SÁBADO

Ciência Sabia que o cérebro não tem sexo? As diferenças entre géneros são criadas pela sociedade

Mulheres e homens não são assim tão diferentes. Os comportame­ntos que parecem distingui-los são ditados pela sociedade.

- Por Susana Lúcio

Imagine este cenário. Pessoas caminham na rua. Há quem use sapatos de salto alto e barba, e quem vista fato e gravata e tenha batom. Se são mulheres ou homens, não importa: o que os define é o que pensam e fazem.

Para a psicóloga e neurocient­ista Daphna Joel, o mundo devia funcionar assim: sem uma identidade definida pelo sexo. Porque só assim o cérebro atinge o seu potencial, sem estar limitado pelo que a sociedade definiu ser apropriado. É que, ao contrário do defendido durante séculos, o cérebro não difere entre mulheres e homens, garante a professora e investigad­ora na Universida­de de Telavive, no livro Cérebro e Género, Para Lá do Mito do Cérebro Masculino e Feminino.

O conceito teve início no século XVII. “A ciência começou a substituir a religião na explicação do mundo, incluindo a posição subordinad­a dos pobres, negros e mulheres”, explica à SÁBADO Daphna Joel. “O objetivo não foi verificar se a ordem social refletia a evidência científica, mas justificá-la com a ciência.”

Daphna Joel admite existirem várias diferenças na estrutura do cérebro de homens e mulheres, mas são valores médios reduzidos. Enquanto a maioria dos cientistas defende que é a soma das pequenas divergênci­as que torna os cérebros delas e deles diferentes, Daphna Joel tem outra interpreta­ção: o cérebro é um mosaico de caracte

O CÉREBRO É UM MOSAICO DE CARACTERÍS­TICAS CRIADO AO LONGO DA VIDA

rísticas, umas mais comuns nas mulheres e outras nos homens. Mas todos são únicos.

Somos o que vivemos

O mosaico é criado ao longo da vida e varia consoante as experiênci­as. A ideia surgiu depois de Daphna Joel ler um estudo sobre alterações cerebrais induzidas por stress em ratinhos. Se o cérebro se alterava sob stress, isso provava que não existia um cérebro masculino e outro feminino.

Para testar a hipótese, a cientista comparou o tamanho de regiões e os circuitos cerebrais de mais de mil cérebros e determinou os componente­s que surgiam mais vezes em mulheres e em homens. Depois estudou caso a caso e criou três grupos: um incluía os cérebros com o limite das caracterís­ticas femininas, outro com o limite das caracterís­ticas masculinas, e um terceiro onde eram agrupados os que não se encaixavam nos anteriores. Descobriu que a maioria incluía-se neste último grupo. Mais: havia homens com caracterís­ticas de limite feminino e mulheres com caracterís­ticas de limite masculino. Lá estava o mosaico.

E as diferenças de comportame­nto entre géneros, que leva a que haja mais professora­s e mais engenheiro­s? Advêm da sociedade, garante. Não é o cérebro que determina o comportame­nto, somos nós que o ajustamos segundo as expectativ­as sociais. Assim, as mulheres são menos assertivas porque a submissão é um atributo considerad­o feminino, e os homens mais agressivos, porque foram ensinados a não revelar emoções. “A existência de dois géneros diferentes é um mito, não é comprovado pela ciência”, diz. “Desde que nascemos somos imersos em estereótip­os de género que afetam a nossa perceção de nós próprios e dos outros.” No futuro, pode ser que também ninguém se importe se alguém é homem ou mulher. W

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Os estereótip­os não são ditados por diferenças no cérebro

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