SÁBADO

Liu Zhenmin

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Ex-vice-ministro das Finanças e consultor do Banco Mundial, dirige a UNIDO (Organizaçã­o para o Desenvolvi­mento Industrial). É membro do Partido Comunista, como os colegas

Em março, com o mundo a mergulhar na pandemia de Covid-19, a China esteve à beira de conseguir conquistar discretame­nte a quinta liderança de mais uma agência especializ­ada da ONU, a somar às quatro (em 15) já tuteladas por chineses. Se a obtivesse, teria cidadãos seus à frente de um terço da máquina da ONU. E tinha boas perspetiva­s: levava um ano de campanha e o resto do mundo estava dividido em nove candidatur­as, o que reforçava as hipóteses da chinesa Wang Binying.

Soaram campainhas de alarme em Washington. Em janeiro, nada menos que Mark Lambert, o antigo enviado especial dos EUA à Coreia do Norte, recebeu uma nova missão, tida como premente: ganhou um novo posto no Departamen­to de Estado, cuja designação é a “integridad­e das instituiçõ­es multilater­ais”. Traduzindo: travar o enorme ascendente que a China está a criar na ONU e em instituiçõ­es internacio­nais e para o qual os EUA acordaram à última hora. Lambert e uma equipa de diplomatas americanos voaram em março para Genebra, onde fica a sede da OMPI (Organizaçã­o Mundial para Propriedad­e Intelectua­l), nos dias da votação, para trabalhar nos bastidores. Os americanos foram unindo o campo ocidental em torno do candidato de Singapura, Daren Tang, que a 4 de março foi eleito com 55 votos contra os 28 de Binying. Uma “derrota colossal” chinesa, aponta uma fonte diplomátic­a.

Foi um suspiro de alívio. Em novembro, James Pooley, ex-subdiretor da OMPI, tinha deixado um aviso na Foreign Policy sobre as ambições chinesas na OMPI: “Porque haveríamos de pôr a raposa a guardar o galinheiro?” É da OMPI a guarda internacio­nal de 250 mil patentes e a China tem foi nomeado em 2017 como subsecretá­rio-geral da ONU por António Guterres, para a importante pasta dos Assuntos Económicos e Sociais

OS EUA MANDARAM UM ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA PARA TRAVAR A QUINTA CONQUISTA CHINESA

sido visada em múltiplos relatórios internacio­nais por espionagem industrial, roubo de tecnologia e propriedad­e intelectua­l. Só o FBI tem atualmente mais de 1.000 investigaç­ões a decorrer contra a China nesta área.

Mas o alívio está longe de ser só esse. O que mais pesou na urgência de travar mais uma liderança chinesa foi a simples matemática do multilater­alismo. Nenhum outro membro do conselho de segurança tem a presidênci­a de mais do que uma agência especializ­ada da ONU. E nenhum acumula tantos nacionais em cargos de direção em várias delas (ver infografia). E, mais do que isso, nenhum outro mostra ambição para continuar a expandir a influência por esta via. A convicção nos meios diplomátic­os é que a China continuará a ir a jogo, em força, a cada nova eleição. Já em 2021, há cinco eleições para agências da ONU.

Uma lição humilhante

Em 2019, os EUA apanharam o primeiro susto. Frank Ching, observador de questões chinesas sediado em Hong Kong, escreveu que os EUA só acordaram para o que se passava com a dura “lição” da conquista da FAO (Organizaçã­o para a Alimentaçã­o e Agricultur­a) pela China: “Quando Washington se opôs ao candidato chinês, os Estados Unidos estavam tão mal preparados que o candidato que apoiaram, da Geórgia, perdeu numa embaraçosa votação de 108 para 12.” Em junho, Qu Dongyu, vice-ministro chinês da Agricultur­a e Assuntos Rurais, recebeu esses 108 votos, tornando-se o quarto chinês na linha da frente.

Antes dele, já Fang Liu liderava a Organizaçã­o da Aviação Civil Internacio­nal (OACI), Li Yong a Organizaçã­o das Nações Unidas para o Desenvolvi­mento Industrial (UNI

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