UM CASACO DE SONHO
100% Camurça seria uma comédia, não fosse sobre um homem trágico, em delírio amoroso com um blusão “de arrasar”. Estreia a 14 de maio no Filmin, plataformas VOD e videoclubes da televisão.
É o novo filme de um autor singular, que manipula histórias simples, transformando-as em pedaços delirantes de terror
de 100% Camurça, filme de abertura no último Festival de Cannes, é repetida a meio desta pequena e inqualificável obra francesa, que começa enigmática, passa por filosófico, roça o nonsense e resvala no gore: uma fila de jovens atira uma série de impermeáveis para dentro do porta-bagagens de um carro, dizendo: “Prometo não voltar a usar um casaco na vida.”
Só da segunda vez se perceberá o contexto. Entretanto, vemos Georges (Jean Dujardin, vencedor do Óscar de Melhor Ator por O Artista, de 2012), sozinho em viagem com destino a uma casa remota onde compra, em segunda mão – a preço milionário, previamente combinado, mas tão inflacionado que o próprio vendedor se sente impelido a acrescentar-lhe o brinde de uma câmara de filmar há anos sem préstimo –, o casaco dos seus sonhos, com franjas e 100% em pele de camurça.
Sabe-se depois que Georges, que em pouco tempo se revela um aldrabão destituído de empatia, acometido de uma vaidade egomaníaca, acabou de se separar da mulher e tem a conta bancária congelada.
Portanto, a sua “riqueza”, ao chegar à vilória francesa nas montanhas onde decorre a ação, resume-se ao que tem: além do carro que o transportou, o casaco e a câmara são as suas companhias (e inspirações) do momento.
Num impulso, no bar da terra, diz-se cineasta… e faz amizade com a empregada, Denise, aspirante a uma carreira em montagem cinematográfica – interpretada por Adèle Haenel, o objeto de desenho do belo Retrato da Rapariga em Chamas e a atriz que abandonou a sala com estardalhaço na cerimónia dos prémios César, que consagraram Roman Polanski, gritando ironicamente: “Viva a pedofilia!”
A sua presença funciona como apontamento de frescura e ligação à realidade, numa obra de ambiente algo soturno, apesar do tom de comédia. É, na verdade, o absurdo no seu esplendor, território de eleição do seu realizador e argumentista, Quentin Dupieux (também conhecido por Mr. Oizo na qualidade de DJ, produtor e compositor de música eletrónica), um autor singular, que manipula histórias simples transformando-as em pedaços delirantes de terror e tem dado que falar em muitos festivais internacionais: foi premiado em Sitges e Toronto com Rubber – Pneu (de 2010) e em Ghent com Réalité, de 2014, sendo também presença assídua em Sundance, onde estreou Wrong, de 2012, e Steak, de 2007. W
DE QUENTIN DUPIEUX Fra. • Comédia, terror • 77m Com Jean Dujardin, Adèle Haenel, Albert Delpy