Investigação Todos os medicamentos e a vacina para derrotar a pandemia
Há outro fármaco muito importante agora que você ainda não falou, que é o tocilizumab. Nesta fase, é um dos fármacos com maior promessa de utilização”, disse subitamente ao telefone à SÁBADO Filipe Froes, pneumologista, um dos mais visíveis rostos da pandemia do novo coronavírus em Portugal. Nesta corrida para salvar o mundo, a comunidade científica mundial parece estar a estudar o mesmo assunto e ao mesmo tempo, de centenas de ângulos diferentes, e daqui têm resultado descobertas novas a acontecer todos os dias, com imediatas implicações no terreno. Alguns fármacos começam a ser vistos com outros olhos, uns ficam na prateleira por causa de um novo ensaio científico, outros tornam-se ainda mais promissores. Como o tocilizumab de que Filipe Froes falava.
A história de Fausto Russo, um treinador de futebol italiano de 38 anos, serve de introdução. Mesmo sendo jovem, saudável e atlético, o italiano chegou a estar em estado grave, com pneumonia, num hospital em Nápoles. Por isso, aceitou a sugestão de um médico para tomar um medicamento experimental e melhorou, conforme relatou à imprensa local, cerca de “70% em 48 horas”. Após a primeira toma, já conseguia passar a noite sem máscara de oxigénio.
O fármaco era o tocilizumab, que é produzido pela suíça Roche e pela japonesa Chugai, e é comercializado num medicamento, o Actemra, para a artrite reumatoide. É um dos mais vendidos da Roche no mundo. “Talvez em três ou quatro dias me deem alta”, dizia Fausto Russo, que perdeu sete quilos e terá provavelmente perdido também alguma capacidade pulmonar (ele e todos os sobreviventes – é ainda uma incógnita a dimensão deste problema no futuro).
Filipe Froes diz à SÁBADO que o tocilizumab “não é para todos, é para alguns em determinada fase. Uma fase mais tardia, de maior tempestade de citocinas, uma fase de maior gravidade, de maior necessidade de controlo de resposta imunológica e
O MEDICAMENTO ACTEMRA, PARA A ATRITE REUMATOIDE, ESTÁ A SER USADO PARA COMBATER A COVID-19
inflamatória do doente”. Aparentemente, é o fármaco que consegue lidar melhor com a tempestade de citocinas, ou hipercitocinemia – reação (potencialmente fatal) do sistema imunológico que, por estar tão descontrolado ou sobrecarregado, começa a destruir até o que está saudável no corpo.
O infecciologista Jaime Nina, do Hospital Egas Moniz, em Lisboa, diz que é preciso cuidado a manejar este medicamento. “Só é passível de ser utilizado após excluir uma série de infeções possíveis, porque, de facto, poderá diminuir a gravidade da infeção vírica [em doentes com Covid-19], mas o objetivo não é que depois tenham uma tuberculose galopante.” O especialista em Medicina Tropical diz que o tocilizumab consta no protocolo terapêutico do Egas Moniz para doentes de Covid-19. “Está na lista, mas só para casos muito graves, em que tudo o resto falhou – ao menos tenta-se isto.” Questionado pela SÁBADO, o Infarmed não respondeu até ao fecho desta edição sobre a utilização em Portugal do tocilizumab para tratamentos relacionados com o novo coronavírus.
O que é certo é que, a 19 de março, a Roche, além de indicar que ia aumentar em larga escala a produção de tocilizumab, anunciou também que se preparava para testar o fármaco em 330 pacientes graves com Covid-19, contando com a aprovação ultrarrápida da Food and Drug Administration (FDA), a poderosa agência americana de supervisão do medicamento. Nesse mesmo dia, Stephen Hann, o diretor da FDA, foi claro: “Entendemos e reconhecemos a urgência com que estamos todos a procurar opções de tratamento e prevenção da Covid-19.” A FDA já anunciou que, desde o início do surto, “mais de 90” entidades pediram autorização para fazer ensaios clínicos e “mais de 40 laboratórios” informaram que já o estavam a fazer ou iam começar em breve. E, embora o ensaio da Roche seja provavelmente o ensaio definitivo nesta fase, houve já outro, mais pequeno, na China. Com apenas 21 pacientes e ainda não revisto pelos pares, que teve resultados entusiasmantes com quase todos os doentes graves a recuperarem.
