Aprender matéria: sim ou não?
Dois pedagogos descrevem o que o seu filho deve obter com o ensino
online 1.º ciclo
“O objetivo não devia ser o cumprimento do programa, mas a manutenção da ligação entre o miúdo e a escola, os professores e os colegas”, diz o psicólogo José Morgado, do ISPA. “Eles têm muito tempo para recuperar as aprendizagens.” Devem aproveitar as videochamadas para dizerem o que estão a sentir.
2.º e 3.º ciclos
h A antiga secretária de Estado da Educação, Ana Benavente, sempre foi mais adepta de deixar para a escola as aprendizagens formais e para casa a reflexão sobre o mundo ou a participação nas atividades domésticas. “À escola o que é da escola”, diz a antiga governante. Mas e agora que a casa se tornou na escola? Os mais de 6 mil inquéritos online respondidos à equipa de Ana Benavente, Paulo Peixoto e Rui Machado Gomes, no Observatório de Educação e Formação, têm apontado para inúmeras desigualdades neste “empurrar para casa”, como define à SÁBADO a investigadora. Uma delas é o contexto. “Supõe-se que toda a gente tem uma casa, cada um com o seu quarto e que pode estar no seu horário a fazer os trabalhos. Não é assim que as coisas se passam”, refere Ana Benavente. “As pessoas, sobretudo na cidade, vivem em casas muito pequenas. E já há muitas mães a desistirem por cansaço, porque conciliar dois filhos com teletrabalho se está a tornar insuportável”, conclui.
Mais dois dados dos inquéritos do observatório: “41% dos pais envolveram-se mais no estudo dos filhos do que se envolviam anteriormente”, destaca Rui Machado Gomes. “Mas, no caso dos funcionários públicos, esse envolvimento fortíssimo foi pago com enorme stress”.
E são novamente as mães quem mais tem assumido esse papel. “O que cria outras desigualdades”, diz Ana Benavente: “Há mães que conseguem apoiar os filhos na escolaridade do 2º e do 3º ciclo, outras que não, porque não têm escolaridade nem conhecimentos.”
Todavia, outras não têm tempo. Alana, de 7 anos, passa a semana com os avós. Os pais, que têm uma loja de informática, estão sobrecarregados com pedidos de reparação de computadores antigos, e chegam a casa depois das 22h. Alana tem saudades da escola e perdeu parte do interesse e da motivação para aprender. Só faz as fichas enviadas pela professora ao fim
Alana passa os dias com os avós, vê a telescola, mas só consegue fazer as fichas da escola com os pais, ao fim de semana
CANSADA, A PROFESSORA VAI DEIXAR A PROFISSÃO: NÃO É JUSTO QUE NEM TODOS OS ALUNOS ESTEJAM A ASSISTIR ÀS AULAS
de semana, quando estão em casa. Acorda para assistir às emissões do Estudo em Casa, na RTP Memória. Até à hora de almoço não há telemóvel, mas depois distrai-se com conversas no grupo de WhatsApp com os colegas ou a jogar com eles.
Quando as fichas são enviadas para a professora, a correção demora duas semanas. “Nas aulas ela podia tirar dúvidas na hora. Agora [quando chega], ela já se esqueceu do exercício”, diz a mãe Elisangêla, que já tentou corrigir, mas “o método de ensino é diferente e, apesar de o resultado ser idêntico, ela diz que não é assim que a professora ensina.”
Mais uma evidência: as escolas não estavam preparadas para fazerem esta transição. “Temos uma escola muito tradicional, como no século XIX, com pedagogia expositiva, onde se ensina a todos ao mesmo tempo a mesma coisa”, considera Ana Benavente. “O que se procurou foi fazer uma má imitação de escola”, completa.
O antigo secretário de Estado e ministro da Educação, Roberto Carneiro (80/81 e 87/91, respetivamente), tem esta perspetiva e defende mudanças. Num artigo de opinião escrito a pedido da SÁBADO (publicado na íntegra no site), diz que o desafio do coronavírus na Educação impõe “um novo contrato social (...). Ora, o que se verifica é, tão-só, grosso modo, uma transposição das aulas presenciais em sala de aula para aulas à distância na sala de jantar das famílias, esperando que os pais atuem como ajudantes dos professores na receção e exploração das aulas por estes ministradas, através de programas informáticos importados apressadamente. Ora, nem os jovens alunos querem reproduzir em suas casas o modelo escolar, nem o papel educador dos pais se pode confundir com ministrar instrução, que apenas
surgiam no ecrã – é uma função que não consigo desligar”, descreve uma professora de Geografia à SÁBADO. Um pai chegou a fazer queixa dela: “Foi logo na aula-teste, para verificar se os alunos estavam a ouvir-me e a receber a informação em Power Point que tinha preparado”, conta. A professora, que pediu anonimato, conseguia ver e ouvi-los. Mas eles não a ouviam e estava a comunicar pelo chat.
Perguntou-lhes se tinham dúvidas sobre as fichas ou o trabalho que lhes enviara e se precisavam de falar de alguma matéria em específico. O tal pai – que sem o seu conhecimento assistia à aula – escreveu uma queixa à direção da escola, referindo que as perguntas da docente indicavam que não se tinha preparado. Enviou também fotografias do diálogo com os alunos. E queixou-se ainda de outra professora que tinha pedido aos alunos para ligarem a câmara para que os pudesse ver. O diretor da escola considerou esta intromissão uma violação da privacidade da professora e dos alunos e fez uma queixa à Escola Segura, as equipas da PSP afetas às escolas. h Esta professora de Geografia não concorda com a situação que lhe foi imposta. “Sou obrigada a dar aulas com o meu equipamento, a gastar eletricidade, dados de Internet. Se não o fizer instauram-me um processo disciplinar.”
Entretanto, continua a dar aulas sem a câmara e o microfone a funcionarem. “O meu computador é antigo, devido a cortes salariais nos últimos anos não consegui substitui-lo. Mas também ninguém se ofereceu para me emprestar outro.” Ruy Ventura e a mulher, ambos docentes, já viram os computadores em casa bloquearem por causa dos sistemas informáticos adotados pela escola. “E somos nós, professores, que não conseguimos dar a aula por videoconferência. Aos alunos, as escolas ainda acautelaram se tinham ou não computador. Com os professores partiu-se do princípio de que todos ti
TECNOLOGIA OBSOLETA
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