SÁBADO

Colocação

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car com eles”, explica. “Partiu-se da ficção de que todos teriam acesso fácil a esses recursos”, aponta Rui Machado Gomes, professor catedrátic­o em Coimbra. A realidade tem provado que nem todos têm.

São este e outros Vales da Amoreira que levam os investigad­ores da área da Educação a temer que este modelo de ensino remoto aprofunde as desigualda­des na aprendizag­em. “Houve mês e meio ou quase dois de perda destes alunos por comparação com os outros. São os grupos sociais com menos recursos económicos, culturais e escolares. E é entre eles que os índices de insucesso e abandono escolar são muitíssimo superiores”, diz Rui Machado Gomes.

Em Viseu, Rui Cardoso está preocupado com um aluno do seu 3º ano: vive sozinho com um irmão e o pai, analfabeto, e não tem acesso à Internet. Vai à escola buscar os exercícios e o miúdo tira dúvidas por telefone. Mas o docente está com receio de que haja um “retrocesso”: “A capacidade que ele tinha para ler, está a perder-se.” E, a meio do período, ainda há alunos sem aulas, nem trabalhos passados por email. Nada. Na escola profission­al onde Daniel Maia está a terminar o curso de empregado de mesa, há duas velocidade­s: os alunos dos cursos sob a tutela do Ministério da Educação estão a receber formação online. Os que são da responsabi­lidade do Ministério do Trabalho e Segurança Social, não. É o caso deste finalista de 22 anos que, nesta fase, deveria estar a acumular o estágio num restaurant­e (que também está parado por razões de segurança) com as aulas. h Também há muitas velocidade­s no modo como serão as avaliações finais. Se houve escolas que logo no fim do 2º período definiram que o ano estava feito e que não haveria mais notas, outras continuam a dar nova matéria e a fazer testes. E outras

Um 8.º ano de Paulo Guinote não tinha Geografia desde o início do ano letivo. Agora, como as aulas são remotas, um professor do Porto aceitou a vaga

AVALIAÇÕES

HÁ ESCOLAS COM TESTES, NOUTRAS AVALIA-SE MAIS “O EMPENHO QUE O DESEMPENHO”

ainda não sabem e estão esta semana a decidir se há “nota final pré-Covid ou pós-Covid”.

Há diferentes diretivas. “As nacionais referem teoricamen­te que é para haver avaliação e as locais, onde muitas escolas têm colocado o ónus no trabalho do professor. Temos de registar todos os momentos em que contactamo­s com ele e eles nos dão algum retorno”, descreve Paulo Guinote.

A ideia é “manter a atividade, mas não os prejudicar” e agravar o insucesso. Nessa perspetiva de “privilegia­r mais a manutenção do laço do que estar a avaliar”, diz o professor, “não me choca que existam colegas que coloquem que os alunos fizeram mais contactos do que fizeram. É como antigament­e: ‘Tens 5% por teres escrito o nome’”.

André Pestana, do STOP, aponta o dedo ao Ministério da Educação: “Como é que a tutela não criou uma diretriz única para todo o País? Isto devia estar minimament­e tabelado.” Em Viseu, o filho de Rui Cardoso, no 7º ano, tem testes de escolha múltipla no Google Forms – mas o pai, que é professor do 1º ciclo, está a avaliar mais o “empenho do que o desempenho”.

Quando recebem os trabalhos ou realizam testes online, os docentes têm-se deparado com outro desafio: são mesmo os alunos que estão a elaborá-los ou a responder sozinhos às perguntas? “Não é num período que vão aparecer trabalhos fantástico­s e vou alterar a ideia do meu aluno”, diz Paula Brighton. Mas a realidade é que “estão a aparecer trabalhos fantástico­s que não são feitos pelos meus alunos”. Depois de um ano e meio com eles, a professora de Educação Visual sabe bem o que cada um é capaz de fazer.

h Por estar no 11º ano e ter dois exames, João é, entre os quatro filhos, o que mais preocupa Paula Brighton: “Não sente estabilida­de em relação ao que se vai passar com ele. Terá de prestar provas a Geometria Descritiva (tem média de 20 valores) e a Físico-Química – já tinha explicaçõe­s da disciplina, mas agora Q

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João Jaime Pires dirige a Escola Secundária Camões, onde o conselho pedagógico alertou para o erro que é transpôr o ensino presencial tal e qual existia para o digital
j João Jaime Pires dirige a Escola Secundária Camões, onde o conselho pedagógico alertou para o erro que é transpôr o ensino presencial tal e qual existia para o digital

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