Vacina: emergência mundial
h A urgência de salvar o mundo, aliada à nova tecnologia genética de ponta, alicerçada em poderosos computadores, está a bater recordes. A americana Moderna começou a 16 de março testes de uma vacina para a Covid-19 em 45 voluntários de Seattle. Só tinham passado dois meses desde que a sequência ge
nética do vírus tinha sido concluída. “Foi um recorde mundial”, disse Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA.
Dois dias depois, a 18 de março, a revista New Scientist começava um artigo com o caso de Kate Broderick, cientista na Inovio Pharmaceuticals, nos EUA. Três horas depois do anúncio da sequência genética do vírus, a 15 de janeiro, já tinha uma vacina preliminar. A sua equipa nem precisou de uma amostra do vírus para manipular – até porque ele só chegou aos EUA quatros dias depois, a 19 de janeiro, data do registo do primeiro caso de um infetado no país. Para se ter uma ideia, na epidemia do SARS, de 2003, só cinco meses depois é que se conseguiu a sequência genética do vírus – agora foram duas semanas. Tal como nos tratamentos, muito conhecimento está agora a ser reciclado dos estudos feitos para as vacinas (que nunca avançaram) dos outros dois famosos coronavírus, o SARS e o MERS (2012) – os surtos foram contidos ou extintos e estas versões preliminares estavam mais ou menos na gaveta.
As experiências, com vários investigadores infetados ou de quarentena, seguem a ritmo acelerado, apesar de os cálculos da produção e da distribuição serem gigantescos: 2,4
Q mil milhões de euros. Mesmo assim, não está a ser fácil. “Havia uma grande esperança nas vacinas, mas na semana passado o NIH (National Institute of Health) publicou uma avaliação geral do desenvolvimento das vacinas e foi um enorme banho de água fria para toda gente, porque está mais atrasado do que se pensava, principalmente porque não há um bom modelo animal”, diz Jaime Nina. O especialista português explica de seguida:”Quando há uma doença que também é dos ratinhos, é uma maravilha. Agora os ratinhos aparentemente são resistentes a este vírus e até ao momento não foi encontrado um bom modelo animal. Está-se a tentar uma lista enorme. Pode-se usar em chimpanzés, que são tão suscetíveis como nós, o problema é que são caríssimos. Fazer um ensaio com um número significativo de chimpanzés é coisa para ter seis ou sete algarismos antes do símbolo do euro. Depois, é um animal demasiado consciente e inteligente. A maioria dos investigadores, eu incluído, vê grandes problemas em inocular um chimpanzé com um vírus potencialmente fatal.”
Apesar dos custos, não os emocionais, mas os financeiros, é evidente que há uma corrida ao ouro da saúde. “As empresas farmacêuticas veem a Covid-19 como uma oportunidade de negócios única na vida”, dizia há dias à The Intercept Gerald Posner, autor do livro (lançado em março) Pharma: Greed, Lies, and the Poisoning of America (Indústria farmacêutica: ganância, mentira e envenenamento da América). No artigo, é realçada a liberdade que as farmacêuticas têm nos EUA, “mais do que em qualquer outro lugar do mundo”, para definir o preço de um medicamento ou vacina. Pese embora alguma controvérsia, essa liberdade mantém-se no caso da Covid-19 e em projetos com a ajuda de dinheiros públicos – e Donald Trump já mostrou que não hesita em despejar dinheiro para o setor. A sua urgência é tal que chegou a aliciar uma farmacêutica alemã, a CureVac, para lhe comprar a patente de uma vacina – para fúria do Governo de Angela Merkel. A empresa, liderada pelo po
EM PORTUGAL, ESTÁ A SER ADMINISTRADA VITAMINA C A DOENTES COM O NOVO CORONAVÍRUS
Jaime Nina, do Egas Moniz, diz que o remdesivir, usado no Ébola, serve para tratar em Portugal a Covid-19 lémico empresário Dietmar Hopp, recusou e, coincidência ou não, recebeu logo 80 milhões de euros da Comissão Europeia.
