Distância
são distribuídos pelos oito. Isabel não nega a ansiedade: “Depois de uma semana de aulas à distância e teletrabalho, os miúdos a gerirem emoções entre o reencontro com os tios e dois estranhos em casa [repórter fotográfico e jornalista da SÁBADO], sinto-me cansada e em piloto automático.”
Quando as máscaras ficam de lado, durante a refeição, Inês tenta interagir com os tios. “O sorriso é a primeira forma de interação social de um bebé, a par do choro”, diz a mãe, que não sai de casa desde a pandemia – exceção para reciclar o lixo, cujos contentores estão a escassos metros de casa. Faz as compras de supermercado online e mantém a atividade profissional pela mesma via. Acumula o papel de dona de casa, porque a empregada já é idosa e parte da família temeu que ela continuasse a trabalhar. Tão depressa nada disto vai mudar, tão-pouco Isabel tenciona pôr os mais novos na creche a partir de 18 de maio. E questiona: “Até que ponto devemos sacrificar os bebés pelo teletrabalho ou excesso de tarefas domésticas? Os meus são privilegiados porque podem interagir com os irmãos.”
Gerir tal rotina é difícil, avalia a presidente da associação portuguesa de famílias numerosas (APFN, a qual tem Isabel como associada). Rita Mendes Correia sublinha a importância da presença física, mas com cautelas: “Temos sentido que as famílias têm capacidade de reinventar os relacionamentos familiares. O reencontro vai ser marcado por uma alegria da presença mais significativa.”
Cumprimento com os pés
Na moradia em Oeiras, onde vivem Joana Serrão (39 anos), o marido Luís Pardal (42) e as duas filhas Margarida (13) e Carolina (9), aguarda-se com entusiasmo pela É para manter e privilegiar reencontros familiares ao ar livre, diz o médico de saúde pública Lúcio Meneses de Almeida
JOANA INSTITUIU A SAUDAÇÃO COM OS PÉS: “TOSSIMOS E ESPIRRAMOS PARA O ANTEBRAÇO”
chegada dos convidados ao início da tarde de sábado, dia 9. Vêm aí os primos de Joana. Ao 58º dia de confinamento desta família, é a primeira vez que recebem visitas em casa devido à chuva – tem acontecido socializarem à distância, no portão do jardim.
Rita Serrão e Nuno Serra aparecem às 12h30 e o cumprimento faz-se com os pés. Ideia da anfitriã, professora de robótica e com uma empresa de animação de eventos para crianças. Instituiu a regra dos pés porque é contra a saudação pelos cotovelos: “Tossimos e espirramos para o antebraço. Não me parece correto usá-lo no cumprimento. Batemos pé com pé. Preferimos criar regras pelo prazer de estarmos juntos.”
Quebrado o gelo, os convidados descalçam-se. Rita traz pantufas de casa, Nuno uns ténis lavados. Segue-se a desinfeção das mãos com álcool-gel, num dos seis Q
Q espalhados pela vivenda. A descompressão está para breve, já que os convidados trouxeram vinho tinto. Luís prepara gin e petiscam-se entradas de queijos, tostas e azeitonas. A regra (mais uma) para a refeição é a seguinte: quem está mais perto de determinada travessa serve-se e aos restantes. Pelas 13h, Joana distribui as batatas fritas com chouriço, o marido o vinho, a prima a salada, o primo as empadas caseiras. A sobremesa de crepes com gelado vem empratada da cozinha.
No mesmo dia, às 14h, Francisca (15 anos), António (11) e Vasco (3) preparam-se para almoçar com os avós maternos na Figueira da Foz. Descalços e com as mãos desinfetadas, os netos vindos de Lisboa abraçam os familiares na tão aguardada visita de fim de semana. Não se veem desde o Carnaval e comemoram o reencontro com comida de tacho a fumegar (frango estufado com arroz). Maria João Pisco, mãe divorciada de 44 anos, reforça: “Fazem comidas aos netos que eu não sou capaz. Costumo fazer coisas de forno, por exemplo, salmão com batatas.”
A refeição culmina com um gelado que eles adoram da Ben & Jerry, de manteiga de amendoim. Há mais doces à espera. “O meu irmão fez anos no fim de semana da Páscoa e congelaram um pedaço de bolo que comemos e um folar”, continua a farmacêutica.
Mães de três gerações
A bisavó Meunas (78 anos), a avó Cristiane Coutinho (56) e a mãe Clara (33) festejam no apartamento em Cascais o Dia da Mãe no Brasil. Maria Valentina, de 1 ano e 3 meses, dá os primeiros passos na sala.
Naturais do Paraná, recordam as origens à mesa do almoço de domingo (dia 10), com mandioca misturada no bacalhau com natas e queijo. Receita inventada por Cristiane. A matriarca Meunas preparou o soufflé de brócolos e fala das saudades de casa: era para ter regressado em março, mas teve de adiar o voo de longo curso para data incerta, devido à crise sanitária. Adoeceu com dengue há três anos, ainda asfrascos
OS AVÓS VIEIRA BRINDAM COM OS NETOS À DISTÂNCIA: OS COPOS NÃO TOCAM, MAS A INTENÇÃO ESTÁ LÁ
sim não teme voltar. “Se ela lá ficasse sozinha em casa, teria de pôr câmara em todo o lado. Se entra ladrão…”, alerta Cristiane. Jair Bolsonaro também vem à conversa – e divide posições. Mas a sobremesa de banana com leite condensado, chocolate, passas e bolacha atenua os ânimos. Meunas e a neta Clara terminam a fazer uma coreografia para a plataforma de vídeos Tik Tok. “Ai eu não sei fazer isso”, diz a anciã, que desiste às gargalhadas.
Quanto à mesa dos avós Vieira (Alicínia e João), no Cadaval, é farta de entradas. Há presunto de porco preto, paio de porco preto, queijo da serra da Estrela. Para prato principal do jantar de domingo (dia 10) vem o típico bacalhau com natas. O brinde faz-se sem tocar nos copos, para não se aproximarem. “Estes são os meus sogros”, apresenta Sandra Pinteus, 47 anos, produtora de moda.
Maria Flor, 4 anos, e João, 9, há muito que aguardavam pelo reencontro com os avós paternos. “Parecia que não nos víamos há um ano, foi muito caloroso”, conta Sandra. Depois das lavagens de mãos e afins (sapatos à entrada), lá se sentam à mesa. W