Milagres nacionais
ANDA POR AÍ UMA ALEGRIA
macabra com a nossa luta contra a Covid-19. O entusiasmo não se limita ao Presidente da República, para quem o País é simplesmente um “milagre”. Espalha-se por políticos, comentadores, portugueses lorpas e a senhora que me vende os legumes. Não admira que o PS esteja em alta nas sondagens: com esta bebedeira colectiva, estranho que o dr. António Costa ainda não tenha sido coroado rei.
Não sei de onde vem esta alegria. Para começar, um País que caminha para os mil mortos (no momento em que escrevo) tem poucas razões para festejar. Sem falar do resto: a onda de destruição económica que aí vem, e que aliás já começou a fazer vítimas com desempregados e lay-offs, devia moderar os festejos. Pelo vistos, não modera.
Mas regresso aos mortos. O País não trilhou o caminho catastrófico da Bélgica, de Espanha ou de Itália? Verdade. Uma abençoada verdade. Mas quando olhamos para o número de vítimas por milhão de habitantes, o palco fica mais sombrio. Estamos na primeira e mais lamentável parte da tabela europeia (e até mundial). E, quando estabelecemos comparações com países demográfica ou economicamente próximos (ou ambos), somos dos piores dos piores.
Em países que rondam os 10 milhões de habitantes, só perdemos para a Bélgica e para a Suécia, ou seja, perdemos para um caso terminal de incompetência e para um país que optou, veremos se acertadamente, por não impor nenhum confinamento às massas.
Por outro lado, quando nos medimos com países de riqueza per capita semelhante, é inquietante saber que, nas mortes por milhão de habitantes, Portugal chega às 70 – mas a Grécia, com 10 milhões de habitantes, tem 10; a República Checa, também com 10 milhões, tem 17; e a Polónia, com o quádruplo da nossa população, não chega aos dois dígitos.
Com este cenário e um futuro que ninguém adivinha quando o País regressar à normalidade, o carnaval que vejo por aí não passa de uma piada de mau gosto.
TODO O MUNDO RI
e insulta Jair Bolsonaro. Com um primitivismo imaculado, o Presidente do Brasil não hesita em considerar-se acima da ciência e do bom senso para fazer de conta que nada mudou com a crise do coronavírus. E quem não concorda com ele, sugerindo maior recolhimento, só pode ser comunista ou coisa pior. Se não fossem os governadores estaduais, que ainda vivem neste planeta, o Brasil estaria condenado. E nós?
Nós temos vários Bolsonaros, que praticamente não se distinguem do original. O País está em estado de emergência? Está. Mas eles acham-se acima do povaréu comum para comemorar o 25 de Abril como se a realidade (e a lei) não se lhes aplicasse. A única diferença é que Bolsonaro vê comunistas em todo o lado e os nossos abrileiros vêem fascistas em todo o lado. Mas, em termos cognitivos e neurológicos, revelam a mesma predisposição para a boçalidade.
Julgava eu que o pior desta pandemia eram os artistas variados que, directamente das suas casas, gostam de invadir as nossas para proporcionar “entretenimento”. Esqueci-me de outro tipo de artistas: os “donos de Abril”, que há 46 anos vivem dessa fantástica mesada, sempre prontos a moralizarem os rústicos de que só eles sabem o que é a democracia.
Um dia, quando todos eles pertencerem aos rodapés da história, poderemos olhar para o 25 de Abril, e celebrá-lo, com serenidade e sem oportunismo ideológico. Até lá, é aguentar estas cruzes da mesma forma que os brasileiros aguentam a deles.
AS TELEVISÕES
enchem-se de comentadores e respectivas estantes. De tal forma que, suspeita minha, há uma competição em curso para ver quem tem as melhores lombadas.
Um conselho: desistam. Para começar, a medalha já foi entregue (a José Miguel Júdice). E, para acabar, as estantes são tão primeira semana da quarentena! O que está a dar agora são quadros, de preferência não figurativos.
Se a coisa continua, não sei onde vamos parar. Comentadores com uma orquestra atrás? Bailarinas? Um par de palhaços? É o velho problema da cultura como adorno: sabemos como começa, nunca como acaba. W