No seu livro, Gerald Posner elenca também vários medicamentos que são vendidos por farmacêuticas depois de terem sido desenvolvidos com financiamento público. Uma dessas farmacêuticas é a Gilead, que pode sair desta pandemia como uma das grandes vencedoras. A empresa está a apostar tudo no remdesivir, um antiviral que tinha desenvolvido em 2015 contra o ébola, mas que foi colocado na prateleira porque os resultados no terreno foram dececionantes. Mas parece ter melhores resultados com os coronavírus: isso notou-se em ensaios da
MERS e da
SARS e tudo aponta para o mesmo com esta SARS-2 (a Covid-19). Isso viu-se quando o paciente zero americano recuperou com remdesivir, mas também há um ensaio na China promissor e há casos isolados de sucesso em França e Itália. O médico americano Stanley Perlman, professor de Microbiologia e Imunologia, defendia num artigo da National Geographic, de 24 de março, que o remdesivir era o único fármaco em que apostava a sério. Já em fevereiro passado o líder da missão da Organização Mundial de Saúde na China dissera o mesmo: “Só há um medicamento de momento que julgamos ter real eficácia. É o remdesivir.” A Gilead tem ensaios a decorrer com centenas de pessoas infetadas e esperam-se resultados em abril.
Os remédios mais seguros
h E em Portugal? O Infarmed confirma as expectativas favoráveis e os ensaios recentes. Mas realça que o fármaco não está autorizado (a própria farmacêutica diz no seu site que o medicamento não tem licença em nenhum país). No entanto, neste contexto de pandemia, pode ser dada uma “autorização de utilização excecional individual requerida por uma instituição de saúde (…) que entenda não existir alternativa terapêutica ao caso concreto”. Fonte oficial do Infarmed diz à SÁBADO que, nesse âmbito, já “autorizou três pedidos de utilização” do remdesivir em Portugal para doentes com Covid-19. A um segundo email, sobre que hospitais pediram e qual o quadro clínico dos doentes antes e depois do uso do fármaco, não obtivemos resposta até ao fecho desta edição, dia 31. Jaime Nita, do Egas Moniz, diz-nos que o remdesivir faria uma “associação ótima com a ribavirina, que é um antivírico de largo espectro, que está demonstrado ser eficaz em doenças víricas tão diferentes como a hepatite C ou a febre de Lassa ou os hantavírus (estes últimos são transmitidos ao homem por roedores – ratos, por exemplo –, que provocam problemas renais ou in
suficiência pulmonar). Mas temos um problema grave, que é não haver remdesivir. Está a fazer-se muita força, nomeadamente da parte dos médicos, para que o Infarmed o consiga e autorize. Mas o Infarmed não é propriamente a instituição mais ágil”.
As notícias de recuperações de doentes têm levado muita gente a tentar comprar estes medicamentos – uma vez que quase todos já existem no mercado, embora para outras doenças. Maria João Brito, chefe da Unidade de Infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, diz à SÁBADO que já chegou a administrar vitamina C a um doente com Covid-19, mas quase se arrependeu de falar nisso, “não vá haver uma corrida às farmácias”.
