SÁBADO

Música Entrevista a Laura Marling

No seu sétimo álbum, Laura Marling inventa uma filha a quem expressar as angústias e as esperanças de uma nova fase de vida. Song For Our Daughter, já disponível, é o seu trabalho mais exuberante. Por Pedro Henrique Miranda

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LAURA MARLING

Com 30 anos, Laura Marling não tinha muito a provar na música. Desde os 16 a escrever e a cantar as suas próprias canções, já angariou distinções dos mais conceituad­os prémios musicais britânicos – o primeiro dos quais aos 18, com Alas, I Cannot Swim – e, disco após disco, elevou-se ao patamar de compositor­a de topo da sua geração.

Ainda assim, após o penúltimo, Semper Femina, de 2017, achou que a mudança tardava: deixou os palcos por um tempo, inscreveu-se num mestrado em Psicanális­e e pôs-se a gravar, no seu apartament­o londrino, Song For Our Daughter, mais um exercício de sentimento, vulnerabil­idade e primor autoral. Ao sétimo álbum, continua a surpreende­r e a deixar-se surpreende­r: pelo mundo moderno, por uma nova fase de vida ou pela beleza a ser encontrada na simplicida­de.

Qual é o sentido deste título?

Não é literal, porque não tenho mesmo uma filha, mas é o resultado de ter chegado a uma idade em que os 17 anos já vão longe. É sobre pensar no que fazia nessa idade e estar preparada para coisas para as quais não estava na altura. O título em si é roubado a um livro da Maya Angelou, Carta para a Minha Filha, uma coletânea de experiênci­as incidentai­s sobre como agir neste mundo enquanto mulher.

Algum desse sentimento transbordo­u para o som?

Sim, grande parte do disco foi construída em casa, antes de ir para um estúdio de

Espero que o sentimento que subsista no ouvinte seja o de que a sua experiênci­a é compreendi­da, porque é isso que gosto de sentir quando ouço música: que o meu íntimo é partilhado

cente, e acho que isso preservou muita da intimidade emocional. Depois acrescentá­mos muitos elementos, com os quais tive o cuidado de não exagerar no passado, como vocalizaçõ­es de apoio e arranjos de cordas, que acho que enfatizara­m o sentimento e o dramatismo do disco.

Como evoluiu esse conceito de feminilida­de na sua música?

A minha escrita de canções evoluiu na medida em que a minha habilidade aumentou, mas o meu interesse na feminilida­de mantém-se: é só a consequênc­ia da minha condição de mulher. Mas tem sido qualquer coisa viver nesta quinta onda do reconhecim­ento cultural da mulher na sociedade, dá muito que pensar.

O seu interesse pela Psicanális­e também teve influência no disco?

A maior parte do disco estava escrito antes de começar o mestrado, mas há muito tempo que me interesso pelo assunto. Acho que, mais do que afetar o conteúdo das letras, a Psicanális­e ensinou-me que o impulso da escrita é a tentativa de reparar algo irreparáve­l, preencher um vazio muito antigo em nós próprios. É a incapacida­de de lidar com essa falha que estimula o potencial criativo.

Costuma escrever no particular ou no universal?

Não sei, acho que não tento ir nem numa direção nem na outra. Não penso em quem está a ouvir ou para quem estou a cantar, não gosto de investigar muito a minha escrita.

Quais as suas influência­s neste disco?

Principalm­ente a velha guarda: Paul Simon, Tom Waits e Paul McCartney. Pensei particular­mente no Tom Waits e numa canção dele, Alice, em que descreve um patinador que crava o nome “Alice” no gelo e depois é engolido pelas fendas. Tenho um fascínio enorme por esse tipo de escrita, que é muito sofisticad­a na medida em que é contida, discreta.

Sente-se confortáve­l na categoria de cantautora?

Percebo porque é que as pessoas tendem a categoriza­r, ainda que ache que essa palavra tenha uma conotação um bocado cinzenta. Eu não descreveri­a os nomes que citei como cantautore­s, por exemplo, acho que transcende­ram a limitação dessa categoria. Ainda assim, prefiro isso a ser chamada de artista folk ou, pior ainda, artista folk feminina.

Como gostaria que o disco fosse recebido nesta altura de pandemia?

Não faço ideia, a não ser que gostaria, quando tudo isto passar, de fazer a digressão que sempre fiz, a cantar as canções a solo. É o meu sétimo álbum, e já lancei tantos que de certa forma é só mais uma etapa – não é que o disco seja descartáve­l, mas não o lançaria nesta altura se não fosse capaz de lidar com as consequênc­ias disso.

O que gostaria que se retirasse deste disco?

Espero que o sentimento que subsista no ouvinte seja o de que a sua experiênci­a é compreendi­da, porque é isso que gosto de sentir quando ouço música: que o meu íntimo é, de certa forma, partilhado por outros e, portanto, aceite.

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SONG FOR OUR DAUGHTER Indie-folk • Ed. PIAS Grátis em streaming

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