SÁBADO

Diários do Coronavíru­s Flores, móveis, aulas: histórias de mudanças

- Por Vanda Marques

São 15 toneladas de flores deitadas ao lixo todas as semanas, conta Sofia. A sua empresa não tem a quem as vender. Já Joaquim parou de fazer móveis à espera de melhores dias. Só Luís continua a construir moradias e Tiago não parou de estudar e pode ter de voltar às aulas presenciai­s. Como a pandemia mudou o dia a dia destas quatro pessoas. Sofia, 32 ANOS, FLORISUL

AS FLORES NÃO ESPERAM POR MELHORES DIAS

Quando vi os vídeos das flores a irem para o lixo… emocionei-me bastante. Chorei. Era um camião carregado. Para ter uma ideia, estamos a deitar fora 15 toneladas de flores por semana. Deitamos num aterro no nosso terreno. Custa muito. Ainda por cima estamos na primavera e as estufas estão lindas. A flor está na sua melhor qualidade… Mas não temos outra hipótese.

O meu avô começou a empresa há 51 anos. Era uma coisa pequena e mais tarde mudou-se para o Montijo. Hoje em dia faturamos cerca de 5 milhões de euros por ano. Mas as coisas estão complicada­s. Para a minha mãe é difícil ver o que o pai construiu assim… Ela tem receio de que não se consiga levar tudo a bom porto.

Ainda pensámos em não destruir as flores, mas implica logística, gastos e não só. As doações iriam promover a deslocação das pessoas e não é isso que se quer agora. Já fizemos alguns donativos para lares. Mas com todos os cuidados, ou seja, veio cá a diretora do lar e levou as flores.

Como isto não é uma fábrica, não podemos parar de apanhar as flores. Temos 25 tipos, entre rosas, gerberas, margaridas e tulipas. Se não as apanharmos, vamos prejudicar a planta da qual nascem. Por isso, mesmo que seja para deitar fora, não podemos parar como uma fábrica. Continuamo­s a fazer a apanha à mão de 250 mil pés, por semana. Não podemos dispensar os funcionári­os porque o trabalho é o mesmo. Desde 1 de abril que temos os trabalhado­res em lay-off parcial. Ou seja, só trabalham da parte da manhã.

Ainda temos alguns clientes, mas são poucos. Temos uma faturação de 10% porque só aqueles que já trabalhava­m online é que continuara­m. O resto parou. As floristas fecharam a porta. As igrejas estão fechadas e não há procissões. Também não há casamentos nem funerais... Nunca tivemos uma situação assim. Nem na crise. Nessa altura, houve uma quebra, mas era diferente. Por exemplo, em vez de se oferecer um perfume, dava-se dois pezinhos de flor. Ou então, não se comprava um ramo de 40 euros, mas um de 10. Agora não há prendas… Há dias em que estamos com mais ânimo, outros em que entra o desespero. Mas isto há de passar.

Joaquim, 58 ANOS, ADMINISTRA­DOR DA ANIMOVEL

ESCOLHER O LAY-OFF

h Nunca é uma decisão fácil de se tomar. Isto mexe um bocado com a pessoa. Mas tinha de ser eu a comunicá-la. Nos dias anteriores estava preocupado: e se uma pessoa fica infetada? Tivemos reunião de administra­ção e decidimos o que fazer. Expliquei a todos os 80 colaborado­res que o mais importante é não termos ninguém doente. Além disso, disse-lhes que se seguíssemo­s o caminho que estávamos a traçar – de meter férias para assegurar os vencimento­s no fim do mês e depois passar para o lay-off – a empresa ia conseguir manter-se sustentáve­l. As pessoas aceitaram bem. Até porque a partir do momento em que tínhamos material para sair – dois camiões cheios e parados – e os nossos clientes estavam todos fechados não havia alternativ­a. Somos uma empresa (de móveis) com 95% de exportaçõe­s. Desde o dia 1 de março que me comecei a aperceber de que isso ia acontecer. Os países para onde exportamos – França, Suíça, Bélgica, Luxemburgo – estavam a fechar.

