O REGRESSO DO BIG BROTHER
Foi uma revolução na televisão: o que mudou 20 anos depois do primeiro reality show em Portugal?
Quem acordasse de uma sesta, desprevenido, nos primeiros dias de setembro de 2000 e olhasse para a TVI podia achar que estava ainda a sonhar. Umas quantas pessoas desconhecidas andavam por uma casa-estúdio sem fazer grande coisa, não falavam de nada em particular, parecia não estar a acontecer nada. E não estava. Era “a novela da vida real”, descrevia Teresa Guilherme, a apresentadora do primeiro Big Brother português, há 20 anos.
Em abril de 2020 a mesma pessoa pode acordar de uma sesta e deparar-se com o BB Zoom, na TVI, mas com certeza já nada lhe parece estranho. E não estamos a falar de estar há cerca de um mês fechado em casa a assistir ao adiamento da vida social por causa de uma pandemia. Perdeu-se a ingenuidade e já nenhum espectador se impressiona com o confinamento de 20 concorrentes numa casa. Podemos continuar a chamar “vida real” ao que se passa dentro de um reality show? A televisão generalista está hoje diferente, já não reina sozinha e ver 12 pessoas fechadas num estúdio que imita uma casa é hoje um dado adquirido. Afinal, a vida comum está por todo o lado – no cabo e na Internet.
O primeiro Big Brother foi um dos acontecimentos mais marcantes da televisão portuguesa dos últimos 20 anos, afirma Eduardo Cintra Torres, investigador na área da televisão. “Foi um dos programas mais revolucionários da história da TV: estabeleceu um género que entrou para o top de audiências e de produção”, diz o académico.
CIDADÃOS SEM QUALIDADES
h O género de que fala Eduardo Cintra Torres é o reality-game show, o formato que exibe a vida dos participantes e que é simultaneamente um jogo com prémio final. O BB não foi o primeiro programa em Portugal a fazer da vida comum um objeto televisivo – a fundação da SIC trouxe para o ecrã programas como All You Need Is Love (1994) ou Ponto de Encontro (1995), em que casos reais
eram relatados e resolvidos em estúdio de uma forma mais sóbria.
“A reality TV traz a possibilidade de criar uma celebridade do zero e com a ideia de que a vida comum tem interesse e relevância”, diz Ana Jorge, investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA-FCSH) na área da cultura das celebridades.
Com o BB as pessoas reais não têm apenas uma passagem curta pela televisão. O programa introduziu na televisão a vigilância permanente e a componente de jogo – na época, o prémio final eram 20 mil contos [100 mil euros] e um carro.
“Acompanhar a vida era uma tendência que já começava a manifestar-se [no fim dos anos 90]. Nesta altura era ainda minoritário, mas algumas pessoas já tinham um blogue e já havia tendência para a exposição daquilo que anteriormente era considerado privado”, diz Jorge Martins Rosa, professor da NOVA-FCSH e investigador na área da cultura pop. No entanto, aqui, “o cidadão sem qualidades, para usar a expressão do Musil, torna-se notório por aparecer na televisão e o que faz na televisão torna-se notável”, continua Jorge Martins Rosa.
ZÉ, O POBREZINHO E MARCO, O BULLY
h Zé Maria, Marta e Marco, Célia e Telmo, Mário ou Sónia são nomes que o público ainda conhece (embora ignore os seus apelidos, na época reduzidos a uma inicial). O que fizeram para que reconheçamos ainda que o animal preferido de Zé Maria era uma galinha ou que o Marco era o mulherengo que se apaixonou por Marta? Lavaram loiça, aspiraram o chão, apanharam sol ao pé de uma modesta piscina, fizeram provas para conseguirem ter comida na despensa, enquanto se zangaram, se apaixonaram ou disseram frases que ficaram gravadas na cultura pop – lembra-se do “falam, falam, falam, falam mas não os vejo a fazer nada”?
Num julgamento depreciativo dir-se-á que não fizeram nada, mas estes “cidadãos sem qualidades” foram personagens. “O Zé Maria era o pobrezinho (são sempre Q