânico generalizado, mas para lá caminha”.
Não é para menos. A dias de se entrar no pico da campanha dos frutos vermelhos, estão a chegar diariamente ao concelho de Odemira centenas de trabalhadores indiferenciados. Arregimentados por empresas de trabalho temporário, estes migrantes, predominantemente indianos, nepaleses e bengalis, são alojados em contentores ou em casas sobrelotadas e transportados para as explorações em “carrinhas a abarrotar”, como tem observado Dulce Raposo, residente em São Teotónio: “Isto está um verdadeiro pandemónio.”
Dulce Raposo refere-se não apenas ao aumento da população, mas também ao facto de, ao abrigo do plano operacional da covid-19, as autoridades terem estabelecido o pavilhão gimnodesportivo do Agrupamento de Escolas de São Teotónio como um dos locais de confinamento em caso de crise. É lá que, neste momento, estão de quarentena as “19 pessoas de origem nepalesa que foi possível identificar como tendo estado em contacto com o indivíduo infetado”, diz o presidente da Junta de Freguesia, Dário Guerreiro.
O autarca reconhece que “esta situação provocou alguma agitação. Vivemos tempos complicados e o medo produz muitas coisas, algumas menos boas”. Durante o fim
de semana multiplicaram-se os boatos, alguns davam como certa a morte de um cidadão em quarentena e outro referia-se a um presumível evadido ainda a monte. As autoridades não confirmam nenhuma destas situações. Mas também não as desmentem.
Racismo, não
Foi perto da praia do Almograve, numa zona conhecida localmente como a Quinta Nova, que foi identificado o primeiro caso de infeção por covid-19 entre o contingente de migrantes que por esta altura procuram trabalho na apanha dos frutos vermelhos. Devido ao agravar do seu estado de saúde, o cidadão indiano que ali se mantinha em isolamento foi transferido durante o fim de semana para o Hospital do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém. Os restantes moradores permanecem em quarentena em São Teotónio. “Não percebo como nesta altura de crise continuam a chegar pessoas à região sem qualquer tipo de controlo”, indigna-se a presidente da Junta de Freguesia de Longueira/Almograve. Maria da Glória Pacheco esclarece que “o senhor que veio infetado viajou de Lisboa para cá, no Expresso, e andou por aí pelo menos quatro dias sem ir à junta pedir o respetivo atestado de residência. Por isso, é normal que as pessoas tenham algum receio”.
Alberto Matos, que coordena a delegação de Beja da Associação Solidariedade Imigrante, teme que “o clima de medo” se transforme em “discriminação racial”. “Há muito tempo que temos vindo a denunciar as condições de trabalho, de alojamento e de transporte destes cidadãos. Estamos a falar de grupos de risco e, seguramente, vai haver mais casos de infeção, uma vez que os trabalhadores vivem amontoados e, nalguns casos, em situações degradantes. Há grande alarme na população local, mas também há alarme na comunidade imigrante”, assegura.
Ideia que é partilhada por Gian Pal, um indiano de 39 anos, que supervisiona um grupo de 37 trabalhadores na apanha do mirtilo, perto da aldeia do Cavaleiro. “As pessoas aqui sempre nos trataram bem, mas sentimos que agora andam muito assustadas. Parece que somos nós que transportamos o vírus”, diz. No entanto, continua, “também estamos a cumprir normas na empresa. Quem não lavar as mãos, por exemplo, não vai trabalhar no dia seguinte. Estamos perante um problema muito grave. Todos temos medo de morrer longe da nossa terra. Isto é mesmo para levar a sério.”
Coisa que, na opinião de Paulo Cabrita, as autoridades portuguesas não têm feito. Segundo este guarda da natureza, residente em Longueira, “houve uma grande falta de comunicação com estas pessoas. Eles até ouvem falar genericamente do vírus, mas não têm acesso à informação essencial, aos comunicados, às medidas mais imediatas que são tomadas.” “Aqui, estamos todos a falhar”, constata. W