Certo é que a vitamina C – que tem atividade antioxidante e pode reduzir o stress oxidativo e a inflamação – faz parte da longa lista de Terapêuticas Experimentais que a Direção-Geral da Saúde permite que os médicos usem em pacientes com Covid-19 (está lá também o remdesivir, o tocilizumab, etc.). Mas não há nenhuma evidência científica robusta de que faça a diferença. E, mesmo que fizesse, só deve ser administrada em meio hospitalar. Porque os riscos são mesmo muitos. A 23 de março, a Banner Health – grupo empresarial americano ligado à saúde – divulgou que um sexagenário morreu e a mulher ficou em estado crítico depois de terem ingerido fosfato de cloroquina por causa da Covid-19. Não é claro se já tinham sido contagiados pelo vírus, mas a este casal só interessou o nome “cloroquina” que estava escrito na embalagem do produto que ingeriram e que, na verdade, era um aditivo usado para limpar aquários.
A cloroquina – usada há décadas, em milhões de pessoas, contra a malária, tal como a hidroxicloroquina, uma versão menos tóxica – é outro dos candidatos ao tratamento da Covid-19. A primeira é comercializada
HÁ MEDICAMENTOS QUE PODEM FAZER MAIS MAL DO QUE BEM. MAS ISSO NÃO TEM IMPEDIDO A CORRIDA ÀS FARMÁCIAS
no medicamento Aralen, e a segunda no Plaquenil. O súbito mediatismo levou o Ministério da Saúde do Brasil a avisar a população que a comprasse na farmácia, que não cura a Covid-19. Mas todos os medicamentos com esse princípio ativo “desapareceram das prateleiras das farmácias do Rio de Janeiro”, noticiou a Globo há dias. Há notícias de ruturas de stocks também em França e Itália. O Infarmed diz à SÁBADO que em Portugal “estão a ser adquiridas centralmente mais embalagens de hidroxicloroquina, sendo a distribuição assegurada pelo Laboratório Militar.”
“O nosso protocolo [no hospital Egas Moniz], tal como acontece no São João, no Porto, põe na primeira linha a cloroquina (ou a hidroxicloroquina, tanto faz) juntamente com um antibiótico, a azitromicina”, diz Jaime Nina. “Não é pelo efeito antivírico deles (nem os antimaláricos nem os antibióticos o têm), mas porque mudam o ambiente intercelular, tornando-o menos favorável à multiplicação dos vírus. Estão a ser usados em todos os doentes, são fármacos muito seguros e com muito poucas contraindicações, daqueles que se pressupõe que mal não vão fazer.”
Mas sente-se uma melhoria nos doentes? “Subjetivamente sentem-se melhor. Isso pode ser só mudança dos sintomas e o risco de morte manter-se igual. Mas alguns estudos sugerem que há também uma diminuição de mortalidade, dos dias passados em Cuidados Intensivos, etc. Mas isto, por enquanto, é apenas uma impressão,” conclui o médico.
No fim de semana passado, o Expresso noticiava que a hidroxicloroquina estava a ser equacionada pela Ordem dos Médicos para administração aos profissionais de saúde – à semelhança do que se está a fazer em alguns países com a vacina da tuberculose – como forma de pre- Q
Q venção. À SÁBADO, o bastonário, Miguel Guimarães, fala apenas em reflexão sobre essa hipótese –“Não há nada para dizer ainda. E pode não dar nada” – e faz questão de realçar que não se fica imune tomando o fármaco. A questão do alarme social é sensível para a comunidade médica, porque a automedicação de antimaláricos e antivíricos pode trazer graves problemas cardíacos e hepáticos.
