PAULO PORTAS, A NOVA ESTRELA DA TVI: FOMOS VER COMO O ANTIGO JORNALISTA E POLÍTICO SE TRANSFORMOU NUM SUCESSO DE AUDIÊNCIAS
Em média, teve 1 milhão e 178 mil espetadores a vê-lo em 31 programas. Com a SÁBADO partilhou os bastidores.
Paulo Portas circula de máscara cirúrgica pelo Jardim da Estrela, em Lisboa. Falta um dia para o fim do seu programa Estado da Emergência, mas na cabeça fervilham ainda muitas ideias para o espaço de comentário na TVI. Passa por ele um conhecido que acena de longe, garantindo que lhe irá enviar as informações prometidas. É um embaixador estrangeiro, uma das “várias dezenas de contactos” a que Portas recorreu durante o mês que durou o programa para garantir informação de fundo que ajudasse a perceber a pandemia de Covid-19.
A quarentena nacional estava a começar quando, numa conversa com Sérgio Figueiredo, o diretor de Informação da TVI, surgiu a ideia de fazer um programa de comentário diferente: um tema por dia, analisado de forma profunda, sempre sobre a crise sanitária que se vive no mundo. Paulo Portas teria de fugir um pouco à regra que se impôs de não comentar a política nacional. Mas fê-lo com pinças. Raras vezes referiu políticos nacionais, preferiu muitas vezes a expressão “autoridades”.
Para se justificar, cita Churchill. “Assumi sempre uma atitude one nation. Tenho tido esse cuidado. Sou muito contrário a injeções de ideologia no meio de uma pandemia.” Pelo contrário, assegura que muitas vezes foi exaustivo a dar os argumentos contra a sua própria opinião para garantir que dava o outro lado.
O programa mudou-lhe a quarentena. Ao teletrabalho em universidades, conferências e consultoria de empresas, juntou a missão de se documentar a fundo sobre os temas que escolheu para comentar. A nova rotina incluía uma passagem pela banca dos jornais ao pé de casa de manhã bem cedo, antes de tratar de outros assuntos de trabalho. “A meio da manhã entrava em mood Estado da Emergência. Não foi uma dedicação exclusiva, mas quase”, conta à SÁBADO. Às leituras habituais dos jornais nacionais e estrangeiros juntou fontes que antes não lhe passavam pelas
mãos. “Fiz não sei quantas assinaturas digitais”, confessa o comentador, que até começou a ler revistas médicas. “Eu sabia que existia a The Lancet ou a New England, agora tive de as ler. Pelo menos em parte, porque pelo meio há uma série de equações e referências impossíveis de entender.”
Para se guiar neste mundo, recorreu muitas vezes a amigos, mas também a especialistas com quem nunca antes tinha falado. “Tenho muitos amigos na indústria farmacêutica, que me ajudaram, por exemplo. Mas também falei com pessoas que não conhecia.” Os contactos chegaram através de amigos e incluem gente da Saúde, da Ciência e da Economia, mas também da Psicologia. “Acho muito importante falar com psicólogos
para entender o comportamento das pessoas”, diz Portas, que voltou a socorrer-se de tudo o que aprendeu como jornalista para investigar temas e falar com fontes, mas que beneficiou também da agenda que reuniu enquanto como governante teve contacto com o mundo da diplomacia e dos negócios.
“Não teria sido possível fazer o Estado da Emergência sem a ajuda de muita gente. Médicos do público e do privado, farmacêuticos, enfermeiros e indústria, fundações, investigadores e cientistas, gestores e empresários, quadros de organizações internacionais e da nossa administração pública, decisores portugueses ou estrangeiros, diplomatas e militares, dirigentes associativos, juristas, economistas e matemáticos, tech people e trendsetters”,
“O MEU WHATSAPP PARECE A A1 NUMA SEXTA-FEIRA AO FIM DA TARDE NO VELHO MUNDO”, DIZ PORTAS
enumera. “Alguns já ouvia e conhecia antes. Outros tornaram-se amigos digitais que espero conhecer um dia. Devo-lhes imenso. O essencial, para ser exato.” Paulo Portas não quer, porém, nomeá-los. “Teria de lhes pedir autorização e seria injusto nomear alguns e esquecer outros.”
Entre leituras e contactos com fontes, o tema de cada Estado da Emergência ficava escolhido até às 15h. A essa hora, já tinha falado mais que uma vez com Sérgio Figueiredo, e começava a fazer os esboços dos gráficos que iria apresentar à noite em estúdio. Todos desenhados à mão, encheram três cadernos com aquilo a que o filho de arquiteto chama em tom de graça de “dibujos” e serviam de base para o trabalho do pessoal gráfico da TVI com quem ia trocando emails e mensagens de WhatsApp para definir o resultado final.
