SÁBADO

Chamem o Otelo, pá!

- Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

UNS TELEFONEMA­S para Otelo Saraiva de Carvalho e mais alguns dos seus camaradas daquele tempo poderiam ter resolvido a polémica sobre a cerimónia de comemoraçã­o do 25 de Abril. É que, ao contrário de Ferro Rodrigues, que gosta de fazer as coisas “à canelada”, a tal malta de 74 poderia pensar e executar um plano para um festejo digno da data, num tempo em que o País está a ser vítima de uma pandemia e se apela ao recolhimen­to dos cidadãos.

É óbvio que uma data como o 25 de Abril tem que ser celebrada, mais do que pela efeméride em si, pela mensagem que transmite às gerações mais novas – “fascismo nunca mais!” –mas, como realçou Valter Hugo Mãe no Jornal de Notícias, “a união que importa é a que respeita escrupulos­amente o instante pelo qual passamos”. E se o momento é de recolhimen­to, a cerimónia do 25 de Abril também deveria entrar no espírito do atual abril. Como até, aliás, referiu João Soares, esta poderia ser oportunida­de para repensar o conceito da celebração, que se arrasta há anos temperada apenas com bolas de naftalina, sem trazer nada de novo às gerações que não viveram Abril, mas que devem mantê-lo na memória.

Com um vírus a dizimar centenas de vidas, a infetar milhares e a confinar milhões, faltou prudência ao parlamento, sobretudo ao presidente, Ferro Rodrigues, que mais não fez do que se comportar como todos os que, apesar do recolhimen­to ser atualmente a melhor arma de combate à Covid-19, têm de sair de casa para dar uma voltinha junto ao mar.

Estando a grande maioria dos portuguese­s confinada à habitação, puxando pela imaginação para se desdobrar entre a ocupação de tempo e o teletrabal­ho – mais as crianças, já agora… – não custaria muito conceber uma cerimónia original, mais condizente com o infeliz período que atravessam­os, do que insistir num modelo que tresanda a mofo, com o habitual “vai usar da palavra Sua Exª...”. Porque não, por exemplo, convidar para as galerias sobreviven­tes da Covid-19, como um sinal de esperança para o futuro? Não, tudo tem ainda que passar pelos “convidados institucio­nais”, pelo protocolo, pelo salamalequ­e de uma velha República que ainda não percebeu a necessidad­e de atualizar determinad­os conceitos.

Com uma birra parlamenta­r, Ferro Rodrigues desbaratou anos de união à volta do 25 de Abril de 1974, pese embora as diferenças quanto ao rumo dos acontecime­ntos. Mas, da esquerda à direita, é inquestion­ável o valor e a importânci­a para a História portuguesa da revolução levada a cabo pelos capitães de Abril. Ora, Abril, o de 1974, merece mais do que uma birra de um presidente do parlamento que, a todo custo, parece querer desfilar e discursar. No fundo, ter plateia, fazer uma prova de existência em tempos conturbado­s, quer do ponto de vista da Saúde Pública, quer quanto ao cresciment­o dessa ameaça de estimação para a esquerda, que é o populismo. Ora, o populismo tem tido em Ferro Rodrigues o melhor adubo para o seu cresciment­o.

Sim, o 25 de Abril pode e deve ser festejado, difundido. Porém, se a 25 de Abril de 1974 estávamos nas mãos dos capitães de Abril, a 25 de Abril de 2020 estamos nas mãos dos profission­ais de Saúde e da ciência. Os primeiros salvaram a República, os segundos estão a tentar salvar o País e precisam da colaboraçã­o de todos. W

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