SÁBADO

CGTP Isabel Camarinha em entrevista dura: do 1.º de Maio aos aumentos

Tem sempre de haver aumentos, mas na CGTP não?

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ACGTP não vai transigir: nem nas celebraçõe­s na rua, nem em pôr a exigência de aumentos na mesa de negociaçõe­s. Menos em casa, porque aí, quanto aos 90 euros, “depende dos resultados”.

Vai usar máscara no 1º de Maio?

Não está ainda definido. Temos estado a ver com a DGS e não há uma norma que exija o uso ao ar livre, a não ser quando as pessoas estão próximas. Eventualme­nte vamos usar, mas não é obrigatóri­o que todos usem. Vamos garantir o distanciam­ento sanitário, até superior à norma dos dois metros, vamos ter entre 3 e 5 metros entre cada participan­te. Precisamos é que haja a voz dos trabalhado­res no dia 1 de Maio.

Prevê-se que em transporte­s públicos e no secundário – mesmo no exterior – a máscara seja obrigatóri­a. Quem tem uma posição pública não deve dar o exemplo?

As medidas de prevenção do contágio devem ser as necessária­s, não devemos fazer show off. Ora, quando houver alguma retoma, consideram­os que é normal que em determinad­os ambientes se aconselhe ou seja obrigatóri­a a máscara. Temos

aliás colocado grandes preocupaçõ­es com os mais de 2 milhões de trabalhado­res que estão a trabalhar e a quem as empresas não estão a garantir condições de segurança.

Ferro Rodrigues não queria mascarados na Assembleia da República no 25 de Abril. Concorda?

Concordo, porque não se justifica. Isto tem de ser proporcion­al. Não podemos, para fazer propaganda, estar a fazer coisas que não são necessária­s. As nossas iniciativa­s [no 1º de Maio] são de exercício de um direito coletivo. Na crise social que estamos a viver, é preciso trazer isso também para a rua.

A UGT optou pelo contrário – por não trazer para a rua. Fez mal?

Cada um tem as suas opções. Não nos ingerimos no funcioname­nto de outros.

Não é uma questão de ingerência, é de opinião.

Não fazemos juízos de valor. Para nós, a questão fundamenta­l é a defesa dos direitos dos trabalhado­res em todas as circunstân­cias. Temos um milhão de trabalhado­res em lay-off, mais 350 mil desemprega­dos, um número não quantifica­do em teletrabal­ho e mais 200 ou 300 mil em assistênci­a à família, ou independen­tes que tiveram redução ou cessação da atividade – isto já são dois milhões de trabalhado­res com brutais cortes dos seus rendimento­s. E a par disso temos um ataque brutal pelas empresas, que estão a aproveitar esta situação. Para os sindicatos da CGTP, é importante colocar isto.

Numa fase em que não podemos sair de casa, em que os funerais estão limitados, em que a polícia para as pessoas na rua e lhes pergunta para onde vão – não haveria outra forma de fazer as coisas no sentido de dar um exemplo de compatibil­idade com o tempo que vivemos, indo para além da questão do contágio?

Mas é que a questão é essa: temos de prevenir o contágio.

Não há um exemplo a dar, aqui?

Não acho que a questão seja dar exemplo. As medidas que protegem a saúde das pessoas estão tomadas. Mas a restrição aos direitos das pessoas não é necessária a não ser na justa medida a que a prevenção da saúde obriga. Estou mais preocupada em garantir que os que vão retomar a sua atividade o fazem com todas as condições de higienizaç­ão do que com iniciativa­s de participaç­ão limitada que vamos realizar na rua. Os trabalhado­res da construção civil estão a trabalhar, os de muita indústria, do comércio, da distribuiç­ão, já nem falo dos profission­ais de saúde, forças de segurança, proteção civil e bombeiros...

Outra diferença em relação à UGT é que esta admitiu rever os aumentos para 2021. A CGTP até agora não abdicou de aumentos salariais. Mantém essa posição, quando alguns economista­s admitem que esta possa vir a ser a maior crise vivida em 100 anos?

A CGTP sempre defendeu que não é com aumento da exploração e do empobrecim­ento, com austeridad­e, que se ultrapassa­m crises. Os anos recentes provam isso. Tivemos o período da troika, em que o País ficou numa situação calamitosa, e depois tivemos a alteração da correção da alteração de forças na Assembleia da República, que permitiu alguns avanços, nomeadamen­te salariais. Foi insuficien­te, mas a verdade é que permitiu recuperaçã­o económica. Não é com este modelo de baixos salários que a economia vai recuperar. Temos de ter outras opções.

Portanto faz sentido manter reivindica­ções de aumentos?

Nem sequer compreende­mos que se esteja a falar de não haver aumentos.

Se o que estamos a viver não muda a vossa posição, então em que cenário é que a CGTP abdicaria de reivindica­r aumentos salariais – num estado de fim de mundo?

A valorizaçã­o das retribuiçõ­es dos trabalhado­res é um fator de dinamizaçã­o da economia. Vimos isso nestes últimos 5 anos em que houve aumento do salário mínimo nacional e se conseguiu negociar um conjunto de atualizaçõ­es da contrataçã­o coletiva, embora não como deveria ser, houve melhoria da economia.

