Ensino Propinas a mais e aulas a menos: os problemas dos estudantes
Nem tudo se consegue aprender online. A Net cai e perdem-se respostas em testes – nos quais já houve quem copiasse.
As luzes estão guardadas nos estúdios de fotografia do IADE. Atrás das portas trancadas do edifício, em Santos (Lisboa), estão também as câmaras obscuras para revelação de imagens analógicas e a oficina de cerâmica. Desde que esta escola privada fechou – e foi das últimas – os alunos sentem que estão a aprender menos (porque lhes faltam estas ferramentas), mas ainda a pagar o mesmo (apesar de a direção estar disponível para rever os casos em que há problemas económicos). E isso é injusto, diz Manuel Cabaço.
O dirigente associativo estima que a propina mensal varia entre os 453 e os 667 euros: “Deveria haver um corte, não precisava de ser extravagante, mas simbólico. A associação de estudantes fez um inquérito a 400 alunos (num universo que estima ser de 3 mil) e percebeu que 70% deles “perderam ferramentas essenciais para o desenvolvimento académico”. Num outro inquérito da Associação Académica de Lisboa (AAL) a 3.281 alunos, 54,7% queixavam-se do mesmo. “Não faz sentido cobrar a propina na totalidade”, concorda o presidente da AAL, Bernardo Rodrigues. Foi já depois de recolher outros casos como este que enviou uma carta ao ministro do Ensino Superior, ainda em março. Nela registou “a notória falta de preparação das instituições do ensino superior” que “não têm capacidade de providenciar aos seus alunos o ensino de excelência que é esperado”.
O IADE (que não respondeu às perguntas da SÁBADO até ao fecho desta edição) é apenas um exemplo de como as aulas remotas, mais fáceis para estudantes com cursos teóricos, estão a revelar-se quase impossíveis para quem se quer licenciar em música, teatro, terapia da fala ou saúde, confirmou a SÁBADO com representantes académicos destes cursos.
Em Évora, os estudantes de Medicina Veterinária, por exemplo, só têm tido as aulas teóricas online, relata Fernanda Barreiros, que preside
à associação académica. Na Escola de Saúde do Instituto Politécnico de Castelo Branco, “as aulas práticas estão paradas”, relata João Algarvio, que lidera a associação de estudantes. “O meu curso de Ciências Biomédicas e Laboratoriais tem muito de laboratório. E são equipamentos que ninguém tem em casa”, por isso, para já, estão a estudar casos clínicos. O plano ali, em Évora e noutras instituições é esperar um possível regresso às práticas se for decretada a abertura das instituições de ensino superior a partir de 4 de maio – o anúncio está prometido pelo primeiro-ministro, António Costa, para quinta-feira, 30.
O maior receio de Guilherme Graça, de 21 anos, é que as semanas em casa, em Aveiro, o façam regredir na aprendizagem de oboé. O professor incentivou-o e aos colegas da Escola Superior de Música de Lisboa a enviarem vídeos com o que têm feito e responde-lhes com indicações sobre o que podem melhorar. Mas não é a mesma coisa de ter uma aula presencial: como não têm microfones, até o som do que enviam tem distorções. “Diria que estamos a evoluir 10 a 20%. Se for, porque pode piorar: sem a constante ajuda do professor, podemos criar vícios”, explica o também dirigente associativo. E quem estuda percussão ainda está em pior situação: “Não tem capacidade para ter esses instrumentos em casa e não tem como mostrar o trabalho.”
“O que está a acontecer é que os alunos sentem que estão a perder o semestre porque não estão a conseguir reter a aprendizagem como quando as aulas eram presenciais”, acrescenta João Reis, que preside à associação de estudantes da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. No Porto, estudantes de Farmácia, como Marcos Alves Teixeira, que preside à Federação Académica, também não têm podido fazer em laboratório os xaropes e os comprimidos que agora lhes ensinam em vídeos. Ainda assim, está otimista: “Temos de conseguir o melhor desta situação, que não será tão boa como era a anterior. Mas isso aplica-se ao ensino superior e a todos os setores de atividade.”
Cai a Net, vai-se o exame
As instituições tiveram uma ou duas semanas para adaptarem “50 anos de ensino presencial para o digital” e esse rápido trajeto não se faz sem “falhas”, assume o presidente da associação de estudantes do ISCTE, João Fernandes. O Instituto Politécnico de Setúbal optou por encerrar 15 dias para que os professores preparassem as aulas e aprendessem a trabalhar com novas plataformas. Mas outros institutos iniciaram imediatamente as aulas à distância, com as falhas na engrenagem a serem detetadas pelo caminho. Tiago Diniz (da
Federação Nacional de Estudantes do Ensino Superior Politécnico) conta como a avaliação ainda é “um processo em construção” e que até já se fizeram provas por email. O aluno recebe o enunciado, responde, tira uma fotografia e envia em “meia hora”.
E também há relatos de fraude académica: a comissão pedagógica da Escola de Gestão do ISCTE está a avaliar a hipótese de uma turma ter conseguido partilhar as perguntas de um teste entre si. Como eram muitos alunos, foram divididos em quatro turnos e os do primeiro terão partilhado a matéria com os seguintes. Sobre o caso, a reitora recorda que o código de conduta, publicado em Diário da República, “não está suspenso”. Outro “problema é a instabilidade da Net”, diz Tiago Diniz. Aconteceu durante testes feitos no ISCTE: a rede foi abaixo e os estudantes perderam tempo na prova ou nas respostas já dadas. “Ninguém foi prejudicado, os docentes compensaram-nos”, garante João Fernandes. A reitora diz que está a “investir na capacidade e na funcionalidade das plataformas”, mas que “à semelhança da generalidade do País, não estávamos totalmente preparados”. W
TAL COMO A “GENERALIDADE DO PAÍS, NÃO ESTÁVAMOS TOTALMENTE PREPARADOS”, DIZ A REITORA DO ISCTE