SÁBADO

Per Olov Enquist (1934-2020)

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Escritor sueco, argumentis­ta de Pelle, o Conquistad­or, vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeir­o em 1989, morreu no sábado, 25 de abril. Tinha 85 anos

Foi a conversar com um gato, contou Per Olov Enquist ao The Guardian em julho de 2016, que encontrou a solução para o seu bloqueio criativo, quando trabalhava como adido cultural em Paris e vivia num belo apartament­o nos Champs Elysées com a encenadora dinamarque­sa que o levou a deixar a primeira mulher e os filhos: “Não conseguia escrever nada. Então ele perguntou-me qual tinha sido o meu primeiro número de telefone. Apontei-o e logo a seguir escrevi uma peça de teatro. Foi o princípio de tudo. Desde aí tenho escrito muito sobre o modo como cresci e fui educado.”

O pretexto da entrevista era a edição de O Livro das Parábolas (não editado em Portugal), uma viagem aos seus 15 anos, quando conheceu uma mulher de 51, vinda de Estocolmo, que o iniciou nos mistérios do amor. O relato manteve o tom pessimista, pontuado de humor, que definiu o seu estilo literário, espelhado nos mais de 20 romances, ensaios, peças e argumentos, traduzidos noutros tantos idiomas, que criou.

O mais popular, por ter inspirado um filme que conquistou um Óscar de Língua Estrangeir­a, é Pelle, o Conquistad­or, sobre os suecos que emigraram para a Dinamarca no século XIX. Contudo, a sua obra-prima é A Visita do Médico Real, publicada em Portugal em 2011, pela editora portuense Ahab e vencedora do prémio August em 1999, em que reinventou a história de amor real entre o médico do rei louco dinamarquê­s Christian VII e a rainha, irmã de George III de Inglaterra. O livro de memórias Uma Vida Diferente, de 2008, foi igualmente distinguid­o com o prestigiad­o galardão.

FOI AO CINEMA PELA PRIMEIRA VEZ AOS 16 ANOS E TEVE A BÍBLIA COMO COMPANHIA DE JUVENTUDE

Isolamento cristão

Nascido a 23 de setembro de 1934 e criado numa zona remota junto ao golfo de Bótnia, no mar Báltico, a 200 quilómetro­s do Ártico, era filho de um lenhador que morreu quando ele tinha apenas seis meses e de uma professora que esquiava três quilómetro­s por dia para chegar à escola onde dava aulas.

Sem amigos, biblioteca­s ou salas de espetáculo por perto, só foi ao cinema pela primeira vez aos 16 anos e teve unicamente como companheir­os de juventude a Bíblia Sagrada e meia dúzia de livros religiosos, já que a mãe lhe escondeu os livros menos tradiciona­is que possuía – caso de Kim, de Rudyard Kipling, por ter um budista como herói. Este isolamento cristão e doméstico, ocasionalm­ente interrompi­do pela ameaça de suicídio de um familiar devido aos rigores do inverno, que o obrigavam a escavar no gelo em busca de alimentos que travassem tal tragédia, marcou-o profundame­nte e inspirou a sua carreira literária: “Não tive distrações, por isso aprendi cedo a reparar nos detalhes do mundo.” Conheceu o sucesso nos anos 1960, vendo os seus romances aclamados e as suas peças aplaudidas nos palcos, tanto suecos como da Broadway, e fazendo amizade com vultos da cultura como Ingmar Bergman, mas não lidou bem com a fama: foi alcoólico nas décadas de 1970 e 80, o que motivou o tal bloqueio criativo parisiense e lhe debilitou a saúde, mas não a capacidade intelectua­l. Também viveu na Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, mas regressou há cerca de 20 anos a Estocolmo, onde morreu a 25 de abril. W

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LUIS GRAÑENA

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