SEGREDOS, CONFISSÕES E UM PEQUENO GOLPE
A Mentira Perfeita, que junta pela primeira vez um par veterano de relevo, Helen Mirren e Ian McKellen, dirigidos por Bill Condon, não chegou a estrear no cinema, mas está agora nos videoclubes dos serviços por cabo nacionais. Vale a pena?
ATÉ PODIA SER uma comédia romântica, se o genérico de abertura não fosse tão sério e cheio de sombras, datilografando (literalmente) as suas intenções: isto é coisa dramática por isso não se deixem enganar. Começa com Betty (Helen Mirren) e Roy (Ian McKellen) a teclarem, preenchendo fichas de participação numa plataforma de encontros amorosos, mentindo aqui e ali até que combinam encontrar-se. Quando estão frente a frente num restaurante, chamam “computer service” ao site, o que é quase enternecedor.
O experiente Bill Condon, confiando no indiscutível charme dos seus protagonistas, coloca o espectador na mesa do lado, permitindo-lhe aproximar-se para melhor acompanhar a conversa entre dois idosos que se seduzem. Mas é uma elegância que se vai dissipando. Talvez seja até o que mais surpreende em A Mentira Perfeita: o texto (escrito por Jeffrey Hatcher, que adapta um romance de Nicholas Searle), parece em permanente conflito com o género em que se movimenta.
A ilusão de comédia roentre a terceira idade é depressa abandonada e Roy apresentado como experiente vigarista a dias de roubar milhares de libras de investidores imobiliários – o que nos transporta agora para o “filme de golpe”.
O que se revela um problema. Como os melhores da categoria já demonstraram – A Golpada (1973), de George Roy Hill, é a obra prima do género, Ocean’s Eleven (2001), de Steven Soderbergh e até Ladrões e Cavalheiros (1988), de Frank Oz, são outros muito recomendáveis exemplos –, é necessário que os truques e as artimanhas usados para enganar as vítimas insuspeitas (posição em que, regra geral, se encontra também o espectador – mesmo quando o espectador acredita saber o que se está a passar) sejam inventivos, originais, surpreendentes, como truques de magia, cuja solução para o inexplicável está, desde o início, mesmo em frente aos nossos olhos.
E A Mentira Perfeita não tem imaginação para tanto. São poucas as pistas e demasiadas as insinuações: começam a acumular-se as referências aos Nazis e à Segunda Grande Guerra, desde uma ida ao cinema para ver Sacanas Sem Lei, de Quentin Tarantino, até ao (muito irritante) neto de Betty que estuda Albert Speer, o arquiteto chefe do Terceiro Reich. Um filme mais espirituoso – e cinéfilo – poderia estar a fazer uma referência ao desempenho de Ian McKellen em Sob Chantagem (1998), de Bryan Singer, mas é mais previsível do que isso.
A narrativa, por várias vezes, encosta-se a um canto onde a única hipótese de seguir em frente passa por monólogos forçados acompanhados por flashbacks. Da primeira vez que tal acontece, toda a cena é forçada: da improvável presença de uma personagem em território estrangeiro até ao local da confismântica
A promessa inicial de que estamos perante uma comédia romântica elegante dá lugar ao chamado “filme de golpe” com pouca imaginação
são, um apartamento, dizem-nos, “que nos deixaram usar”.
Imaginemos, por uns breves segundos, o diálogo dessa cena que não existe:
“Olá, posso pedir emprestada a vossa casa? É que acredito que os lugares têm memória e quero desmascarar um senhor que anda a sair com a minha avó e acredito que, há 50 e tal anos, ele esteve envolvido num assassinato que teve lugar na vossa cozinha.”
“Claro que pode. Quando é que lhe dá jeito?”
Mas já fizemos mais do que nos é pedido. Porque a verdade é que A Mentira Perfeita, ao contrário daquela primeira cena no restaurante, prescinde da participação do espectador. Já não somos cúmplices nem vítimas, apenas recetores de informação.
A longa, extensa e ilustrativa explicação no fim é indiferente, não surpreende nem emociona, porque os segredos afinal nunca estiveram sequer à vista. É batota e, ainda por cima, previsível – vamos ser honestos: ninguém contrata Helen Mirren para ela fazer de vítima ingénua.
Mesmo se a produção e a realização de Bill Condon garantem a competência que se espera, A Mentira Perfeita é uma oportunidade perdida. Ainda mais considerando que se trata da primeira vez que Mirren e McKellen – ambos com mais de 50 anos de carreira, muito palco, muito Shakespeare, ela com Óscar de Melhor Atriz por A Rainha, ele inesquecível em Deuses e Monstros, também de Condon, e popularizado já na terceira idade na saga Senhor dos Anéis – partilham a tela. A potencial comédia romântica prometia mais do que isto. W
São poucas as pistas e demasiadas as insinuações: começam a acumular-se as referências aos nazis e à II Guerra Mundial, a começar com uma ida ao cinema para ver Sacanas Sem Lei