Entrevista O nutricionista Pedro Carvalho critica os fundamentalistas da alimentação saudável
O nutricionista e professor universitário diz-se farto dos discursos fundamentalistas sobre alimentação saudável, defende que o melhor sumo detox é a sopa e quer pôr fim aos mitos que nos vendem há muito.
Professor na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, o nutricionista Pedro Carvalho é coautor de dois livros, um sobre superalimentos portugueses e outro sobre os cuidados da alimentação em crianças atletas. Escreveu ainda o livro Os mitos que comemos, no qual desmonta ideias erradas sobre alimentação que inundam a Internet.
Os mitos na alimentação são um fenómeno do nosso tempo?
Sempre existiram, como o da laranja à noite faz mal. Mas agora o crescimento das redes sociais potenciou a aglomeração de movimentos perigosos (como os antivacinas) ou apenas sem sentido (demonização do açúcar, dos laticínios, do glúten, etc.).
Quais surgem em consulta?
São muito variados: jejum intermitente, óleo de coco, água com limão e glutamina em jejum, restrição de alimentos com base em
“A comunidade científica tem reticências em rebater nas redes sociais todos estes mitos”
testes de intolerância alimentar sem nenhuma validade científica.
O jejum não funciona?
Não tem mais benefícios para o emagrecimento do que uma dieta “convencional” desde que as calorias sejam iguais. Pode até ter benefícios na melhoria de indicadores como a sensibilidade à insulina, mas longos períodos podem levar a maior perda de massa muscular.
Os mitos podem ser perigosos?
Em pessoas saudáveis, o maior perigo é piorar a relação com a alimentação e provocar restrições desnecessárias que a longo prazo tornam o processo de emagrecimento mais difícil, pois a pessoa já não sabe em que acreditar. Em pessoas com patologia, os mitos podem fazê-las abandonar terapêuticas convencionais por alternativas, por exemplo, o abandono da quimioterapia por homeopatia.
Porque existem? Não há consenso científico?
Consenso científico existe, mas também existem “profissionais” de saúde que se tentam diferenciar dos demais, promovendo práticas alternativas, de modo a captar o interesse de pessoas mais suscetíveis a acreditar em teorias da conspiração. A comunidade científica e académica tem reticências em se expor e rebater nas redes sociais estes mitos. O silêncio cúmplice deu azo a que pseudocientistas ganhassem a
“Já não há paciência para discursos fundamentalistas da alimentação saudável”
notoriedade que deveria ser dos cientistas.
O leite é inflamatório?
O leite só inflama quem é alérgico. Para algumas pessoas já não é um alimento, é uma religião e por isso suscita os ódios habituais que só os ultracrentes conseguem nutrir.
Mas é essencial numa dieta equilibrada?
Essencial não é, como nenhum
“Em pessoas com patologia, os mitos podem fazê-las abandonar terapêuticas convencionais”
alimento o é, pois há sempre forma de compensar esse aporte nutricional com alternativas. Mas é sem dúvida dos mais importantes - mais até que os produtos fermentados como iogurtes e queijo. A qualidade da sua proteína, o teor de cálcio e probióticos são mais difíceis de encontrar noutros alimentos.
E o glúten devia ser eliminado da alimentação?
Só em doentes celíacos. Pessoas com sensibilidade ao glúten ou com patologias inflamatórias intestinais podem reduzir o seu consumo em função dos sintomas, mas não é imperativo eliminá-lo. O glúten não tem nenhum ponto positivo na saúde, é uma proteína pobre em aminoácidos essenciais. Já os alimentos que possuem glúten, como o pão e os cereais, têm pontos positivos no que diz respeito ao teor de fibra, vitaminas do grupo B e minerais, como o magnésio. A sua restrição excessiva pode levar a carências nutricionais.
Há quem defenda a suplementação de vitamina D e C para combater a Covid-19. Concorda?
Qualquer suplementação que corrija um défice nutricional resulta. O défice de vitamina D é mais prevalente do que o de vitamina C. Uma suplementação ligeira (até 4000 UI/dia de vitamina D e até 200 mg/dia de vitamina C) pode ser útil para garantir níveis ideais. Mas temos visto recomendações de megadoses que podem ter efeitos negativos. O ideal é atingir as necessidades nutricionais via alimentação.
Os hidratos de carbono são vilões, porque se podem transformar em açúcar e não devem ser ingeridos após as 18h?
Tudo o que comemos transforma-se em açúcar após a digestão, estejamos a falar de farinha integral ou açúcar branco. Essa é uma das razões pelas quais demonizar o açúcar não faz sentido nenhum. É preciso saber enquadrá-lo, pois proibir o seu consumo só o torna mais apetecível pelos grupos de risco (crianças e obesos). Já não há paciência para discursos fundamentalistas da alimentação saudável. Quanto mais perfeita é a imagem que médicos e nutricionistas tentam transmitir, mais as pessoas se afastam por acharem que nunca vão conseguir ser assim. É certo que uma ingestão maior de hidratos de carbono perto da hora de deitar pode não ser o ideal, mas o ponto-chave é o total de calorias destes hidratos ao longo do dia.
Há pelo menos 35 dietas diferentes. São eficazes?
A melhor dieta é aquela que não tem nome. Tem de ser adaptada aos hábitos e às preferências alimentares de quem a faz, para além do perfil metabólico. A perda de peso depende mais de questões comportamentais do que nutricionais.
Os sumos detox são úteis?
Podem ser uma boa forma de comer fruta e legumes, desde que as quantidades sejam monitorizadas de modo a não serem uma fonte excessiva de açúcar. Portugal tem um excelente “sumo detox”: a sopa, convém que as pessoas não se esqueçam disso.
Quais são os alimentos antioxidantes?
Com cinco porções (cerca de 500-750 g) de fruta e legumes diários inseridos no prato e sopa temos antioxidantes mais do que necessários para diminuirmos o risco de cancro e doenças cardiovasculares, bem como os processos de envelhecimento celular.
Todos devíamos ter um plano alimentar determinado por uma avaliação nutricional?
Nunca foi tão fácil comer bem e nunca foi tão fácil comer tão mal. A diversidade de alimentos e escolhas é muito grande e é um desafio ter prazer na alimentação e ao mesmo tempo manter um peso e nível de massa gorda equilibrados. Qualquer pessoa deveria ter pelo menos uma consulta de nutrição, porque cancro, doenças cardiovasculares e diabetes são as doenças que mais matam no nosso país e todas elas estão ligadas a maus hábitos alimentares. W