SÁBADO

Carlos Rodrigues Lima

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DE UMA VEZ POR TODAS,

há que acabar com o recurso aos lugares comuns como “as regras são para se cumprir” ou “a lei é igual para todos”. Embora ambos enunciados pretendam apenas vincar o carácter universal das normas, o certo é que, neste quintal, nunca foi, nem será, bem assim. Atreladas às regras surgem sempre as excepções, que acabam por ganhar vida própria, sobrepondo-se ao espírito do criador, que as relegou para segundo plano.

A celebração do Dia do Trabalhado­r é o último exemplo de como uma excepção num decreto presidenci­al (sim, convém recordar que a celebração do 1º de Maio consta do decreto de Marcelo Rebelo de Sousa que prolongou o estado de emergência) virou do avesso a regra do recolhimen­to. É que depois da

CGTP, o governo lá veio dizer que até se poderia abrir uma outra excepção para o 13 de Maio, em Fátima. Não tardará muito até que apareça mais uma “organizaçã­o” a reclamar um estatuto excepciona­l que, com a chegada do verão e do calendário de festas e romarias por esse País fora, corre um sério risco de se tornar a regra. E de nada serve Marcelo Rebelo de Sousa vir a público dizer que, quando autorizou o 1º de Maio, tinha em mente algo mais contido. No fundo, o que o Presidente veio dizer é que foi enganado, à semelhança dos pais a quem o filho pergunta se pode levar dois amigos lá a casa para ver televisão, enquanto os progenitor­es vão ao cinema, mas estes quando chegam encontram uma tremenda rebaldaria.

Isto, no fundo, e não querendo maçar ninguém com conversa de tribunais (sempre maçadoras), é como a lei do segredo de justiça: o Código diz que um processo é público, acrescenta­ndo, “sob pena de nulidade”, isto é, pode ser declarado nulo se não o for. Porém, para contentar toda a gente, o legislador de 2007 colocou tantas excepções à regra geral, que as próprias excepções se tornaram, elas próprias, a regra geral. Outro exemplo: o Código dos Contratos Públicos prevê o concurso como regra geral. Porém – e nisto há sempre uma adversativ­a – há tantas excepções que permitem o ajuste direto ou a consulta direta ao mercado, que o concurso tornou-se numa espécie de último recurso, quando nem o melhor jurista do País consegue amanhar um bom articulado que defenda o ajuste direto ou a consulta direta ao mercado.

Bom, mas nisto de excepções, o panorama continua com o primeiro-ministro, António Costa, a dizer que, independen­temente do que esteja escrito no documento fundamenta­l do País, é para ficar em casa. No fundo, Costa assumiu-se como a própria excepção à Constituiç­ão. Em vez de “eu sou o Estado”, o primeiro-ministro prefere “eu sou a excepção”. Diga-se, em abono da verdade, que esta segunda fórmula parece mais vantajosa. Os danos ao bom senso provocados pela Covid-19 seguiram, entretanto, na direcção do PCP, obrigada por um tribunal a reintegrar um funcionári­o, segundo o Tribunal da Relação de Lisboa, ilegalment­e despedido. Se a decisão fosse contra o Pingo Doce, os comunistas exultariam a mesma, porém, desta vez o Código do Trabalho aplicou-se ao próprio PCP, que se considera... adivinhem lá... uma excepção. Ainda que a lei dos partidos remeta as relações entre estes e os seus funcionári­os (art. 38º) para as “leis gerais do trabalho”, o PCP acha que as suas relações laborais internas estão apenas sujeitas, presume-se, às diretivas do Comité Central. Isto de os trabalhado­res reclamarem em tribunal aplica-se, de acordo com esta doutrina, apenas contra o grande capital.

De tão excepciona­is que somos enquanto povo, não conseguimo­s viver de outra forma, que não em excepção. W

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Subdiretor Carlos Rodrigues Lima
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