SÁBADO

A ERA DAS HORTAS CASEIRAS

- Por Catarina Moura e Pedro Henrique Miranda

É uma moda muito natural: a prática de plantar e replantar em casa – onde quer que ela seja – nunca foi tão popular como nestes tempos de confinamen­to e está a colorir os lares de frutos e vegetais. Falámos com especialis­tas para saber por onde começar.

UMA SEMENTE não é um álbum de fotografia­s, mas para Bruno Simão funciona de forma semelhante. Quando come uma peça de fruta de que gostou particular­mente, ou quando traz fruta de algum sítio especial – como as ameixas de casa dos sogros – tenta germinar-lhes as sementes para um dia mais tarde poderem tornar-se árvores de fruto. “É uma forma de preservar uma coleção de frutas que fui comendo e de marcar momentos especiais. Quando a minha filha fez 2 anos plantei uma série de sementes”, conta à SÁBADO.

Desde há muito que Bruno planta aromáticas a partir dos pés que lhe dão no mercado ou que apanha no seu terreno – tem para cozinhar e volta e meia oferece um vaso cheio à mãe ou à avó. Há cerca de dois anos quis tentar entrar pelo mundo das frutícolas para ver se tinha paciência. “É claro que podia comprar tudo, por €5 já se compra uma árvore com dois anos no mercado. Mas é diferente sentir que fui eu que dei vida àquele ser”, explica o baterista de jazz e rock, que diz

“É claro que podia comprar tudo, mas é diferente sentir que fui eu que dei vida àquele ser”, diz Bruno Simão, que planta ervas aromáticas em casa

sempre ter tido uma grande ligação à natureza.

As hortas em apartament­os são uma tendência que tem levado à publicação de livros, aplicações para smartphone e formas adaptadas de germinar, semear e manter hortícolas e ervas aromáticas. Tornou-se uma moda das redes sociais para millennial­s, mas não só: a expressão plant dad ou plant mom [papá ou mamã de plantas] nasceu para aqueles que cuidam dos vasos em casa de alguém da família.

O confinamen­to social em que o mundo está mergulhado veio trazer tempo para aprofundar a relação de cada um com os seus rebentos e trouxe curiosos que nunca o tinham Q

Q experiment­ado. É o que garante Susana Caseiro, que começou a difundir esta prática “quando ainda se falava pouco da temática das hortas em casa”. A praticar agricultur­a biológica em sua casa, em Braga, há 15 anos, foi, em 2010 uma das fundadoras da Plantit, uma aplicação para smartphone e tablet (hoje apenas disponível gratuitame­nte para o sistema operativo iOS, da Apple) desenhada para ajudar com as hortas caseiras e que se diferencio­u por “separar em estações do ano as espécies que melhor podem ser plantadas e semeadas”.

Hoje, é dona do site Cultivos da Caseiro, que, além de artigos, vídeos e materiais sobre agricultur­a biológica em casa, segmentado­s por áreas, oferece o curso Clube da Horta, que proporcion­a mensalment­e um acompanham­ento virtual para iniciados, explicando “como gerir a horta e lidar com imprevisto­s, como pragas, fungos ou mau tempo”. Assegura que “nunca o interesse pela agricultur­a urbana foi tão grande” e que “todas as faixas etárias têm procurado o site”. Com 75% de público feminino, nota que “há cada vez mais jovens a querer aprender a plantar em casa”.

Associado a este fenómeno está o da reutilizaç­ão e replantaçã­o de vegetais. Uma pesquisa na Internet por regrow veggies (ou simplesmen­te regrow, que em português significar­á qualquer coisa como fazer crescer de novo) mostra milhares de pessoas que puseram aparas de vegetais usa

dos, pés e talos à janela para que voltem a brotar. Katie Elzer-Peters, autora do livro Tudo se Aproveita, explica que “de cada vez que deitamos ao lixo o pé de uma cabeça de alface, estamos a desperdiça­r potencialm­ente entre seis e 10 novas folhas”. Os resultados dependem do tipo de vegetal ou fruto, mas “sempre que se plantam sementes, pés, raízes ou folhas de algo, pode-se obter algo comestível”, assegura. Isto vale para tudo, de “batatas-doces, abacates e ananases” até “nabos, rabanetes, alho e cenouras”.

Melissa J. Will, dona do blogue canadiano Empress of Dirt (Imperatriz do Solo), partilha com a SÁBADO algumas das suas práticas: “suspender raízes de cebolinho em água”, “regar caules de manjericão e salsa” e “plantar gengibre” resultam em novos espécimes que podem ser consumidos em casa. Se viver num apartament­o e tiver “entre 6 e 8 horas de sol diárias”, junto a uma janela ou numa varanda, pode plantar “ervilhas, tomates, espinafres, rúcula ou alface” e, em caso de falta de espaço, a agricultor­a aconselha “replantar os vegetais mais caros ou difíceis de encontrar nas lojas”, prometendo “resultados surpreende­ntes”.

Susana Caseiro, que dá conselhos com base na sua experiênci­a prática, frisa que, em Portugal, temos “um clima muito específico e privilegia­do para uma grande variedade de cultivos”. No seu “jardim comestível”, um sistema de 10 m2 de vasos e canteiros instalado no seu pátio, conta que tem “mais de 30 variedades só de ervas aromáticas”, além de 25 outras de vegetais e frutos como “amoras, framboesas, morangos e mirtilos”. Por cada metro quadrado de solo, explica, “podemos cultivar até 20 kg de alimentos por ano”, mas para isso “é necessário, além de criativida­de e gosto, experiênci­a e conhecimen­to que só se ganham com a prática”. W

“De cada vez que deitamos ao lixo um pé de alface, estamos a desperdiça­r entre seis e 10 novas folhas”, diz Katie Elzer-Peters, autora de Tudo se Aproveita

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A agricultur­a urbana é uma tendência que gerou livros, workshops e até aplicações de smartphone
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Se viver num apartament­o, precisa de 6 a 8 horas de luz solar diárias para cultivar
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Quase todos os frutos e legumes podem ser replantado­s através de pés, sementes, raízes ou folhas
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Susana Caseiro, que tem um site com dicas de agricultur­a, tem cerca de 60 variedades hortícolas no seu “jardim comestível”

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