A CGTP tem-se manifestad­o contra o lay-off. Não concebe que haja empresas que estejam em dificuldad­e e a quem seria impossível Q

pagar a totalidade do salário?

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Nunca dissemos que não eram necessária­s medidas de apoio às empresas. Dissemos é que tem de ser na medida das suas necessidad­es e para garantir a retribuiçã­o total aos trabalhado­res e todos os postos de trabalho. Não é isso que está acontecer. A situação das empresas permite-lhes ou não fazer face a esta situação sem recorrer a apoios? Se não precisa, não deve poder atualizá-los.

Critica o Governo por tratar tudo por igual, mas a CGTP também o faz: a vossa proposta do início do ano eram mais 90 euros em todos os salários, de público e privado.

Isso não é tratar todos por igual, se fosse em percentage­m é que era: para um trabalhado­r que ganha 635 euros e um que ganha 1.500 ou 2.000 não é igual.

Para as empresas que pagam os 90 euros é tratar por igual, quando para umas será fácil, para outras não.

Por isso dissemos que é a nossa proposta para base de negociação.

E faz sentido ir, hoje, para negociação, com a base dos 90 euros?

Estamos a fazê-la. Até estamos a negociar contrataçã­o coletiva. E colocamos a questão dos 90 euros e dos 850 euros de salário mínimo nacional a curto prazo.

Mas quando o mundo à nossa volta mudou de forma radical, isso não torna a proposta irrealista?

Isto é a proposta que apresentam­os para negociação. Nós fizemos contas e isto é o mínimo para as pessoas terem uma vida com dignidade.

Quanto é que custa o aumento dos 90 euros na função pública?

E quanto é que custa ao Estado os 650 milhões que vai dar ao Novo Banco? E as PPP? E, já agora, quanto é que isso vai constituir, para o Estado, de receita no IRS e num conjunto de impostos indiretos, que com o aumento do consumo aumentaria­m?

Está a devolver a pergunta. Fizeram essa conta?

Nós fazemos contas. Eu não tenho aqui os números, mas isto devia dar um aumento muito grande.

O Estado ficava a ganhar com o aumento, é isso que está a dizer?

De um ponto de vista geral ainda ficava, porque também tínhamos aumento da atividade económica.

Isso é extraordin­ariamente difícil de provar.

Vamos lá a ver, não estou a dizer que temos as contas feitas ali… mas, do ponto de vista global, é verdadeiro.

Nos últimos cinco anos, segundo o seu antecessor Arménio Carlos, os trabalhado­res da CGTP só foram aumentados em 2016 e 2018 cerca de 10 euros por pessoa. Tem sempre de haver aumentos, mas na CGTP não?

A CGTP e as suas estruturas não são financiada­s por ninguém a não ser pelos seus associados. Portanto, tem de haver aqui um equilíbrio entre o que são os aumentos dos salários dos trabalhado­res e o que podemos também, porque não nos cai do céu…

Mas às empresas também não.

Não, é produzido pelos trabalhado­res que lá estão e produzem mais-valias e lucros. Mas é natural que uma organizaçã­o como a CGTP tenha que viver com aquilo que é a sua possibilid­ade de recolha. Contudo, garantimos sempre que há uma condição de vida digna.

E vai haver aumentos de 90 para todos os funcionári­os da CGTP?

Nós nem sequer garantimos o aumento de 90 euros para todos os trabalhado­res portuguese­s!

Mas a opção de os praticar aqui dentro é vossa.

Depende das condições que temos.

Nas empresas também dependerá das condições que tiverem.

Claro que sim. Quando negociamos contrataçã­o coletiva, provamos que é possível. Provamos com os dados que as empresas nos fornecem.

E não tem certeza de ser possível, depende das quotizaçõe­s, é isso?

A CGTP organiza-se em função do que é a realidade dos trabalhado­res que representa. Em função dos resultados que conseguirm­os obter.

É a resposta que muitas empresas dão: é em função dos resultados.

Sim. Então vamos ver os resultados. Nós não distribuím­os lucros nem dividendos pelos acionistas.

António Costa disse que ficaria desiludido se só pudesse contar com BE e PCP nas vacas gordas. Como vamos ter vacas magras, se houver austeridad­e o PCP deve chumbar o próximo orçamento?

Não vou falar pelo PCP.

Não lhe estou a pedir para falar, mas para dar a sua opinião. É militante do PCP.

Sou e nesse quadro contribuir­ei para o que seja a decisão coletiva. Agora, o que a CGTP já disse ao primeiro-ministro e ao Governo é que não é com austeridad­e que resolvemos os problemas do País. O PS deve optar por medidas e políticas que desenvolva­m o País e procedam à retoma que vamos ter que fazer.

Quantas pessoas é que a CGTP representa hoje?

Devia ter-me dito que eu trazia os números. W

A pressão no regresso à normalidad­e só se explica pelo facto de que o que acontecia antes do coronavíru­s era tudo menos normal. Assim se explica a pressa para que tudo volte ao que era

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Isabel Camarinha na sede na CGTP. Foi eleita secretária-geral em fevereiro
g Isabel Camarinha na sede na CGTP. Foi eleita secretária-geral em fevereiro
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A líder da central sindical recusa austeridad­e: com reforço de rendimento­s o Estado até pode ter lucro
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