Sou administra­dor desta empresa há 20 anos e já temos passado por muitas coisas, mas isto nunca me passou pela cabeça. Em 2008, com a crise, quando a coisa começou a correr mal aqui dentro fomos para fora. Agora desta vez só se formos para a Lua. Porque é o mundo inteiro nesta situação. Nós estamos com esperança de que as coisas vão melhorar. Se houver uma vacina, isso dá mais confiança às pessoas. Mas repare, o mobiliário não é um setor de primeira necessidad­e. Não sabemos como as pessoas vão reagir depois disto acabar. Agora vou pôr 10 pessoas a trabalhar, para reorganiza­rmos a empresa, e espero que em maio isto melhore. Já tenho clientes na Suíça a pedir material. Tenho esperança, mas estou apreensivo.

Luís, 41 ANOS, PEDREIRO E SÓCIO-GERENTE DA EMPRESA LUÍS M. DIAS

MAIS FALÊNCIAS DO QUE MORTOS

h Não parei de trabalhar, até porque não posso trazer a obra para casa. Temos de ir. O betão nunca parou. Trabalho como pedreiro há 21 anos, tenho um negócio próprio há 11 e faço moradias há três anos. Subcontrat­o trabalhado­res e não notei grandes mudanças. Estou a trabalhar em duas moradias e não parei. Só outra obra está mais demorada para arrancar porque o banco está atrasado a aprovar. Tirando isso, tudo normal. Quando disserem para parar, aí paramos. Até lá temos de aguentar. Só noto menos pedidos de orçamento.

Na obra, temos o cuidado de não estarmos sempre juntos. Mas não precisamos de andar a aquecermo-nos uns nos outros, não é? Somos quatro a seis pessoas na obra e fazemos nove horas por dia. No carro só vão dois, por exemplo. O resto vai lá ter de transporte­s públicos.

Quando chego a casa, tenho o cuidado de deixar a roupa numa zona à parte, mas isso já fazia. De outro modo sujava tudo. Não me assusta ficar doente. Se tiver de apanhar, acontece… Não conheço nenhum colega que tenha estado doente. Ouvi falar de um – estou sempre a tentar ouvir as histórias para saber como estão as coisas – mas deu negativo. Sabe, no fim disto tudo vai haver mais falências do que mortos. Eu já sobrevivi a uma crise e sei trabalhar. Acho até que esta situação veio fazer uma limpeza, porque andavam por aqui muitos a achar que este negócio era só mel. Assim, espanta algum pessoal indesejáve­l da construção.

Tiago, 17 ANOS , ESTUDANTE DO 12.º ANO

FICAR À PORTA DA FACULDADE?

h Estou muito frustrado porque o Governo mudou as regras a meio do jogo. Achava que podia fazer melhoria das notas para subir a minha média e, a três meses de o fazer, trocaram-me as voltas. Investi tempo e dinheiro e não o posso fazer. Tenho média de 17,5, mas preciso de mais de 18 para entrar em Medicina. Vou fazer exames de Física e Química, de Biologia e Geologia e de Matemática A, que são de ingresso na faculdade. Mas estas notas deixaram de contar para a minha média interna. Ou seja, esta alteração – antes contavam – faz com que a minha média interna [média do secundário] não possa ser alterada se tiver melhores notas nos exames do que na disciplina. Conheço mais colegas na mesma situação e eles criaram uma petição que também já assinei. Já temos mais de 7 mil assinatura­s e espero que chegue ao parlamento. Esta medida desvaloriz­a o esforço dos alunos.

Tenho tido aulas online e acho que vamos sair prejudicad­os. Sinto que a matéria está menos consolidad­a. O nível de concentraç­ão em aulas online não é o mesmo. Estou à espera de ter aulas presenciai­s de Português e Matemática em maio. Não é fácil estar em casa e não ver os amigos. Falamos muito nas redes sociais. Mas é outra realidade.

Também tenho ajudado a tomar conta da minha irmã de 3 anos, porque os meus pais estão em teletrabal­ho. Não é fácil… O espírito é de desânimo por causa destas mudanças. Se só contar a prova de ingresso à faculdade, não sei se é suficiente para conseguir entrar… E não é justo mudarem as regras.

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