O destino de Costa e Marcelo
Um dos efeitos da pandemia é a alteração significativa do xadrez político. Entrámos no ano com um Governo a tremer, em dificuldades para viabilizar o Orçamento do Estado, praticamente refém dos parceiros da velha geringonça e com o génio das contas públicas a preparar-se para abandonar o barco.
Incapaz de levar o PS a uma maioria absoluta nas eleições de 2019, António Costa via pela frente uma vida muito difícil e uma legislatura que, provavelmente, não iria até ao fim. Veio então o Diabo em forma de pandemia. Uma emergência sanitária que trouxe uma recessão profunda e a consequente austeridade. Não a austeridade da troika, mas uma evidente austeridade, que vamos voltar a pagar bem caro. Quando o naufrágio parecia iminente, para Costa e Marcelo tudo mudou. Estão os dois muito mais reforçados politicamente. Atrás do Diabo vinha o arcanjo Gabriel com a boa nova de que, afinal, a pandemia poderia colar os cacos do xadrez político. Pelo menos, no médio prazo e se o vírus não der outro pontapé no tabuleiro das peças. Se as infeções e mortes dispararem nunca será de excluir uma mudança de humor dos eleitores.
Por agora, o reconhecimento da liderança segura de Costa reforçou-o e dá-lhe todas as condições políticas para terminar a legislatura. Mais ao centro, do que à esquerda. Rui Rio, gostem os seus críticos ou não, também sai reforçado desta crise e as sondagens mostram como a sua estratégia de apoio, esparsamente crítico, ao Governo, lhe deu um cimento político que não tinha. Fortaleceu o centro e abre espaço para um entendimento parlamentar (versão mínima…) do Bloco Central, que pode levar a legislatura até 2023. De resto, a pandemia quase pulverizou a direita. Dentro do PSD e fora dele. Os opositores de Rio, agregados na esperança de um regresso de Pedro Passos Coelho, ficam agora com uma reduzidíssima margem de manobra. É prematuro dizer que o passismo acabou, mas vai ter de hibernar por algum tempo. O CDS sai de rastos e o contexto de emergência mostra que as propostas do Chega não são agregadoras para tempos como os que vivemos. Pelo contrário, comportam uma fratura social e política que não se recomenda em tempo nenhum, muito menos em épocas de tamanha imprevisibilidade económica e sanitária. A pandemia empurrou Costa para fora das mãos da geringonça e reacendeu a velha cumplicidade com Rio, consolidada enquanto autarcas, que pode agora dar muito jeito ao velho sistema de poder e ocupação do Estado centrado nas máquinas do PS e do PSD. E que foi prematuramente enterrado pelos festejos autocontemplativos da geringonça.
Marcelo, pelo seu lado, é certo que só decidirá a recandidatura no minuto 92 mas não tem praticamente nenhuma alternativa se não bater-se por um segundo mandato. O comandante não abandona o navio na tormenta. O tempo político encurtou brutalmente e a questão da reeleição vai colocar-se em plena pandemia, com o cenário provável de uma segunda onda. Os portugueses têm demasiados exemplos lá fora, de políticos populistas como Trump, Bolsonaro e Boris Johnson que levaram os seus países a enormes tragédias, para não preferirem, apesar de tudo, a solidez democrática de Marcelo e Costa. O que obriga Marcelo a dar o passo em frente.
É evidente que muita coisa pode ainda correr mal a Costa. Na semana que passou, o Governo cometeu um erro crasso ao romper o clima de consenso e de união no ataque a esta crise, ao embrulhar-se numa polémica inútil com a Igreja católica, por causa da celebração do 1º de Maio pela CGTP. O pior que o Governo fez foi não ter acautelado uma forma de celebração do 13 de Maio em Fátima, tal como fez com a central sindical para o 1º de Maio, e tê-la previsto expressamente no decreto presidencial do estado de emergência. Alimentou de forma muito desastrada a ideia de que há portugueses que não são iguais perante a lei e o Estado. Para lá de se fragilizar politicamente, abrindo caminho a uma querela ideológica que alguns sacerdotes ensaiaram, acenando com o papão do esquerdismo, e que a CGTP alimentou com outro velho papão, o fascismo sibilino que paira, a todo o momento, sobre as nossas cabeças. Tudo lamentável. Mas para lá desta espuma, Costa e Marcelo uniram os destinos políticos por mais algum tempo, com Rio a apadrinhar. É mais do que um Bloco Central. Com uma direita decapitada, se não se cuidam, transforma-se numa verdadeira União Nacional. E isso é de má memória. Logo se transforma numa brigada do reumático. Serão muito mais exigentes do que o que já podemos avaliar hoje os tempos que aí vêm.
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