Pedro Marta Santos
1. AMAR o distanciamento social sobre todas as coisas, mesmo as mais apetitosas como um churrasco à brasileira num quintal de oito metros quadrados ou a vontade de comer spaghetti como a Dama e o Vagabundo.
2. Não invocar em vão o santo nome das cabeleireiras e das esteticistas pois nelas reside o futuro da humanidade, a derrota do buço e o veredicto piloso de muitos matrimónios.
3. Santificar o 25 de Abril e o 1º de Maio e demonizar o 13 de Maio e todos os casamentos que envolvam mais do que quatro pessoas e um padre (de preferência jovem, a respirar saúde e com máscara FFP2).
4. Honrar pai e mãe não estando com eles até ao final de 2022, a não ser de escafandro e através de painéis triplos de acrílico.
5. Não matar ninguém que tome banho em álcool a 70o, use visor e fato cirúrgico ou se abstenha de mandar espirros sísmicos a menos de dois quilómetros (os autores dos homicídios daqueles que infrinjam estas regras serão absolvidos por legítima defesa).
6. Cometer adultério caso a sua esposa ou companheiro aprecie o anúncio com a Marisa, cantarole os temas compostos em confinamento pelo Pedro Abrunhosa ou se comova com uma das baladas tipo Vai Ficar Tudo Bem que os artistas do nacional-cançonetismo têm oferecido ao mundo em roupa interior.
7. Roubar as cervejas aos marmanjões que se acumulam como rebanhos de levedura às portas das mercearias de bairro; furtar as bicicletas, trotinetes e patins em linha aos transeuntes que enxameiam os passeios públicos junto a praias, orlas ribeirinhas e esplanadas panorâmicas como se não houvesse amanhã (se continuam assim, não vai haver).
8. Não levantar falsos testemunhos sobre a confiança exasperante de António Costa, o sentido de Estado de Rui Rio, a equidistância institucional de Ferro Rodrigues e a epidemia neokeynesiana dos economistas.
9. Guardar castidade nos pensamentos sobre a namorada do João Félix, a Soraia do Big Brother, a Georgina a estender roupa, as botas da professora Isa e o belo cabelo cinzento do Filipe Froes.
10. Não cobiçar coisas hoje tão alheias como o mar sereno, as imperiais ao pôr do Sol, os pulos dançantes às quatro da manhã com turbas de alegres irresponsáveis, as sessões de cinema a dois pela meia-noite, os impropérios nos estádios, os calduços aos amigos, os abraços sentidos às amigas, os beijos ternos aos pais, as despedidas condignas aos que morreram e as mãos oferecidas a todos os que nos têm ajudado a (sobre)viver. W