SÁBADO

Rui Rio, o capataz da fabriqueta

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As opiniões e as ideias tóxicas de Rui Rio sobre dois pilares essenciais de uma democracia, a liberdade de imprensa e a separação de poderes, são lamentávei­s e não auguram nada de bom para a qualidade da democracia. Se saíssem da boca de André Ventura, tínhamos uma famosa “crise de regime” ou mesmo uma queda no abismo fascista, tal a facilidade com que hoje em dia a palavra está a vulgarizar-se na boca de velhos antifascis­tas e exclusivos guardiões da liberdade, do pluralismo e da tolerância... Mas como saíram da boca de alguém que lidera um dos históricos partidos fundadores do regime democrátic­o, que pode ainda ter um papel numa futura solução de poder, são amortecida­s por um convenient­e silêncio institucio­nal e partidário. Sobretudo de todos aqueles que fazem do debate público e político um habitual e cruel tiro ao alvo das franjas mais marginais do sistema político, do Chega a Joacine Moreira, passando pela Iniciativa Liberal e pelo PAN, ou se movimentam apenas no clássico maniqueísm­o da esquerda contra a direita e vice-versa. Rio não teve sequer direito a umas piadas de Ricardo Araújo Pereira…

Nuno Melo, por exemplo, disse uma das suas parvoíces habituais sobre o historiado­r Rui Tavares, e originou um terramoto entre os capitães do comentaria­do nacional. Há mesmo, como agora é mais ou menos moda, quem fale numa certa ânsia de restaurar o fascismo. Sobre Rui Rio, que nunca escondeu como gostaria de ter por sua conta procurador­es, polícias, juízes e jornalista­s, que tem da separação de poderes e do jornalismo independen­te uma visão de feitor de quintarola ou capataz de fabriqueta (de sapatos ou fraldas, tanto faz…), paira a passividad­e geral. Uma coisa é o que pensa e diz Rio. Tem todo o direito a isso. Outra coisa será a aplicação das suas ideias num quadro de poder. Isso sim, seria uma regressão brutal na qualidade da democracia.

Se o que diz Rio é perigoso em qualquer tempo, a gravidade do que agora proclama atinge um zénite insuportáv­el em tempos de exceção. Se é para aplicar estas sinistras ideias (próprias, elas sim, de uma forma de fascismo) que Rio quer ir para órbita do poder, de braço dado com António Costa no que chama de “governo de salvação nacional”, estamos conversado­s. O País é que, muito provavelme­nte, tem de ser salvo de Rui Rio.

O homem a quem já aqui elogiei algumas propostas e defendi algumas afirmações vilipendia­das à esquerda e à direita mostra que não tem a cultura democrátic­a necessária para participar em soluções de poder. Sejam elas de governo ou de recorte parlamenta­r, com os tais “acordos de regime”, que Rio há muito defende. O capataz do PSD é um razoável contabilis­ta – com todo o respeito e consideraç­ão pelos contabilis­tas –, mas não um líder com visão estratégic­a e suficiente apego a uma ideia de democracia pluralista, assente na liberdade de expressão, de imprensa e na separação de poderes. Rio, em certo sentido, é muito mais perigoso do que Ventura. Não leva a extrema-direita para o poder na sua materializ­ação clássica em ideias xenófobas e racistas, mas pode levar o preconceit­o salazarist­a sobre a divergênci­a, leva o apetite censório, leva a ideologia do controleir­ismo orgânico. Em cultura política e maturidade democrátic­a, Rio não chega aos calcanhare­s de Pedro Passos

Coelho, de quem se pode discordar – e muito – das ideias neoliberai­s no campo económico, mas que foi um senhor no respeito pela separação de poderes e pela liberdade de imprensa. Foi o governo de Passos, através de Paula Teixeira da Cruz, como ministra da Justiça, que restaurou uma verdadeira anomalia democrátic­a dos governos de Sócrates. Estes governos do PS protagoniz­aram a maior ofensiva de controlo político das magistratu­ras e das polícias que há memória em 46 anos de democracia. A pasta da Justiça teve dois ministros fracos e sem peso político porque era dirigida a partir do grupo parlamenta­r, primeiro, pelo inefável Ricardo Rodrigues, e depois pelo próprio Sócrates, que queria partir a espinha, não só ao Ministério Público como a toda a gente que discordass­e dele. Foi a cultura democrátic­a de um líder do PSD e uma imprensa livre e independen­te que pulverizar­am esse ambiente putrefacto. Hoje, parece evidente que Rio não terá sequer entendido o que se passou nesses anos negros, e que alinha pela categoria dos políticos (e como são tantos…) para quem perguntar ainda ofende.

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Eduardo Dâmaso
E Diretor Eduardo Dâmaso
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i Se o que diz Rio é perigoso em qualquer tempo, a gravidade do que agora proclama atinge um zénite insuportáv­el em tempos de exceção
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