SÁBADO

O QUE MUDOU NOS TREINOS DOS ATLETAS

Improvisam ginásios no jardim, usam simuladore­s e recorrem aos vídeos para perceber o que podem melhorar. Alguns ainda saem de casa para correr, mas por períodos muito curtos.

- Por Carlos Torres e Pedro Ponte

Com as competiçõe­s paradas e toda a gente em casa para escapar à epidemia de covid-19, fomos ver como é que cinco atletas olímpicos, um jogador e um treinador de futebol estão a treinar durante a quarentena. E eles até fizeram fotos de propósito para a SÁBADO.

SURF FREDERICO MORAIS

h Como é que se consegue praticar surf sem ser no mar? Frederico Morais admite que “em vez de ter um ginásio dentro de água, como era normal”, agora tenta fazer isso em casa. “Com o meu preparador físico, temos apostado nuns exercícios que obriguem a fazer mais força, que combinam as pernas com a parte superior do corpo, para usar a força dos abdominais, porque a parte abdominal é muito importante para surfar. A ideia é melhorar a força e a estabilida­de, para quando regressar ao mar não me sentir perro”, destaca à SÁBADO o surfista, de 28 anos, que este ano tinha voltado ao circuito mundial (em 2017 foi 2º na África do Sul, o melhor resultado de sempre de um português).

Frederico Morais ainda foi algumas vezes surfar – “ia de madrugada, para praias desertas na zona de Lisboa, e só ficava na água uma hora” – mas há mais de uma semana que não vai ao mar. “As praias estão interditad­as e tenho de dar o exemplo”, assegura. “Tenho visto as filmagens das minhas provas do início da época, para corrigir alguns aspetos e melhorar. É também importante ter cuidado com o que se come, para manter o peso, porque estando em casa mais tempo há tendência para se comer mais.”

CANOAGEM FERNANDO PIMENTA

h Fernando Pimenta continua a ir fazer canoagem no rio Lima. Mas também teve de fazer alterações. “Claro que agora vou muito menos vezes. Na semana passada, apesar de ter estado bom tempo, fiz vários treinos no simulador que tenho na minha garagem. Não é a mesma coisa, mas a ideia é evitar estar sempre a sair de casa”, adianta à SÁBADO o canoísta, que já ganhou 90 medalhas em provas internacio­nais – foi prata no Jogos Olímpicos de 2012.

“Um atleta de alta competição tem de saber adaptar-se a novas regras ou métodos de trabalho.” É isso que tem feito. “Antes era normal fazermos estágios e treinos em grupo ou ter o acompanham­ento permanente do treinador. Agora, muitas vezes sou só eu e o meu kayak no meio do rio.”

Como vive em Ponte de Lima, uma zona menos populosa, tem mantido o hábito de ir correr. “A questão é que mal saio de casa apanho logo uma ecovia. Há muito espaço, e mesmo se nos cruzarmos com alguém dá para manter as distâncias de segurança. Mas faço percursos mais curtos e ao chegar a casa a roupa e os sapatos ficam logo à porta.”

O futuro permanece uma incógnita, mas Fernando Pimenta tem esperança de estar no Mundial que ia decorrer na Hungria, em julho, para distâncias não olímpicas. “Seria bom que adiassem a prova, por exemplo, para agosto, e permitisse­m que os atletas que iam aos Jogos Olímpicos de Tóquio também pudessem participar.”

TÉNIS JOÃO SOUSA

h Em vez de Miami, Guimarães. Em vez de competir no Masters 1000, fica em casa com os pais. Nas últimas semanas, tem sido esta a vida de João Sousa, que nem sequer pega numa raqueta. “Estou a cumprir a quarentena, com a minha família, por isso não dá para ir até aos courts. Felizmente, como tenho uma casa grande dá para fazer algum exercício no jardim. Falo com os meus treinadore­s e vou mantendo a forma”, contou à SÁBADO o tenista, de 30 anos, nº 66 do ranking mundial.

João Sousa estava a ter um mau arranque de temporada: perdeu os cinco primeiros jogos de 2020, só conseguind­o festejar a 6 de março – ganhou ao lituano Julius Tverijonas, o nº 791 do ranking, numa partida da Taça Davis. Uma má fase que se poderá explicar, em parte, por não estar ainda totalmente recuperado da fratura de esforço que fez no pé esquerdo em outubro. Por isso, João Sousa diz que a paragem “vai ser benéfica para que o pé Q

“É IMPORTANTE TER CUIDADO COM O QUE SE COME. ESTANDO SEMPRE EM CASA HÁ TENDÊNCIA PARA COMER MAIS”

Q fique a 100% e possa competir sem dores quando o mundo voltar à normalidad­e”.

Campeão do Estoril Open em 2018, lamenta que a prova não se realize este ano (começava a 25 de abril). “É triste para mim, porque é o meu torneio favorito, e para o ténis português. Mas acredito que em 2021 vai voltar com uma edição excelente.”

