JOSÉ PACHECO PEREIRA
O parlamento é, regra geral, e em particular nos grandes partidos, pelo processo de escolha de deputados, muito mau. O partido no poder precisa urgentemente de um acordo que renove a “geringonça”. O PSD meteu-se numa via perigosa com o namoro ao Chega
A pastosidade
Vivemos numa pasta noticiosa. O País não se move, embora partes do mundo estejam a mover-se rapidamente. Os nossos partidos políticos parecem encalhados e os que não o estão são um sinal de grandes problemas. O parlamento é, regra geral, e em particular nos grandes partidos, pelo processo de escolha de deputados, muito mau. Não digo apenas mau, mas muito mau. A sensação de perda de soberania e de autonomia política e a espera do Godot pelos fundos geram uma sensação de impotência e, na actual situação, o faro apurado para estas coisas, traduz impotência em sobrevivência. O partido no poder precisa urgentemente de um acordo que renove a “geringonça” e os parceiros só lho darão por um preço elevado. O PSD meteu-se numa via perigosa com o namoro ao Chega, que o descaracteriza e o divide. O CDS está moribundo, o PCP quase. O BE sobrevive no seu nicho fracturante, mas na prática é pouco mais do que um sindicato dos precários. O Presidente da República continua com a sua logomaquia obsessiva, falando sobre tudo e sobre todos, numa altura em que a única esperança, já ténue, de recuperar algum papel autónomo no meio da pasta política é estar calado e pensar de forma mais lenta.
É isto tudo muito grave? É, e não é. É porque do que precisávamos era direcção e energia, e não é, porque esses produtos escasseiam. Vamos, estamos, no limbo, sem felicidade e cor. W
Pela enésima vez lembrar que comparar a AD a uma aliança PSD-Chega é quase obsceno
E recordar que o CDS de 1979 nada tinha a ver com o Chega e que a AD tinha três grupos, um grande, o PSD, um pequeno e médio, o CDS, e um terceiro pequeno, os reformadores. A questão não era o tamanho, era o significado político de incluir na AD um grupo da esquerda moderada. Todos os que acham ou propõem uma nova AD como uma “frente de direita” deviam ler Sá Carneiro que nunca se cansou, toda a vida, a negá-lo. W
As sociedades não são pacíficas em tempos de miséria (e nalguns casos em tempos de abundância)
O que se está a passar nos EUA com motins violentos em várias cidades tem muitas causas próximas, a mais importante é a violência racista da polícia. Mas as coisas não se ficam por aí. Pode até considerar-se que esses motins são politicamente inconvenientes para a causa do derrube de Trump, que usa muito bem a carta da “lei e da ordem”. Mas qualquer pessoa que conheça a história dos últimos 200 anos no mundo ocidental, em particular nas democracias, sabe que
o conflito social violento é endémico sempre que há um agravamento das diferenciações sociais e da exclusão, e, no mundo mediático dos dias de hoje, quando esse conflito se “vê” rompendo o manto da invisibilidade. A pandemia, com o seu cortejo de disfunções sociais, torna menos aceitável o status quo e dá às pessoas o principal combustível para a revolta: não têm nada a perder. W
De vez em quando os media fazem um bom serviço ao lembrar coisas como as “aldeias Potemkine”
Foi o que fizeram alguns jornais americanos e televisões para designar as “ordens executivas” de Trump. O Príncipe Potemkine, o favorito da Imperatriz Catarina, associou o seu nome à construção de aldeias de fachada para impressionar a imperatriz e os embaixadores estrangeiros, embora a história pareça muito exagerada. No caso de Trump, em vez de uma aldeia portátil é uma cidade inteira, feira de mentiras, abusos do poder, e proclamações vazias. W
Ninguém “explicou” melhor a “fachada” Potemkine do que Larry Kudlow
Se tiverem tempo, falarem inglês e tiverem uma box – bem sei, três “ses” que fazem com que esteja a escrever para uma pequena elite –, vale a pena ouvir a entrevista à CNN de Larry Kudlow, um dos principais consultores económicos de Trump, em que ele mete os pés pelas mãos para “explicar” as medidas inconstitucionais que Trump anunciou. As do Potemkine. Foi penoso ver a atrapalhação, as contradições, os erros e as mentiras para dar conteúdo a uma coisa que não tem nenhum. A jornalista estava incrédula, e as jornalistas da CNN não se caracterizam pela credulidade, tal era a trapalhada, o meter os pés pelas mãos. Dali, no entanto, tiram-se duas coisas úteis: espremem-se as medidas e não sai nada; a outra, a enorme incompetência da actual equipa de Trump a gerir o país mais poderoso do mundo. Tenham medo, tenham muito medo. W