Futebol O Porsche de Baía e os dentes partidos: as histórias de Cândido Costa
Fartou-se de chorar ao ser rejeitado pelo FC Porto, mas vingou-se: foi campeão de juniores pelo Benfica no estádio das Antas. Roubaram-lhe os dentes em Inglaterra. Fez o que lhe diziam os ídolos. E foi “um burro” ao pedir a Mourinho para sair dos dragões.
A13 de março, Cândido Costa estava nos Açores com a mulher, Cidália, quando se começou a falar em decretar a emergência nacional. “Decidimos interromper as férias. Curiosamente, saímos de uma região onde não havia um único caso de coronavírus e fomos para o centro da epidemia”, conta à SÁBADO, por telefone, desde a sua casa no Furadouro, em Ovar – o concelho esteve um mês em cerco sanitário. O antigo futebolista, de 38 anos, só saiu do concelho para ir com a mulher, grávida de seis meses, fazer exames de rotina ao hospital de São João, no Porto, ou para ir buscar os dois filhos da anterior relação a casa da ex-mulher, em Santa Maria da Feira. O agora comentador da TVI não aderiu à moda de ver jogos antigos na televisão. “Não gosto, prefiro estar ligado à realidade e não às coisas do passado.” Mas aceitou contar à SÁBADO as histórias da sua carreira.
“EU ERA O MAIOR DA ALDEIA, MAS QUANDO FUI PARA LISBOA PASSEI A SER O TROLL. ERA GOZADO PELO SOTAQUE”
A DESILUSÃO DO “BRINCA NA AREIA”
h Começou a jogar futebol com 7 anos, no clube da sua cidade, S. João da Madeira. Com 14 anos, já era o grande craque da Sanjoanense. “Tinha técnica, velocidade, agressividade. Eu era um touro.” Nessa época, sofreu uma grande desilusão, quando soube que os olheiros do FC Porto, “o clube pelo qual andava à porrada na escola”, tinham optado por um colega seu, não o escolhendo a ele por o considerarem um “brinca na areia”. “Senti-me com o orgulho ferido e tentei ir treinar ao FC Porto, para lhes mostrar que estavam enganados. Mas deram-me uma tampa.” Foi para casa a chorar, mas aplicou-se mais na época seguinte, chegou à seleção de sub-16 e acabou por ser contratado pelo Benfica.
O TROLL GOZADO PELO SOTAQUE
h Os primeiros tempos em Lisboa foram complicados. “Parecia que tinha descolado para sempre dos meus pais. Tinha tardes e noites em que pensava em desistir. Sentia-me fora do meu meio: antes eu era o maior da aldeia, e passei para uma realidade em que era o
troll; era gozado pela forma como me vestia ou falava.” Com 16 anos, no liceu, conheceu Sandra, que iria ser a sua mulher mais de 20 anos (têm dois filhos). “Foi muito importante, porque ela, e a família dela, ajudaram-me a manter um sentimento de pertença.”
Saiu do Benfica com 18 anos e mudou-se para o Salgueiros, com a esperança de seguir para o FC Porto – Jorge Mendes transferiu-o para os dragões em seis meses. Houve um momento decisivo para que isso acontecesse. “Nos juniores, a época acabou com um FC Porto-Benfica, e quem ganhasse era campeão. Fomos jogar ao campo nº 2 do estádio das Antas, estavam lá os diretores todos a ver e eu fiz uma exibição memorável.”
FAZER TUDO O QUE OS ÍDOLOS MANDAM
h Ficou três épocas no FC Porto. Foi treinado por Fernando Santos, Octávio Machado e José Mourinho e ganhou um campeonato, duas Taças de Portugal e uma Liga Europa. “No primeiro dia em que entrei no balneário pensei: ‘Não acredito que estou ao lado destes gajos’; eu tinha os cromos deles colados na mesa de cabeceira. Apanhei figuras míticas, como Jorge Costa, Vítor Baía, Paulinho Santos, Aloísio, Domingos, Deco…” Há um episódio com Vítor Baía, que recorda: “Acabou o treino e ele: ‘Vai-me ali à máquina dar um jeitinho ao
“NÃO POSSO ESTAR SENTADO A OLHAR PARA AS MINHAS MEDALHAS NA VITRINA. VEM AÍ O MEU TERCEIRO FILHO”
Q carro.’ Peguei na chave e lá fui lavar-lhe o Porsche. Pensava: ‘Sou um miúdo, tenho mais é de fazer o que os mais velhos mandam.’ E fui-me embora a pensar: ‘Fogo, sou jogador do FC Porto e vou lavar o carro do meu guarda-redes.’”