Os perigos da cloroquina h Há dezenas de ensaios a decorrer – a maior parte na China – com a cloroquina e a hidroxicloroquina, sozinhas ou em associação com outros fármacos, para verificar a sua eficácia no ataque à Covid-19. Mas é de França que chega a melhor história, neste caso com a hidroxicloroquina. Passou-se com Didier Raoult, um microbiologista de 68 anos, de métodos pouco ortodoxos e aspeto de guru. Professor universitário, membro do comité científico que assessora o Presidente francês Emmanuel Macron, é especializado em doenças infecciosas, campo onde dirige uma unidade de investigação em Marselha com dezenas de cientistas. É também um enfant terrible no mundo da ciência. Recentemente, o seu laboratório decidiu tratar doentes com hidroxicloroquina (sozinha ou com a azitromicina, o antibiótico já citado). O estudo começou com 26 pacientes, mas no fim eram só 20 e, de facto, os resultados foram excelentes, especialmente quando os tratamentos combinaram as duas substâncias: 75% ficaram curados em 10 dias. Mas e os outros seis doentes? Três foram para os Cuidados Intensivos, um abandonou o hospital, outro deixou o estudo por sentir náuseas e outro morreu. Ou seja, 23% da amostra inicial (6 em 26).
Ainda assim, o artigo foi publicado a 16 de março na plataforma medRxiv. Ainda não tinha sido revisto pelos pares (a imprescindível peer review, que pode demorar semanas ou meses), mas no mesmo dia foi submetido a um jornal médico também de Marselha (o International Journal of Antimicrobial Agents), aceite no dia 17 e publicado a 20. Um dos coautores do estudo, Jean-Marc Rolain, é o diretor do jornal – e assim a peer review foi feita em 24 horas.
A revista Wired contou depois o lado americano desta história. Um advogado chamado Gregory Rigano, que trabalha na indústria farmacêutica, soube do estudo do francês e foi à Fox News falar dele. Donald Trump terá visto e tratou do assunto no Twitter: “Esperamos que [a hidroxicloroquina com a azitromicina] sejam postas à disposição imediatamente. Pessoas estão a morrer, despachem-se e Deus abençoe todos.” Depois fez um link para o jornal de Marselha e daqui veio a fama mundial para Didier Raoult.
Ao contrário do Governo francês (que teve de vir a público anunciar que ainda não havia evidências científicas sobre o tratamento), Trump chegou a dizer que a hidroxicloroquina estava aprovada para a Covid-19, uma gafe monumental de que resultou mais uma corrida às farmácias nos EUA para automedicação. França e a Índia já proibiram exportações destes medicamentos, e na Nigéria, que tem pouco mais de 100 casos de Covid-19, o Governo anunciou que, pelo menos, três pessoas deram entrada nos hospitais intoxicadas com cloroquina.
O comprimido milagroso
h Didier Raoult foi capa da última Paris Match. Título: “Coronavírus.
DAVID HO, QUE CONSEGUIU O TRATAMENTO PARA A SIDA, ESTÁ A TENTAR ENCONTRAR UMA VACINA PARA A COVID-19
O INVESTIGADOR ESTÁ A ESTUDAR OS MORCEGOS, OS HOSPEDEIROS NATURAIS DOS CORONAVÍRUS
Terá o professor Raoult encontrado a cura?” Em simultâneo, a Bloomberg usou quase o mesmo título (“A cura começa aqui”), mas o cientista é outro: David Ho. Trata-se de um taiwanês-americano que, a meio dos anos 90, mudou o VIH/sida de doença mortal para doença crónica – e depois de ter conseguido o tratamento, virou-se para a procura de uma vacina. O seu prestígio é tanto que recebeu 8 milhões de dólares (7,2 milhões de euros) como incentivo para descobrir uma vacina para a Covid-19. Entre os dadores estava Jack Ma, o homem mais rico da Ásia, o cofundador do grupo Alibaba, um colosso de comércio eletrónico.
Hoje com 67 anos, David Ho diz à Bloomberg que está a trabalhar num comprimido que nos consiga curar dos coronavírus, este e os que se seguirão. “De certeza que vai haver outro”, referiu. Ho está especialmente focado num animal que foi o hospedeiro natural do Ébola e dos três coronavírus mais conhecidos (o da MERS, da SARS e o da Covid-19). “Os morcegos são um quinto dos mamíferos do planeta e há muitos vírus neles.”
