Ângela Marques
Banho de realidade: Deus só é Pai porque nunca poderia ser mãe. Imaginem que ele tinha de estar em todo o lado, saber tudo e cuidar de todos – tendo, no lugar do coração, um botão de pânico. Portanto, Deus é pai porque, na profissão dele, não se pode enervar. Elas? Elas matam e morrem pelos filhos mas, no entretanto, dão-nos cabo dos nervos. E porquê? Porque têm o pânico ao pé da boca.
Começa cedo: assim que nos veem no mundo (um mundo que elas sabem que é bem mais ou menos), a vida delas transforma-se num constante estado de emergência. Mesmo as que nunca estudaram música dominam o solfejo do terror. É com ele que, a partir do momento em que nos dão a chave de casa, orquestram as possibilidades de acidentes, raptos e doenças raras com que nos cruzaremos de cada vez que formos de férias. “Ligo-te quando chegar” é música para os ouvidos delas.
Voltando à metáfora religiosa: quando estão ansiosas, elas não nos mandam sinais, mandam-nos o terceiro testamento. Adoram começar telefonemas com “Não é para te preocupar, mas…” E é claro que, não raras vezes, quando lhes dizemos “devias ir ao médico”, elas replicam com: “Não, isto não é nada.” (Porque, naturalmente, têm um curso de Medicina de que não sabemos.)
QUANDO ESTÃO ANSIOSAS, ELAS NÃO NOS MANDAM SINAIS, MANDAM-NOS O TERCEIRO TESTAMENTO
A partir de determinada idade, elas, que conhecemos de toda a vida como as pessoas que iniciam as conversas telefónicas com “onde é que estás?”, fazem de conta que não querem incomodar. “Não me ligaste…”, dizem elas. “Podias ter ligado”, respondemos nós. “Sei lá se estás ocupada.” É que elas dominam tudo, menos o conceito de chamada não atendida. Porquê? Por causa do pânico. Se um filho não atende, o que é isso quer dizer, meu Pai?
Podia dizer que, esta semana, a minha mãe foi superlativa nisto de ser mãe – mas talvez seja mais correto dizer que foi só uma mãe normal. No meio de uma pandemia, em regime de confinamento, ligou-me mal o sol tinha raiado. Sem pânico, porém algo intrigada, atendi de imediato. “Filha, fiquei fechada na rua…” Juro, só me ocorreu dizer: “Meu Deus.” W