SÁBADO

Rentes de Carvalho Escritor critica excesso de rigidez com a pandemia

O escritor faz 90 anos a 15 de maio e continua desassombr­ado. Vive na Holanda há mais de 60 anos e acha que a sociedade de lá nunca aceitaria as medidas “autoritári­as e policiais” aplicadas em Portugal.

- Por Vanda Marques

Nunca teve medo, nem coragem, confessa. Chama-lhe antes fatalismo nacional – o que tem de ser, é. O escritor conta à SÁBADO que até já driblou o novo coronavíru­s. Jantou com um vizinho, acabadinho de chegar de umas férias na neve, que dias depois descobriu que tinha Covid-19. Rentes de Carvalho e a mulher foram testados e deram negativo. “Nós, que somos velhos, salvamo-nos.” O escritor acha que as restrições do confinamen­to são excessivas e que o Governo lhe pode tomar o gosto. Apesar de ser necessária alguma precaução, não deve ser à custa de destruir a economia. Diz que o futuro nos reserva “um mundo de medos e de rigidez”.

Com quase 90 anos – vai celebrar a data sem grande festa, sozinho com a mulher – está a trabalhar num novo romance que “ainda está nos astros”. Continua a dizer que escrever é um trabalho dos diabos e “um mau hábito” de que gosta.

“Como acham que os mais velhos vão custar mais dinheiro, preferem que fiquemos em casa”

Prestes a completar 90 anos, como se sente?

Sinto-me como de costume, não vejo diferença nenhuma. Biologicam­ente, claro que a pessoa é diferente, mas no íntimo acho que não. Nem sou mais inteligent­e. Talvez tenha um bocadinho mais de calma.

Como vai ser o dia de anos?

O dia vai ser de quarentena. Estamos, eu e a minha mulher, em casa. Não podemos ver a família. É pena.

É complicado passar por esta situação.

Bem, de certa maneira é complicado porque há coisas que faltam. Não se pode ir a um restaurant­e, a um cinema, ao teatro. Mas sou um sujeito que vive quase permanente­mente em casa. A diferença talvez seja grande no aspeto em que me sinto proibido de fazer coisas. Isso é muito desagradáv­el. Acho que não é justificad­o, mas, enfim, as autoridade­s é que sabem ou julgam saber.

No seu blogue, relata um episódio em que esteve perto da doença, correto?

Tempo Contado,

Isso é engraçado. Os nossos vizinhos, dois rapazes muito simpáticos, foram fazer esqui ao Tirol. Quando lá estavam, começou a pandemia. Quando voltaram trouxeram-nos uns chocolates e nessa noite jantámos todos juntos. Muitos abraços e muito carinho. O curioso é que um deles ficou infetado nessas férias, o outro não. E nós, que somos velhos, salvamo-nos e não ficámos infetados.

Quando soube dessa hipótese, o que pensou?

Nunca tenho medo. É um sentimento que não conheço. Sou um bocadinho fatalista – o que tem de ser, é. A única coisa que me assustou foi pensar que poderia ir para os cuidados intensivos. Ninguém sai de lá em bom estado. Ou sai morto ou sai com tantas mazelas que é melhor até deixar correr a doença. Fiquei uns dias à espera de ter febre e nada. Fizemos o teste e deu negativo. Q

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