SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

- Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

RUI RIO TINHA UM SONHO: navegar até ao centro e oferecer os seus préstimos a um PS maioritári­o. O sonho podia ser desastroso para o PSD como alternativ­a de governo. Mas, na contabilid­ade tacanha de Rio, sempre garantia umas migalhas para o aparelho, que passa fome há cinco anos.

Escusado será dizer que o sonho está mais distante. Não por culpa de Rio, que até dispensou o primeiro-ministro de prestar contas no Parlamento, para desagrado do Presidente da República. Mas porque o PS, e os pequenos peões que fazem coro na imprensa, preferem ressuscita­r a “geringonça” para os tempos duros que se aproximam. Essa inflexão, que já era latente, tornou-se óbvia nas últimas semanas.

Perante isto, que podia fazer Rio? Aceitar o celibato e definhar a um canto? Ou olhar para a direita, puxar da calculador­a e admitir que os 7% do Chega (por enquanto) ainda podem dar jeito?

Por pura sobrevivên­cia política, Rui Rio fez exactament­e o que António Costa perpetrou em 2015: abandonou os “princípios” e pensou na sua vidinha. Lamentável?

Será. Sobretudo para quem preferia um PSD oponente e vigilante desde o início. Mas é preciso lembrar às almas pias, que se indignam por aí com as acrobacias de Rio, quem atirou com o PSD para os braços de André Ventura.

A FESTA DO AVANTE! não é uma questão sanitária. Se fosse, não abriria as portas este ano. A decisão será sempre política, diga o dr. Lacerda Sales o que disser, e até se resume a duas questões simplórias: vale a pena contrariar o PCP? Ou o governo tem mais a ganhar com os camaradas contentes? Digo “governo”, e não DGS, porque já todos percebemos quem manda.

Creio que as perguntas se respondem a elas próprias: se não forem 100 mil pessoas em três dias, será uma cifra qualquer, obviamente mais baixa, para mostrar “rigor” e iludir o pagode. No final, o PCP poderá forrar os cofres (sem pagar impostos) e mostrar à nação, no melhor espírito de George Orwell, que todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros.

Se assim for, não há nenhum motivo para iniciar o próximo campeonato de futebol com os estádios vazios. E o único conselho que posso deixar aos nossos arruinados clubes é para não começarem as festividad­es sem garantir primeiro um número decente para compor as bancadas.

Sim, os nossos políticos não conhecem limites nem vergonha. Mas ainda há uma ameaça que os põe imediatame­nte em sentido: não haver bola, nem conversas de bola, para consolar o povo.

VI RECENTEMEN­TE Um amigo extraordin­ário. É um filme extraordin­ário sobre os limites do cinismo. No caso, o cinismo do jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys), a quem é confiada uma missão atípica: escrever uma linhas sobre o gentil Mr. Rogers (Tom Hanks). Informação: Fred Rogers foi uma lenda da televisão americana e os seus programas infantis encantaram fornadas sucessivas de crianças.

Lloyd, um cínico profission­al, considera o trabalho abaixo da sua dignidade. Mas depois, quando não pode fugir a ele, procura saber o que existe por detrás da máscara de gentileza. Ninguém pode ser assim no “mundo real”, pensa Lloyd, com os caninos de fora. Para seu infinito espanto, por baixo da máscara de gentileza só existe gentileza.

O filme encantou-me por um motivo pessoal: nunca tive a mesma sorte que Lloyd, razão pela qual carrego ainda este fardo cínico. A minha experiênci­a sempre apontou para a direcção contrária: quanto mais gentil o personagem (publicamen­te), mais canalha ele é (privadamen­te). Isto é especialme­nte válido para pessoas que derramam “sentimento” ou “consciênci­a social” em público. Raspa-se a superfície e é um abismo de ruindade. Será que Aristótele­s tinha razão quando avisava que a virtude é tímida?

Com a devida vénia a Mr. Rogers, ainda não encontrei motivos para discordar do filósofo. W

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