O seu plano de ataque para o novo coronavírus é encontrar um anticorpo que impeça o vírus de entrar nas células. “O primeiro passo foi obter glóbulos brancos específicos, chamados células B da memória, de pacientes recuperados da Covid-19. Essas células, chamadas assim porque conseguem lembrar-se de um vírus durante décadas, contêm marcadores nas suas superfícies que permitem ao corpo gerar rapidamente muitos anticorpos para esse vírus. Esses anticorpos ajudam a proteger contra a infeção por Covid-19”, explicou o investigador.
As amostras de sangue desses doentes foram colhidas em Hong Kong em final de janeiro, congeladas em nitrogénio a 150 graus negativos e enviadas para os EUA em pequenos frascos. É o mesmo caminho que está a trilhar a Regeneron Pharmaceuticals, uma farmacêutica americana que tem no currículo recente o REGN-EB3, um tratamento (trata-se de um cocktail de anticorpos monoclonais) que parece ser o primeiro a finalmente conseguir fazer frente ao ébola.
Portugal aprende com Itália
h Nenhum destes cenários de inovação parece possível em Portugal. Não há dinheiro, logo, não há condições. “Se não tivermos condições, os cérebros vão embora. Os nossos melhores cérebros nesta área certamente já não estão em Portugal”, diz à SÁBADO Filipe Froes. Por isso, os hospitais portugueses absorvem o que se está a fazer lá fora. E têm uma sorte mórbida: como estamos mais atrasados no surto, vamos aprendendo com o que está a acontecer em Espanha e Itália. Há canais de comunicação entre os médicos, dos formais (OMS, DGS, publicações científicas de referência, etc) aos informais, “incluindo grupos no WhatsApp”, como refere Filipe Froes. Há poucos dias houve uma conferência online da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos com um convidado: um médico italiano, visivelmente cansado, que ajudou os colegas portugueses a perceberem melhor a frente da guerra, na Lombardia.
“Pela minha experiência, após quatro ou cinco horas é perigoso estar no interior dos Cuidados Intensivos. Nós organizámo-nos de modo a que, a cada quatro ou cinco horas, vamos ao exterior. É melhor ter apenas um médico fresco do que dois cansados. Ter a cabeça ativa e pronta a responder a emergências é uma das coisas mais importantes,
EM PORTUGAL AINDA NÃO HÁ UMA BASE DE DADOS GERAL COM OS FÁRMACOS DADOS AOS DOENTES DA PANDEMIA
porque há muitas emergências a acontecer com os doentes”, disse Tommaso Mauri.
Além de outros problemas de recursos humanos, Mauri falou dos tratamentos. “Começámos com o Kaletra (antiretrovial criado pelos Laboratórios Abbott para o VIH que junta lopinavir e ritonavir), mas depois saiu o estudo na New England
[Journal of Medicine], que mostrou que não trazia benefícios. Não acho que seja um estudo definitivo, mas pode causar muitos problemas no fígado, portanto praticamente parámos de dar. Só um terço usa. Hidroxicloroquina usamos porque não tem efeitos secundários. Usamos remdesivir em alguns doentes apenas, não muito graves, e através da comissão ética do hospital. Ninguém sabe qual é o [fármaco] mais efetivo, cada paciente tem a sua poção de medicamentos.”
Em Portugal, não há sequer uma base de dados que compile os fármacos que estão a ser administrados aos doentes internados com Covid-19. Quem dá o quê? A quem? Que efeitos teve? Não há, mas vai haver, diz Jaime Nita. “Está-se a organizar. Esta rede é para que o diálogo, em vez de ser baseado no telefone, do ‘Ó Zé, o que é que estás a fazer?’, seja uma coisa mais formal e tenha um formato único para poder comparar resultados. Entretanto, o número de doentes internados continua a crescer, não de forma explosiva, mas sustentada e preocupante, portanto infelizmente vamos ter muitos doentes.” Uma evidência que torna ainda mais premente encontrar uma resposta para a pergunta que todos fazem: quando teremos um tratamento verdadeiramente eficaz para a Covid-19? W