A ERA DAS HORTAS CASEIRAS
É uma moda muito natural: a prática de plantar e replantar em casa – onde quer que ela seja – nunca foi tão popular como nestes tempos de confinamento e está a colorir os lares de frutos e vegetais. Falámos com especialistas para saber por onde começar.
UMA SEMENTE não é um álbum de fotografias, mas para Bruno Simão funciona de forma semelhante. Quando come uma peça de fruta de que gostou particularmente, ou quando traz fruta de algum sítio especial – como as ameixas de casa dos sogros – tenta germinar-lhes as sementes para um dia mais tarde poderem tornar-se árvores de fruto. “É uma forma de preservar uma coleção de frutas que fui comendo e de marcar momentos especiais. Quando a minha filha fez 2 anos plantei uma série de sementes”, conta à SÁBADO.
Desde há muito que Bruno planta aromáticas a partir dos pés que lhe dão no mercado ou que apanha no seu terreno – tem para cozinhar e volta e meia oferece um vaso cheio à mãe ou à avó. Há cerca de dois anos quis tentar entrar pelo mundo das frutícolas para ver se tinha paciência. “É claro que podia comprar tudo, por €5 já se compra uma árvore com dois anos no mercado. Mas é diferente sentir que fui eu que dei vida àquele ser”, explica o baterista de jazz e rock, que diz
“É claro que podia comprar tudo, mas é diferente sentir que fui eu que dei vida àquele ser”, diz Bruno Simão, que planta ervas aromáticas em casa
sempre ter tido uma grande ligação à natureza.
As hortas em apartamentos são uma tendência que tem levado à publicação de livros, aplicações para smartphone e formas adaptadas de germinar, semear e manter hortícolas e ervas aromáticas. Tornou-se uma moda das redes sociais para millennials, mas não só: a expressão plant dad ou plant mom [papá ou mamã de plantas] nasceu para aqueles que cuidam dos vasos em casa de alguém da família.
O confinamento social em que o mundo está mergulhado veio trazer tempo para aprofundar a relação de cada um com os seus rebentos e trouxe curiosos que nunca o tinham Q
Q experimentado. É o que garante Susana Caseiro, que começou a difundir esta prática “quando ainda se falava pouco da temática das hortas em casa”. A praticar agricultura biológica em sua casa, em Braga, há 15 anos, foi, em 2010 uma das fundadoras da Plantit, uma aplicação para smartphone e tablet (hoje apenas disponível gratuitamente para o sistema operativo iOS, da Apple) desenhada para ajudar com as hortas caseiras e que se diferenciou por “separar em estações do ano as espécies que melhor podem ser plantadas e semeadas”.
Hoje, é dona do site Cultivos da Caseiro, que, além de artigos, vídeos e materiais sobre agricultura biológica em casa, segmentados por áreas, oferece o curso Clube da Horta, que proporciona mensalmente um acompanhamento virtual para iniciados, explicando “como gerir a horta e lidar com imprevistos, como pragas, fungos ou mau tempo”. Assegura que “nunca o interesse pela agricultura urbana foi tão grande” e que “todas as faixas etárias têm procurado o site”. Com 75% de público feminino, nota que “há cada vez mais jovens a querer aprender a plantar em casa”.
Associado a este fenómeno está o da reutilização e replantação de vegetais. Uma pesquisa na Internet por regrow veggies (ou simplesmente regrow, que em português significará qualquer coisa como fazer crescer de novo) mostra milhares de pessoas que puseram aparas de vegetais usa
dos, pés e talos à janela para que voltem a brotar. Katie Elzer-Peters, autora do livro Tudo se Aproveita, explica que “de cada vez que deitamos ao lixo o pé de uma cabeça de alface, estamos a desperdiçar potencialmente entre seis e 10 novas folhas”. Os resultados dependem do tipo de vegetal ou fruto, mas “sempre que se plantam sementes, pés, raízes ou folhas de algo, pode-se obter algo comestível”, assegura. Isto vale para tudo, de “batatas-doces, abacates e ananases” até “nabos, rabanetes, alho e cenouras”.
Melissa J. Will, dona do blogue canadiano Empress of Dirt (Imperatriz do Solo), partilha com a SÁBADO algumas das suas práticas: “suspender raízes de cebolinho em água”, “regar caules de manjericão e salsa” e “plantar gengibre” resultam em novos espécimes que podem ser consumidos em casa. Se viver num apartamento e tiver “entre 6 e 8 horas de sol diárias”, junto a uma janela ou numa varanda, pode plantar “ervilhas, tomates, espinafres, rúcula ou alface” e, em caso de falta de espaço, a agricultora aconselha “replantar os vegetais mais caros ou difíceis de encontrar nas lojas”, prometendo “resultados surpreendentes”.
Susana Caseiro, que dá conselhos com base na sua experiência prática, frisa que, em Portugal, temos “um clima muito específico e privilegiado para uma grande variedade de cultivos”. No seu “jardim comestível”, um sistema de 10 m2 de vasos e canteiros instalado no seu pátio, conta que tem “mais de 30 variedades só de ervas aromáticas”, além de 25 outras de vegetais e frutos como “amoras, framboesas, morangos e mirtilos”. Por cada metro quadrado de solo, explica, “podemos cultivar até 20 kg de alimentos por ano”, mas para isso “é necessário, além de criatividade e gosto, experiência e conhecimento que só se ganham com a prática”. W
“De cada vez que deitamos ao lixo um pé de alface, estamos a desperdiçar entre seis e 10 novas folhas”, diz Katie Elzer-Peters, autora de Tudo se Aproveita