SÁBADO

AS VISÕES DO FUTURO

- ÂNGELA MARQUES

Eu era praticamen­te virgem. Tirando um ou outro flirt com os áudios do WhatsApp, a minha relação com as redes fundava-se no voyeurismo. Era elas lá, eu cá, eu a vê-las, elas a monitoriza­rem as minhas escolhas – tudo bem, o que é que uma pessoa vai fazer, viver numa caverna? “Sim”, disse a quarentena, “mas liga o wi-fi”.

Com saudades de viver em 3D, eu escolhera passar o domingo de forma temática. A televisão oferecia-me a purga metafórica e eu aceitava: primeiro vi A Purga e depois, para tirar as dúvidas, vi A Purga: Anarquia. Oportunist­a, a saga empurrava as tensões para dentro de casa, apresentan­do uma sociedade que guardava os instintos violentos para uma noite de caça na rua.

Na história, quem tivesse dinheiro para sistemas de segurança devia fechar-se em casa e esperar que o dia nascesse; quem tivesse vontade tinha 12 horas para matar quem não tivesse dinheiro para sistemas de segurança. “Uma joia de mundo”, diria Trump a Bolsonaro, se não tivesse tido a ideia antes.

Apesar de estar a apreciar a premissa do filme, não me estava a conseguir entusiasma­r – até num mundo absurdo tudo era previsível (heróis e objetivos desfilavam ao ritmo da novela das 21h). O meu cérebro – que por estes dias parece receber diretament­e as notificaçõ­es do WhatsApp – fez então o que melhor faz: distraiu-se com uma mensagem.

Era uma amiga. “Vamos beber um copo ao Skype, anda.” Tentei explicar-lhe: “Skype e Skip são coisas diferentes?!” Ela insistiu, eu instalei o Skype, ela serviu-se de vinho, eu decidi jantar Porto Tónico. A conversa começou animada, depois ficou triste, depois animou outra vez e foi então que decidimos convidar o tarot para o chat.

Queríamos saber do futuro – quem não? E as cartas disseram-nos tudo. Quando digo tudo é tudo: isto não está fácil e ainda vai piorar antes de melhorar; depende de nós, o que pode ser bom mas também pode ser um desastre. O futuro, diz o tarot, será o que fizermos dele. Como é que eu o vi? Turvo. Mas, bom, pode ter sido da purga (e quase de certeza que foi do álcool). W

QUERÍAMOS SABER DO FUTURO – QUEM NÃO? E AS CARTAS DO TAROT DISSERAM-NOS TUDO

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