O “PERFEITO IDIOTA”
h Na época 2002/03, em que o FC Porto ganhou a Taça UEFA, Cândido Costa foi falar com José Mourinho a pedir-lhe para sair a meio. Olhando para trás, arrepende-se dessa decisão. “Fui um perfeito idiota. Como não estava a jogar com a regularidade que queria, segui o meu instinto, sem me prender a ordenados. Essa foi a parte boa. A parte má é que fui burro e imaturo. As pessoas gostavam de mim no FC Porto, era sempre convocado, era acarinhado pelos adeptos. Tomei uma decisão precipitada.” Nunca conseguiu voltar ao FC Porto. Em Portugal, ainda esteve duas épocas no Sp. Braga (com Jesualdo Ferreira), e quatro no Belenenses, sendo o ponto alto a chegada à final da Taça de Portugal, com Jorge Jesus (derrota por 1-0 com o Sporting).
OS DENTES ROUBADOS NO BALNEÁRIO
h As duas épocas em que jogou no estrangeiro foram marcantes. Em 2003/04, no Derby County, da II Liga inglesa, viveu um episódio caricato. “Tinha chegado rotulado de menino bonito e de jogador do Mourinho, que tinha acabado de ganhar a Taça UEFA, e fui notícia nos tabloides, com fotos a puxar para o sex symbol. Logo no jogo de apresentação, contra o Maiorca, treinado pelo Jaime Pacheco, num canto, vou a tentar cabecear a bola, o capitão do Maiorca faz uma bicicleta para aliviar e acerta-me na boca, partiu-me três dentes da frente”. Como teve de fazer uma reestruturação óssea, andou semanas com uma prótese provisória e foi alvo de muitas piadas. “Uma vez, no treino, o central, o Dave Walton, que era uma montanha de músculos, virou-se para mim: ‘Ei, Da Costa, olha para isto’. Andava com os meus dentes na mão. Foi ao meu cacifo e roubou-me os dentes.”
Em 2010/11, no Rapid Bucareste, viveu uma má experiência. “Percebi que na Roménia valia tudo menos arrancar olhos. Tive de trocar quatro vezes de apartamento. As rendas eram da responsabilidade do clube e as pessoas batiam-me à porta a pedir dinheiro. E vim-me embora com quatro meses de ordenados em atraso. Nada era seguro, era só mentiras. O presidente e dono do clube entrava pelo balneário adentro a distribuir notas de 500 euros, mas só dava a alguns, a mim nunca me calhou. Parecia que estava num filme.”
O JOELHO REBENTADO EM AROUCA
h Uma lesão grave no Arouca precipitou-lhe o fim da carreira. “Tinha 31 anos e rebentei o joelho todo ao segundo treino. O presidente fez um contrato comigo no papel e garantiu-me que me dava o resto do dinheiro na mão, mas a partir da lesão passou a arranjar formas de não me pagar absolutamente nada. O que se passou ali foi uma desonestidade brutal.”
Após uns meses no Tondela (acabava os treinos com o joelho inchado e a chorar com dores) e duas experiências “por pura paixão” no futebol amador (S. João de Ver e Cesarense), pendurou as botas em 2015. Ainda teve algumas experiências como treinador – orientou as equipas femininas de Ovarense e Cesarense e foi adjunto de Ricardo Sousa e Secretário em equipas masculinas –, mas não quer continuar por aí. Agora está empenhado em seguir o caminho de comentador televisivo, que iniciou há seis anos no Porto Canal – em 2019 mudou-se para a TVI.
O LADO NEGRO DO COMENTADOR
h “Tiro mais partido a fazer um programa de futebol, a narrar e comentar um jogo, do que a treinar. Na televisão sinto essa adrenalina que sentia antes dos jogos, apesar de esta exposição ter um lado negro.” E qual é? “Há sempre ataques pessoais. Tento fazer o meu trabalho de forma honesta, mas há perfeitos idiotas que vão para as redes sociais fazer críticas feias e ataques à minha família e aos meus filhos. Assumo que sou adepto do FC Porto, mas não tenho um discurso decorado nem sou cartilhado.” É por sentir que as pessoas podem cansar-se dele ou deixar de lhe achar piada que continua a trabalhar como gestor de vendas na OHM Técnica, a empresa de artigos de papelaria e material de escritório do irmão, Ivânio. “Não é um ordenado de luxo, mas garante-me o sustento se a parte ligada ao futebol falhar. Não posso estar aqui sentado a olhar para as medalhas que tenho na vitrina, porque vem aí o meu terceiro filho – e o Salvador precisa de leitinho.”