AS VISÕES DO FUTURO
Eu era praticamente virgem. Tirando um ou outro flirt com os áudios do WhatsApp, a minha relação com as redes fundava-se no voyeurismo. Era elas lá, eu cá, eu a vê-las, elas a monitorizarem as minhas escolhas – tudo bem, o que é que uma pessoa vai fazer, viver numa caverna? “Sim”, disse a quarentena, “mas liga o wi-fi”.
Com saudades de viver em 3D, eu escolhera passar o domingo de forma temática. A televisão oferecia-me a purga metafórica e eu aceitava: primeiro vi A Purga e depois, para tirar as dúvidas, vi A Purga: Anarquia. Oportunista, a saga empurrava as tensões para dentro de casa, apresentando uma sociedade que guardava os instintos violentos para uma noite de caça na rua.
Na história, quem tivesse dinheiro para sistemas de segurança devia fechar-se em casa e esperar que o dia nascesse; quem tivesse vontade tinha 12 horas para matar quem não tivesse dinheiro para sistemas de segurança. “Uma joia de mundo”, diria Trump a Bolsonaro, se não tivesse tido a ideia antes.
Apesar de estar a apreciar a premissa do filme, não me estava a conseguir entusiasmar – até num mundo absurdo tudo era previsível (heróis e objetivos desfilavam ao ritmo da novela das 21h). O meu cérebro – que por estes dias parece receber diretamente as notificações do WhatsApp – fez então o que melhor faz: distraiu-se com uma mensagem.
Era uma amiga. “Vamos beber um copo ao Skype, anda.” Tentei explicar-lhe: “Skype e Skip são coisas diferentes?!” Ela insistiu, eu instalei o Skype, ela serviu-se de vinho, eu decidi jantar Porto Tónico. A conversa começou animada, depois ficou triste, depois animou outra vez e foi então que decidimos convidar o tarot para o chat.
Queríamos saber do futuro – quem não? E as cartas disseram-nos tudo. Quando digo tudo é tudo: isto não está fácil e ainda vai piorar antes de melhorar; depende de nós, o que pode ser bom mas também pode ser um desastre. O futuro, diz o tarot, será o que fizermos dele. Como é que eu o vi? Turvo. Mas, bom, pode ter sido da purga (e quase de certeza que foi do álcool). W
QUERÍAMOS SABER DO FUTURO – QUEM NÃO? E AS CARTAS DO TAROT DISSERAM-NOS TUDO