Justiça Tribunal engana-se e não reconhece erro
Em 2012, Paulo Silva foi condenado a dois anos de cadeia. A pena foi suspensa na condição de pagar 960 euros à Santa Casa. No fim do prazo, pagou – mas em 2019 foi preso na mesma.
Éum caso insólito. Em outubro de 2018, o tribunal judicial de Reguengos de Monsaraz ordenou a prisão de um homem condenado a dois anos de pena suspensa por ele não ter cumprido o requisito de pagar 960 euros à Santa Casa da Misericórdia local (SCMR). O problema é que… o homem já tinha pago o valor – e nem um recurso ou um habeas corpus o conseguiram tirar do Estabelecimento Prisional de Coimbra (EPC), onde cumpre a pena desde julho de 2019.
A sentença em primeira instância foi dada a 24 de maio de 2012. Paulo Coelho da Silva, 44 anos, foi condenado a dois anos de prisão por um crime de condução perigosa, dois de injúria agravada e um por resistência e coação sobre funcionário. De acordo com a sentença, estavam em causa factos ocorridos um ano antes: quase abalroou um carro da GNR em ultrapassagens perigosas e, ao ser parado pelas autoridades, chamou-os de “monte de merda” e agrediu-os. A pena ficaria suspensa mediante “a obrigação de entregar à SCMR a quantia de 960 euros em 24 prestações mensais de 40 euros” e a “inibição de conduzir quaisquer veículos motorizados” durante quatro meses.
Volvidos dois anos, Coelho da Silva não pagou as prestações como combinado, mas acabou por pedir ao Ministério Público (MP) para saldar a dívida de uma só vez. O MP deu-lhe cinco dias para pagar tudo – e assim o fez. Quatro anos depois, o tribunal avançou para a revogação da suspensão, como se Coelho da Silva nunca tivesse pago: “O arguido não comprovou nos autos a entrega da quantia de 960 euros à SCMR”, lê-se no despacho, a que a SÁBADO teve acesso.
MP concorda mas não importa
Coelho da Silva pediu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) um recurso extraordinário da revisão do despacho de revogação da suspensão da pena. Um parecer do MP contraria o argumento do tribunal: “Alegou o recorrente que o despacho impugnado assentou em fundamento de facto não verdadeiro – o incumprimento da obrigação de entregar à SCMR a quantia de 960 euros, condicionante da suspensão da execução da pena. (…) E, de facto assim sucedeu, como
consta dos autos, mais constando do recibo que a entrega do valor mencionado foi realizada pelo arguido”, lê-se.
No entanto, todas as tentativa de revisão da decisão de revogação foram malsucedidas. O MP considerou que “os motivos do recurso não se enquadram no fundamento legal invocado, porquanto não constituem facto novo nem novo meio de prova”. “O recurso de revisão não é o meio processual próprio para remediar a alegada injustiça da decisão impugnada”, lê-se. E o Supremo anuiu: “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meio de prova.” Coelho da Silva foi detido pela GNR de Soure no dia 18 de julho de 2019.
O tribunal também sustentou a decisão de revogação da execução da pena com a “prática de outros crimes durante o período de suspensão”. De acordo com o seu registo criminal, Coelho da Silva reincidiu em crimes de resistência e condenação sobre funcionário (28/2/2014) e injúria agravada (28/2/2014), cometendo ainda outras infrações como condução em estado de embriaguez (4/6/2015), ameaça agravada (31/5/2012), furto na forma tentada (2/2/2013) e dano qualificado (14/3/2014).
A defesa ainda interpôs um pedido de habeas corpus, argumentando a nulidade da audiência de revogação da suspensão. “O arguido não faltou à audiência por desleixo ou incúria, mas sim porque desconhecia a sua realização”, lê-se. De acordo com a defesa, a GNR tentou notificar o indivíduo em cinco ocasiões, sem sucesso. “E não foi tentada qualquer outra forma de notificação, designadamente por via postal”, lê-se ainda. Citando o artigo 333º do Código Penal (CP), uma audiência é nula se, “no despacho que determinou a realização de tal audiência, não mencionou a dispensabilidade ou indispensabilidade” do arguido. O Supremo não aceitou a argumentação frisando que, aquele artigo do CP, “respeita à fase da audiência de julgamento” e que “não é equiparável” a uma revogação da suspensão da execução de uma pena. W