Chamem o Otelo, pá!
UNS TELEFONEMAS para Otelo Saraiva de Carvalho e mais alguns dos seus camaradas daquele tempo poderiam ter resolvido a polémica sobre a cerimónia de comemoração do 25 de Abril. É que, ao contrário de Ferro Rodrigues, que gosta de fazer as coisas “à canelada”, a tal malta de 74 poderia pensar e executar um plano para um festejo digno da data, num tempo em que o País está a ser vítima de uma pandemia e se apela ao recolhimento dos cidadãos.
É óbvio que uma data como o 25 de Abril tem que ser celebrada, mais do que pela efeméride em si, pela mensagem que transmite às gerações mais novas – “fascismo nunca mais!” –mas, como realçou Valter Hugo Mãe no Jornal de Notícias, “a união que importa é a que respeita escrupulosamente o instante pelo qual passamos”. E se o momento é de recolhimento, a cerimónia do 25 de Abril também deveria entrar no espírito do atual abril. Como até, aliás, referiu João Soares, esta poderia ser oportunidade para repensar o conceito da celebração, que se arrasta há anos temperada apenas com bolas de naftalina, sem trazer nada de novo às gerações que não viveram Abril, mas que devem mantê-lo na memória.
Com um vírus a dizimar centenas de vidas, a infetar milhares e a confinar milhões, faltou prudência ao parlamento, sobretudo ao presidente, Ferro Rodrigues, que mais não fez do que se comportar como todos os que, apesar do recolhimento ser atualmente a melhor arma de combate à Covid-19, têm de sair de casa para dar uma voltinha junto ao mar.
Estando a grande maioria dos portugueses confinada à habitação, puxando pela imaginação para se desdobrar entre a ocupação de tempo e o teletrabalho – mais as crianças, já agora… – não custaria muito conceber uma cerimónia original, mais condizente com o infeliz período que atravessamos, do que insistir num modelo que tresanda a mofo, com o habitual “vai usar da palavra Sua Exª...”. Porque não, por exemplo, convidar para as galerias sobreviventes da Covid-19, como um sinal de esperança para o futuro? Não, tudo tem ainda que passar pelos “convidados institucionais”, pelo protocolo, pelo salamaleque de uma velha República que ainda não percebeu a necessidade de atualizar determinados conceitos.
Com uma birra parlamentar, Ferro Rodrigues desbaratou anos de união à volta do 25 de Abril de 1974, pese embora as diferenças quanto ao rumo dos acontecimentos. Mas, da esquerda à direita, é inquestionável o valor e a importância para a História portuguesa da revolução levada a cabo pelos capitães de Abril. Ora, Abril, o de 1974, merece mais do que uma birra de um presidente do parlamento que, a todo custo, parece querer desfilar e discursar. No fundo, ter plateia, fazer uma prova de existência em tempos conturbados, quer do ponto de vista da Saúde Pública, quer quanto ao crescimento dessa ameaça de estimação para a esquerda, que é o populismo. Ora, o populismo tem tido em Ferro Rodrigues o melhor adubo para o seu crescimento.
Sim, o 25 de Abril pode e deve ser festejado, difundido. Porém, se a 25 de Abril de 1974 estávamos nas mãos dos capitães de Abril, a 25 de Abril de 2020 estamos nas mãos dos profissionais de Saúde e da ciência. Os primeiros salvaram a República, os segundos estão a tentar salvar o País e precisam da colaboração de todos. W