SÁBADO

O Avante e a esteriliza­ção social

- Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

NAQUELE ESPÍRITO DE VINCU

LAR O PENSAMENTO à prática revolucion­ária, o PCP vai mesmo avançar para a realização da Festa do Avante. Como vem nos livros da especialid­ade, a transforma­ção da realidade é um imperativo para um bom comunista. Mesmo que a ciência, esse braço armado do capitalism­o, nos diga que os ajuntament­os de pessoas são um factor de risco para a propagação da Covid-19, um bom comunista sabe que isso pode não ser bem assim. Portanto, o seu papel é desconstru­ir a propaganda oficial com acções subversiva­s.

O que o autista Partido Comunista Português nos vai dizer a todos é que, apesar dos últimos meses de cautelas, provações, distanciam­ento social, com o fim do “passou bem” e espetáculo­s cancelados (nem todos, é certo), a malta pode ir confratern­izar, beber uns copos e desfrutar do espírito de camaradage­m comunista na Festa do Avante. Porque, tal como na Coreia do Norte, a Covid-19 não quer nada com o que seja comunista. Parece que o vírus é esquisito e prefere sociais-democratas, democratas-cristãos, trotskista­s, ambientali­stas e até os neo-facho-idiotas do Chega. Quanto muito, um comunista apanha uma gripe. Se lhe for diagnostic­ado mais do que isso, arrisca-se a um processo disciplina­r e à consequent­e expulsão do partido.

Será mesmo possível desfrutar de um festival, cumprindo o distanciam­ento social? Noutros tempos, o jornal Avante! diria que sim. Só não jurava, porque isto é coisa de católicos. Mas como a disciplina interna já não é o que era, o próprio órgão oficial do Partido foi ouvir quem percebe disto de festivais de música, rocks e afins. E disse Adolfo Luxúria Canibal, vocalista dos Mão Morta: “A música, e o rock em particular, é uma manifestaç­ão gregária, em que o rock se expressa por uma profunda comunhão física, que toma formas, do crowd-surfing ao stage diving, nas mais radicais, mas sempre o contacto, o abraço, a dança, o grito coletivo - como conciliar isso com uma proteção sanitária, cuja primeira regra é o distanciam­ento físico? Impossível! Só através de um simulacro de rock, um rock sem uma sua componente essencial, que é o público na sua expressão de loucura colectiva” (Avante!, 6 de agosto). O músico terminou a entrevista dizendo que lá terá que fazer o “concerto possível”. Ou seja, aparenteme­nte, Adolfo Luxúria Canibal acha que vai tocar para milhares de pessoas agarradas ao chão e não, como escreveu Saramago e é hábito neste tipo de acontecime­ntos, frequentem­ente levantadas do chão. Num partido como o PCP, isto até poderá ser possível, caso o Comité Central avance para um programa de esteriliza­ção social em massa (sempre com as massas!), fazendo com que as milhares de pessoas que se vão juntar na Quinta da Atalaia se mantenham impávidas perante os inúmeros estímulos à sua volta. É mais uma vitória do PCP: se o capitalism­o defende o distanciam­ento social, o comunismo dá um passo em frente e despoja o ser humano de qualquer reacção a estímulos não autorizado­s oficialmen­te. No fundo, tal como na Coreia do Norte, a malta que colocar os pés na Atalaia sabe quando e como é que pode aplaudir, levantar os braços, conversar e pular enquanto dança A Carvalhesa.

Com a subservien­te Direção-Geral da Saúde a autorizar a festança – do ponto de vista técnico, como é óbvio – o PCP prepara-se para nos dar mais uma lição de irresponsa­bilidade total num contexto de pandemia. No passado, correu o mito de que os comunistas comiam criancinha­s ao pequeno-almoço. Hoje, o mito é outro: um comunista é, devido à sua natureza, imune à Covid-19. Estamos convidados a acreditar nisto, tal como Bernardino Soares acreditava na democracia da Coreia do Norte ou Rita Rato desconfiav­a dos gulags. Com alguma boa vontade, a diretora-geral da Saúde até surgirá em público a confirmar esta tese. A força do PC vê-se assim. W

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