SÁBADO

Frases e estilo

Deixamos alguns exemplos do tom literário da autora

-

lheres escrevem de forma diferente tem aqui uma boa amostra. Se a deputada do PS perde tempo com a decoração dos espaços, quando o assunto é parque automóvel despacha-o a grande velocidade: “Mais de uma dúzia e meia de carros de gamas variadas” (AVODC, p. 67). Com André Ventura era fartar vilanagem de pénis e mamas. Aqui, 255 páginas de AVODC + 246 páginas de NVSENS e, de pénis, nada. Quanto a mamas, poucas – e sempre com outros nomes: seios, peitos, bustos e até “globos insuflados”. Veja-se esta passagem em NVSENS (p. 34): “Um busto que já não precisaria de nenhum auxílio para se fazer evidente.” Ventura teria despachado o assunto com um “mamas grandes”. Em Cláudia Cruz Santos apanhámos uns “mamilos endurecido­s”, uma “boca suculenta”, umas “cuequinhas minúsculas que tapam a púbis” e uma “boca de lábios grossos que fazem lembrar framboesas”, e pouco mais (mas isso não é um defeito).

A bicharada feminina

Em AVODC – um romance no qual Cláudia Cruz Santos se liberta e por isso revela as lacunas literárias – notámos a obsessão das mulheres como metáforas de animais. Temos a mulher-cobra: “[Manuela] estava a despir uma pele velha” (p. 27). Ou a mulher-urso: “Leonor tinha adquirido a capacidade de hibernar” (30). A mulher-pardal: “Alice, que parece um passarinho de asas partidas” (43). A mulher-gato: “Com movimentos sinuosos de gata (…) miado de gatinha (…) arfar de gatinho molhado” (49, 160 e 218). A mulher-chita: “A língua pequena e rosada, de felina” (55). A mulher-cobra outra vez: “Continua a ondular [no varão do bar de alterne] como a serpente no paraíso” (72). A mulher-leoa: “Naquele seu jeito de grande felina” (82).

“O problema do Processo Penal é que está mais para melão do que para maçã, e por isso nunca é fácil de saber o que tem dentro antes de partir, de se abrir morder.” e de se

(Nenhuma verdade se escreve no singular,

“Trocámos umas palavras de circunstân­cia, mais vazias do que cascas de no fim beira-mar.” de um almoço à

E ainda a mulher-galinha: “As mulheres podem transacion­ar-se todos os dias [prostituiç­ão] e desde que não fiquem muito estragadas são como as galinhas dos ovos de ouro” (p. 85). A mulher-leão: “Carmen está no topo da cadeia alimentar (…) mexe-se como um predador na savana” (156 e 183). E finalmente, a mulher-papagaio-peixinho-macaco: “Ela desejaria tornar-se um furacão que arrancasse do chão aquele tubo em aço [varão de striptease] que é o símbolo da sua sujeição,

HÁ “ALICE, QUE PARECE UM PASSARINHO DE ASAS PARTIDAS”, E MULHERES FELINAS, PAPAGAIO, PEIXINHO OU MACACO

a gaiola do papagaio, o aquário do peixinho encarnado, a jaula do macaco” (189). De notar que já em NVSENS tínhamos apanhado uma mulher-canário: “O quadro onde estava desenhada aquela mulher engaiolada” (236).

Homens: canalhas e promíscuos

Com os homens é já outra coisa. Parece haver nos livros uma misandria escondida. Numa autora em cujos Agradecime­ntos “à família” estão enumerados o filho Felipe, mais os pais, o irmão, a sobrinha, a avó e a tia (e mais ninguém em particular), e cuja declaração de interesses do Parlamento indica ser solteira, é curioso que as suas personagen­s masculinas sejam quase todas canalhas, promíscuos, adúlteros, bandidos, criminosos, traficante­s (de droga e de mulheres), abusadores, vigaristas, burlões e imbecis que um dia acordam, saem de casa e abandonam a mulher. Como se lê em AVODC, “[as mulheres] eram na verdade coisas que tinham corpo, serviam para experiment­ar, usar, exibir ou destruir” (p. 75).

Isto deixa-nos personagen­s femininas quase todas sozinhas, magoadas, injustiçad­as, violentada­s, traumatiza­das, revoltadas ou mães solteiras. Não será por acaso que em AVODC uma das personagen­s-chave seja Carolina, que ganha a vida a chantagear homens casados adúlteros – uma personagem que parece claramente inspirada (até fisicament­e são muito parecidas) em Lisbeth Salander, a hacker misteriosa de cabelo curto do livro/filme Os homens que odeiam mulheres. Se é esta a justiceira que vai liderar o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, tenham cuidado todos os agentes do futebol que não usam cuequinhas minúsculas para tapar a púbis. W

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal