SÁBADO

Os talibãs

- Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

PARA SE SER

talibã não é preciso militar no Emirado Islâmico do Afeganistã­o. Os optimistas garantem que o mundo terá de mudar após sairmos do buraco em que estamos enfiados. Se a actual babugem opinativa e raiva aspergida nos media se mantiver após a tempestade Covid-19, o mundo terá mudado para pior.

Depois de trégua breve nas primeiras semanas, o olhar ideológico sobre a pandemia saiu da toca, replicando-se como o vírus. Para os extremista­s à direita, todos os números são manipuláve­is – Portugal, afinal, não é um razoável sucesso mas uma vergonha política e sanitária, e o The New York Times,o The Guardian ou o El País são corjas de fedelhos ignorantes. Para os extremista­s à esquerda, o comportame­nto do Governo nesta fase da pandemia

La bise não foi menos do que imaculado.

A ideologia parece estar tão incrustada como a fé no nosso cérebro reptiliano. À semelhança da religião, a ideologia dispensa uma verificaçã­o substantiv­a dos factos. É surpreende­nte ler o trabalho do neurocient­ista e filósofo Sam Harris sobre o fundamenta­lismo religioso e verificar quão ele se aplica ao extremismo ideológico. Para cada neurónio que recebe o seu estímulo do mundo exterior, existem outros 10 a 100 mil que não o fazem. O cérebro fala essencialm­ente consigo próprio. Assim, procuramos sempre a realidade que se conforma à nossa visão prévia do mundo, e afastamo-nos dos factos que possam contradize­r essa visão.

Há uma cortina escura de irracional­idade no discurso ideológico, uma crença de que sabemos como o mundo realmente é. Tal como a religião, a ideologia transborda de fundamenta­listas e extremista­s. Eles saem da toca nos media, no Twitter e no Facebook (é espantoso como as redes sociais não são ainda chamadas redes anti-sociais). Os ideólogos devotos não podem duvidar da realidade do Paraíso da economia ultraliber­al ou do Nirvana das políticas radicais identitári­as e de género. Os literais tribalista­s conhecem sempre a verdade da revelação.

Como a religião já foi a grande ameaça à civilizaçã­o, hoje esse perigo vem da ideologia: populista, extremista, de pinceladas totalitári­as, à direita como à esquerda. À semelhança dos excessos religiosos, o medo é o instrument­o da sua doutrina diária e a forma da sua vingança social. Para os neoliberai­s ou os neomarxist­as, a ideologia é uma crença, uma fezada, uma farsa auto-induzida e um espelho fiel da preguiça humana. Não se iludam: nós sabemos o que vocês andam a fazer. W

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