A nova vida digital
Aplicações como o WhatsApp ou o Zoom, para continuar a dar aulas à distância ou a fazer conferências, tornaram-se ferramentas fundamentais. “O meu WhatsApp (e acho que o de toda gente) parece a A1 numa sexta-feira ao fim da tarde no velho mundo. Um tráfego permanente! Já tive de apagar várias vezes mensagens e selecionar, até para memória futura, os relatórios ou os dados mais importantes.”
A trabalhar em pleno estado de emergência, Portas precisava de um salvo-conduto para chegar à redação da TVI, onde se habituou a passar algumas horas a
Q rever notas, isolado, antes do programa. Depois de ir para o ar, o trabalho não estava, contudo, terminado. O WhatsApp enchia-se novamente de mensagens com reações e comentários e era preciso manter as leituras em dia. “Em muitos domínios lia e ficava com dúvidas, era preciso passar muito tempo ao telefone para as esclarecer.” Facilmente se deitava depois das 2h da manhã. “Não durmo muito, não. Deve ser uma das razões para ter vontade de tirar umas férias quando puder.”
Não sabe, contudo, como e quando voltará a sentar-se num avião. A última vez que o fez foi no fim de janeiro, numa viagem de trabalho aos Estados Unidos. “Lembro-me de aí já ter levado máscara.” Esta semana recebeu um email a perguntar se estaria disponível para uma conferência em Miami em dezembro, mas a resposta está condicionada por circunstâncias que não domina. “Se houver condições, vou.” Para quem passou 186 dias do último ano em aeroportos e hotéis foi uma mudança radical de vida.
“Lembro-me de ter ficado impressionado quando, no fim de janeiro, recebi um email do dean de uma Universidade de Xangai onde dou aulas de mestrado (Geo Economics and International Relations) adiando, por causa da então epidemia, as inscrições para maio e as aulas para setembro. Deu-me uma noção muito precoce da gravidade e prolongamento dos factos”, revela o ex-político que, desde que saiu do Governo em 2015, se tornou professor, conferencista e consultor de empresas, numa atividade que o manteve estes anos em viagens constantes.
Sem sair da televisão
Agora, teve de adaptar as aulas para um formato digital e reformular as avaliações para permitir testes com consulta feitos à distância. “A minha vida como conferencista também ficou suspensa, mas está a retomar por via digital. Na semana passada fiz duas conferências e ambas para uns milhares de pessoas, que não cheguei a ver. O resto da minha vida profissional (a consultoria de empresas e o trabalho na Câmara de Comércio e Indústria, por exemplo) manteve-se em Zoom. Todos nos adaptamos ao que é possível”.
Rendeu-se às possibilidades abertas pelas tecnologias. “Foi também pelo WhatsApp que comecei a receber reinvenções magníficas de concertos ou de exposições. Para mim a arte, a música e a literatura em especial, foram a melhor ajuda para superar a sensação de espaço fechado que o confinamento tem e que não é nada confortável. O humor também, claro.” Mas ficou com dúvidas sobre o trabalho remoto. “Em geral, o teletrabalho foi a solução possível para muitas vidas não se romperem dramaticamente, mas não tenho grandes certezas nem sobre a produtividade nem sobre a liberdade de desconectar”, confessa.
Findo o estado de emergência, Portas deu por terminado o programa
O FUTURO POLÍTICO? “PARA 2026 AINDA FALTA UMA ETERNIDADE”: ACERTOU NA DATA DAS PRESIDENCIAIS
no último sábado e não esconde o alívio de não ter de estudar um tema por noite. Mas não vai sair da antena da TVI: o programa Global é para continuar. “Como todas as grandes crises, este vírus também demonstrou às pessoas que o internacional é nacional e que o global é local. Não podemos ausentar-nos do que fica longe porque depressa nos bate à porta. E, embora haja muitos modelos de desconfinamento, da pandemia ninguém sairá isoladamente.”
Com 1 milhão e 178 mil pessoas a vê-lo em média durante um mês na TVI, é impossível não pensar que Paulo Portas poderá estar a viver o seu “momento-Marcelo”. A observação arranca-lhe uma gargalhada. O futuro político? “Para 2026 ainda falta uma eternidade”, diz em tom de brincadeira, mas sem errar a data do fim de um eventual segundo mandato de Rebelo de Sousa. W