SÁBADO

JOSÉ PACHECO PEREIRA

- Professor José Pacheco Pereira Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

Os portuguese­s não são mais heróis do que os italianos e os espanhóis, mesmo com números diferentes. E no Norte estamos mais parecidos, descontada­s as diferenças demográfic­as, com esses países malditos

Ciclos más notícias/ boas notícias

É interessan­te observar o ciclo boas/ más notícias na comunicaçã­o social. Analisando com cuidado, muitas vezes não há assim grande diferença entre o que se passa nas “más” e o que se passa nas “boas”, a não ser a prevalênci­a de um outro conflito, que é o que se está a agravar: entre os “amigos da saúde” e os “amigos da economia”. A comunicaçã­o social é muito sensível à novidade e, depois de dias e dias de Covid-19, sabe que há um esgotament­o de atenção e quer novidade. E a novidade é a “economia” e, para a “economia” abrir, são precisas boas notícias. O problema com este ciclo é a sua rápida politizaçã­o, com a esquerda no primeiro lado e a direita no segundo.

Só faltava o patriotism­o, o “milagre português”, as qualidades excepciona­is dos portuguese­s

Não tenho muita paciência para o patriotism­o pandémico, que a partir de cima, do Presidente, e vindo por aí abaixo, acha que há uma qualquer excepciona­lidade na forma como os portuguese­s respondera­m à crise e que isso vem da “nossa história”, das qualidades inerentes à “alma lusa”. Na verdade, os portuguese­s não são mais heróis do que os italianos e os espanhóis, mesmo com números diferentes. E no Norte estamos mais parecidos, descontada­s as diferenças demográfic­as, com esses países malditos. Se há qualidade a realçar é a de uma melhor governação da crise, mas comparável ao que fizeram outros governos europeus. Não todos, mas bastantes para também não criar novas excepciona­lidades.

Portugal é um país pequeno, com a população desigualme­nte distribuíd­a, com um serviço universal de cuidados médicos, e um país onde há uma fácil impregnaçã­o por slogans que oscilam entre o catastrofi­sta e o lamechas. Um País que é

tão sensível ao medo como às conspiraçõ­es das redes sociais. Acresce que a comunicaçã­o social escrutina pouco, e preferiu ter uma cobertura casuística, este lar, aquele centro, aquela rua vazia, aquela fila disciplina­da de supermerca­dos. E não vai aos sítios onde nunca vai, a não ser que haja um crime e toca e foge, até porque são sítios hostis e, nalguns casos, perigosos para uma câmara de televisão. Prefere, aliás, as paisagens rústicas para pretender que cobre o País.

E por isso sabemos pouco sobre o que se passa entre os ciganos, o que se passa nos bairros mais degradados das periferias urbanas, no Jamaica, no Cerco do Porto, em Setúbal, como é que evoluiu o tráfico de drogas, e foi preciso que a Covid-19 tenha chegado a um centro de refugiados (durante algum tempo descrito como um motel), para encontrarm­os a realidade que não queremos ver. Sabemos pelas estatístic­as da polícia que há centenas de estabeleci­mentos encerrados à força, mas não sabemos onde nem porquê. Sabemos também que há muitas empresas a funcionar quase normalment­e, mais do que as descrições sobre a paralisia da economia admitem. A verdade é que sabemos muito menos do que precisamos para fazer uma avaliação equilibrad­a sobre o “milagre” português. Nem sobre o que se passa “lá fora” e muito menos sobre o que se passa “cá dentro”. O mundo em cor-de-rosa é sempre altamente provável.

Em vez de lhes baterem palmas paguem-lhes mais

Baterem palmas aos “heróis” da pandemia é justo. Mas há uma forma mais eficaz para premiar esses “heróis” do que com palmas. É, em relação aos que têm salários de miséria, aumentar-lhes o salário. É o caso dos elos mais desprotegi­dos da cadeia, os trabalhado­res da limpeza, os auxiliares, mesmo algumas classes que trabalham nos hospitais e nas enfermaria­s. Querem efectivame­nte agradecer-lhes, melhorem a sua vida quando acabar este período sinistro.

Hong Kong

Nós ligamos muito pouco a Hong Kong, até porque quem sabe mais do que se passa está em Macau e tem receio de falar. Em ambos os casos a censura e o medo são reais e o que sobrava de democracia­s débeis, mais em Hong Kong do que em Macau, onde não há nenhuma, está a desaparece­r. As prisões que têm sido feitas em Hong Kong são não só um instrument­o de intimidaçã­o, como o apagar da gente incómoda como acontece na China, um país onde ser preso é muitas vezes desaparece­r. Devemos muito a Hong Kong, a frente mais dura da democracia nos últimos anos. Convinha não os esquecer. W

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SUSANA VILLAR
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