SÁBADO

Estudo em casa Pais e avós voltaram à escola para aprender lições novas

As aulas transmitid­as pela televisão bateram o recorde de audiência da RTP Memória. Mas nãosão só crianças e adolescent­es que estão a ver e a aprender.

- Por Susana Lúcio

Fernando Pires não está com os netos há quase dois meses. O impacto é grande. “Via o mais novo todos os dias, porque o recreio da escola fica nas traseiras da minha casa em Almada”, conta à SÁBADO. “O mais velho, de 16 anos, vinha cá almoçar e às vezes até passava cá a noite.” A pandemia separou-os, mas as aulas do Estudo em Casa reaproxima­ram-nos.

Desde o dia 20 de abril que o avô se senta à frente do televisor para assistir às mesmas aulas que o neto Tomás: Português, Matemática, e Estudo do Meio e Cidadania para o 3º e 4º ano, todos os dias entre as 10h20 e as 11h30. “Depois fazemos uma videochama­da e conversamo­s sobre o que vimos. Da última vez ficámos uma hora ao telefone”, conta. O neto, a frequentar o 4º ano, já conhece a matéria dada. O avô, que completou o 11º ano, considerou o método de ensino da Matemática, com a decomposiç­ão de números, mais complicado. Também viu as aulas de Inglês, mas desinteres­sou-se porque “estão muito no início”. Espreitou as de Alemão, mas achou muito difícil. E assiste às de Educação Física, mas sentado no sofá. “O meu neto faz todos os exercícios, mas aquilo não me diz grande coisa.”

As aulas são uma forma de ocupar o dia. Antes da pandemia, o funcionári­o reformado da Portugal Telecom, de 76 anos, costumava passar parte do seu tempo numa casa de campo, em Fernão Ferro, onde faz agricultur­a. Ou fazia. “Ficaram as culturas que não precisam de ser regadas: as favas e as cebolas.” Também tem árvores de fruta e um lago com peixes e um aviário. “Vou lá uma vez por semana para alimentar os animais.” Para além da ida às compras, não sai de casa. “Viver em isolamento tem sido muito difícil.”

Georgina Fernandes, de 36 anos, também assiste às aulas televisiva­s para estar mais próxima, mas do pai. José Fernandes, de 65 anos, vive sozinho numa aldeia de Seia e, como só vê 10% de um olho, não gosta de sair da sua propriedad­e. A filha, em Lisboa, estava preocupada com a saúde do pai que é diabético e sofre do coração. Mas tudo se alterou com a estreia do Estudo em Casa. “Foi ele que me disse que ia começar”, conta. Um notívago que costumava deitar-se de madrugada a ver filmes na televisão, o antigo operário de uma fábrica de lanifícios deita-se agora cedo

JOSÉ FERNANDES LAMENTA QUE O INGLÊS E O ALEMÃO NÃO SEJAM PARA INICIANTES E GOSTA DAS AULAS DE HISTÓRIA

para não perder as primeiras aulas, às 9h. “Vê tudo e está muito motivado. Adora Espanhol, gosta da sonoridade”, conta a filha. “E como ao telefone só fala nas aulas, tenho de ir vendo para ter o que conversar.” José Fernandes só lamenta que o Inglês e o Alemão não sejam para iniciantes e gosta de História. “Relata-me tudo o que aprendeu.” Por tudo isto, Georgina até já telefonou para o Ministério da Educação a pedir que o Estudo em Casa se mantenha em antena mesmo depois de passada a crise pandémica. “Gostava muito que continuass­e, acho que seria útil como programa para a cidadania.”

Alemão é a aula que a escritora Ali

ADELAIDE LUÍS TENTOU ACOMPANHAR AS AULAS DE INGLÊS, MAS NÃO CONSEGUIU. “É MUITO AVANÇADO PARA MIM”, DIZ

ce Vieira não perde. Apesar de ser licenciada em Filologia Germânica, o seu alemão está “um pouco enferrujad­o – quando vou à Alemanha, só ao terceiro dia é que me habituo”. Não gostou da primeira aula porque se falou sobre o coronavíru­s e está cansada da pandemia, mas não vai desistir. Tem amigas que assistem às aulas de Inglês e Português. Mas, aos 77 anos, a escritora não tem muito tempo disponível – mesmo fechada em casa. “Estou a responder a inquéritos, a escrever um romance a quatro mãos pelo Facebook e faço muita malha: até tenho uma lista de encomendas”, diz a rir.

Aprender línguas

Foram as amigas de Adelaide Luís, de 66 anos, que a convencera­m a assistir às aulas da telescola. “Uma até tem um caderno de apontament­os”, diz.

Tentou as aulas de Inglês, mas achou difícil. “É muito avançado para mim. Só fiz o 6º ano e na altura dava-se Francês”, explica. Prefere as de História e Geografia, onde recorda o que aprendeu em miúda. “Tenho o televisor ligado, enquanto vou fazendo as tarefas de casa.” Não tem sido fácil ficar fechada com a filha. Há 18 anos que ia todos os dias à Universida­de Sénior de Sintra, onde tinha aulas de cavaquinho, coro, flauta e bordado de Castelo Branco. “Ainda ajudava na secretaria da escola.” A universida­de fechou com a pandemia e falta-lhe o convívio com os colegas. “Os meus dias mudaram muito”, queixa-se. “Tenho andado mais entretida no jardim e na horta.” Aí, e no WhatsApp, que aprendeu a usar para comunicar com o grupo de 70 amigos.

Aos 36 anos, Rubina Coelho também não perde as aulas do Estudo em Casa. Começou por acompanhar o filho, de 14 anos, que frequenta o 9º ano, mas agora está a prestar mais atenção às aulas de Inglês, Francês e Alemão. “Trabalho numa loja de roupa no Funchal e fazem-me falta as línguas para atender melhor os turistas”, explica. Mas também assiste às aulas de Português e Ciências Naturais. “Estudei até ao 9º ano, mas há muita coisa de que já me esqueci. Assim fico mais culta.” Garante que é uma aluna mais entusiasma­da do que o filho. No fim de algumas aulas em que se colocam perguntas e são dadas três opções de resposta, desafia o filho a responder para ver quem esteve com mais atenção. E não são os únicos na família. “A minha sogra e cunhadas também assistem. Quando falamos por videochama­da comentamos o que vimos e as respostas que demos às perguntas.” Será que o Estudo em Casa tem futuro após a pandemia? W

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Há 18 anos que frequenta a Universida­de Sénior de Sintra. Agora ocupa o tempo com as flores do jardim de casa e com as aulas do Estudo em Casa
Adelaide Luís Há 18 anos que frequenta a Universida­de Sénior de Sintra. Agora ocupa o tempo com as flores do jardim de casa e com as aulas do Estudo em Casa

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