A carteira e a vida
TEMPOS DE CRISE
despertam o racista que há em nós. Que o diga Francisco Louçã, eternamente aprisionado à sua cartilha marxista. A Alemanha não quer ajudar os países do Sul com a emissão de dívida conjunta? É natural. Na visão de Louçã, os capitalistas alemães representam o mesmo que os “judeus” na teologia do tio Karl: agentes do lucro que habitam as catacumbas da sociedade burguesa e que, no limite, a dominam. Por isso lucram com as crises: onde os inocentes vêem desastre económico e mortandade em larga escala, os alemães vêem juros negativos, cifrões, cofres cheios.
Seguindo o raciocínio de Louçã até às últimas consequências, o ideal era o Sul da Europa colapsar de vez para que a Alemanha reinasse, gloriosa e solitária, sobre os escombros.
O fanatismo de Louçã é tão intenso que o homem nem percebe o que significariam os famosos coronabonds para a Europa – e para o seu pequeno grupelho. Não, não seriam almoços grátis. Com a mutualização da dívida viria também uma transferência real e talvez definitiva do que resta da nossa soberania para Bruxelas, Frankfurt e Berlim. E com o Bloco de Esquerda a uivar à Lua.
No fundo, e para fugir da “agiotagem” alemã, o dr. Louçã estaria disposto a entregar os destinos do País aos próprios “agiotas”. Este homem é um génio.
OUTRO GÉNIO É RUI RIO.
Em latitudes menos civilizadas, é função dos governos apresentar as oposições como antipatrióticas.
Em Portugal, o dr. Costa nem precisa dessas canseiras. É a própria oposição a definir qualquer oposição como antipatriótica. “Fragilizar o Governo é fragilizar o nosso combate [ao vírus]”, disse Rio em entrevista à RTP. E se o Governo estiver a cometer erros medonhos que poderiam ser evitados pela discussão e pela crítica?
Silêncio, ordena Rio. É melhor falhar em unidade do que acertar em desunião. De tal forma que não seria de excluir que, perante a pandemia, todos os partidos imitassem o gesto de Rui Rio no parlamento e fossem simplesmente para casa.
Aliás, o desejo de Rio em dissolver a oposição é tão premente que ele já se imagina, no pós-crise, alçado a ministro de um “governo de salvação nacional”. É a velha receita de um País sem tradição democrática e liberal, que venera a autoridade e teme qualquer discordância.
E se isso implicar, pela lei natural das coisas, o inevitável crescimento dos extremos, tenho a certeza que a imprensa e as televisões mais amigas saberão montar um cordão sanitário à volta desses leprosos. Fascismo nunca mais.
NESTES TEMPOS DE PESTE,
uma discussão filosófica contaminou certos espíritos. Oqueé mais importante, a saúde ou a economia? Instintivamente, diria queéasaú de. Mas, aqui entre nós, será que haverá saúde sem economia?
Estudiosos vários sublinham o óbvio: a pobreza mata. O desemprego mata. O desespero mata. A Universidade de Bristol, aliás, foi mais longe e deu números: quando a economia contrai mais do que 6,4%, uma cifra perfeitamente admissível para a recessão que nos espera, o número de vítimas que a destruição de riqueza provoca pode exceder facilmente o número de mortos por covid-19.
Sim, a quarentena geral é necessária para ganhar tempo, proteger os vulneráveis e impedir o colapso dos sistemas de saúde. Mas é preciso começar a pensar em voltar ao trabalho, por mais que isso desperte a ira das almas simples. Os que sobreviveram à doença e estão imunizados deviam ser os primeiros a avançar – e a Alemanha, segundo a Der Spiegel, pondera criar “certificados de imunidade” para quem passou pela covid-19 e criou as defesas respectivas.
Éa primeira ideia com pés e cabeça a emergir do caos, confesso. Mas também pode ser a prova final de que os alemães são mesmo um bando incorrigível de gananciosos. Vamos perguntar ao dr. Louçã? W