FUTEBOL FÁBIO CARDOSO

h Quando a I Liga foi interrompi­da, o Santa Clara seguia num tranquilo 9º lugar, e os jogadores da equipa açoriana tentam manter as rotinas, à espera que regresse o futebol. Mas não é a mesma coisa. “Por muito que os jogadores se apliquem nunca será igual. O treino no campo mexe muito com a parte psicológic­a. É muito diferente, mas seria mais estranho se estivéssem­os parados. Através de uma plataforma eletrónica temos feito treinos conjuntos de uma hora, cada um em sua casa, e só a parte de cardio e o trabalho com bola é que é individual”, revela à SÁBADO o defesa Fábio Cardoso, de 25 anos.

O lado positivo é o facto de poder passar o dia com a mulher, Cátia, e a filha Vitória, de 5 meses. “Se a menina dormir bem levanto-me por volta das 8h. Se dormir mal levanto-me mais cedo. Tomo o pequeno-almoço, respondo ao questionár­io que o clube nos faz, para saber como passámos a noite e como nos sentimos, e faço o treino da manhã”, explica. Depois do almoço e de algum tempo de descanso no sofá, segue-se nova fase do trabalho diário: “Às 15h faço a parte de cardio, depois tomo banho e, a partir daí, tenho o dia livre. Tenho visto muitas séries, jogo PlayStatio­n e, como gosto de ler, também vou começar um novo livro.”

ATLETISMO CARLA SALOMÉ ROCHA

h Carla Salomé Rocha prepara-se para a maratona de Londres, que se realiza a 26 de abril, correndo 200 km por semana (uma média de 30 km por dia). Isto era o que aconteceri­a num mundo sem coronavíru­s. Com a pandemia, a realidade é outra, e não faz mais de 30 km por semana. “Como os Jogos Olímpicos foram adiados para 2021 e só vai haver maratonas, na melhor das hipóteses, em outubro, decidi deixar praticamen­te de correr”, conta à SÁBADO.

Sai de casa duas vezes por semana, para correr distâncias curtas. “Saio a horas madrugador­as, para não apanhar ninguém”, explica a atleta do Sporting, de 29 anos, que em 2019 foi 8ª na maratona de Londres, com 2h24m47s, a terceira melhor marca de sempre nas portuguesa­s, só atrás de Rosa Mota e Jéssica Augusto.

Carla improvisou um ginásio no jardim de casa, em Vizela, onde faz exercícios com a ajuda do treinador, que lhe dá indicações via Skype. “Faço muito reforço muscular, através de peso corporal e bolas medicinais. A ideia é mantermo-nos ativos, para não enlouquece­rmos dentro das quatro paredes”, diz, revelando que aproveita para ler mais, ver séries, ouvir música e apanhar sol no jardim.

Carla vive uma pré-época. “É verdade, tínhamos um caminho, que era atingir o pico de forma em agosto, nos Jogos, mas agora temos de fazer um plano completame­nte novo.”

CICLISMO MARIA MARTINS

h Com 20 anos, foi a primeira portuguesa a qualificar-se para os Jogos Olímpicos no ciclismo de pista, mas o sonho foi adiado para 2021. “Fiquei triste, mas foi a decisão certa. Não íamos chegar lá nas melhores condições psicológic­as, pois o que está a acontecer no mundo afeta-nos, e também físicas, porque não conseguimo­s treinar na máxima intensidad­e.”

A viver na aldeia de Moçarria, em Santarém, continua a andar de bicicleta nas estradas da região. “Felizmente, o Governo permitiu que os atletas do projeto olímpico possam fazer alguma atividade no exterior. Mas vou por pouco tempo: 1h, 1h30, quando antes podia ir 4h. Faço parte do trabalho em casa, com a bicicleta presa nos rolos, mas só estou a treinar dois terços do normal”, revela Maria, que entrou para a história do ciclismo de pista português ao conquistar uma medalha de bronze no Europeu e outra no Mundial.

Maria não sabe quando é que poderá voltar a correr no Velódromo de Sangalhos (Bairrada), onde se sagrou campeã nacional em três vertentes no início de fevereiro. “Só vamos lá para treinos mais específico­s, de resto faço tudo sozinha, com o meu treinador a enviar-me exercícios por

email ou pelo WhatsApp. Mas agora até estou a aproveitar esta fase para fazer um período de descanso.” W

A PREPARAR-SE PARA A MARATONA DE LONDRES, CARLA FAZIA 200 KM POR SEMANA. AGORA CORRE APENAS 30 KM

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j Frederico Morais: “em vez de ter um ginásio dentro de água”, treina no jardim de casa
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De quarentena em casa dos pais, em Guimarães, João Sousa faz alguns exercícios na sala
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h Fernando Pimenta ainda vai ao rio fazer canoagem, mas agora usa mais vezes o simulador que tem na garagem
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Maria Martins ainda anda de bicicleta nas estradas de Santarém, mas na maior parte do tempo pedala em casa
Carla Salomé Rocha no ginásio que improvisou no jardim de sua casa, em Vizela Maria Martins ainda anda de bicicleta nas estradas de Santarém, mas na maior parte do tempo pedala em casa
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Fábio Cardoso usa uma plataforma eletrónica para treinar com os colegas

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