NÃO OS PRENDA EM CASA
O melhor é mesmo deixar os seus filhos sair, mas com regras e limites bem definidos, aconselham os especialistas. O segredo está na forma como fala com eles e lhes explica os riscos da Covid.
Era, supostamente, só uma ida à praia com um amigo. E foi nessa condição que Leonor Galvão deixou sair o seu filho mais velho naquela tarde de junho. Mas, na verdade, André, 16 anos, tinha outros planos: ir a uma festa na casa do colega Patrick, onde estariam quase todos os seus amigos – aquela a que a mãe já o tinha proibido. Nesse dia, André saiu à socapa de bicicleta elétrica e pôs-se a caminho.
Acabaria por ser denunciado pela própria irmã, Carolina, que ficou chateada por não ter sido convidada. “Eles têm uma app que dá para ver onde os amigos estão e ela veio mostrar-nos onde o André andava”, conta Leonor Galvão à SÁBADO.A agente de propriedade industrial, de 44 anos, ainda pensou em pôr o filho de castigo, mas reconsiderou. “Percebi que foi um grito de desespero. Nós demorámos mais tempo a desconfinar. Ainda os aguentei em casa em maio, mas chegou uma altura em que se tornou difícil mantê-los ali, enquanto os amigos andavam na rua. Eu percebo, também já tive 16 anos”, diz.
A partir daí, as saídas passaram a ser negociadas e, além disso, Leonor Galvão arranjou um esquema para proteger o resto da família – além de André e Carolina, tem mais quatro crianças, entre as quais um bebé de 4 meses, e o seu marido tem uma doença autoimune e, como tal, é um doente de risco. Os mais velhos ficaram numa espécie de quarentena em casa: André, 16, Carolina, 14 e Martim, 13, passaram a viver no andar de baixo da casa e só tinham contacto com a restante família no jardim. Também usavam a cozinha em horários desfasados.
Um esquema que acabou por durar apenas duas semanas. “Começámos a ter saudades uns dos outros, eles de vez em quando vinham espreitar ao andar de cima e percebemos que não era viável”, conta.
Mantêm, contudo, algumas precauções. Como: “Quem anda na rua não dá beijinhos ao bebé”, não usa a mesma casa de banho e senta-se mais longe na mesa. Mas as refeições são em família e as saídas de casa passaram a ser faladas abertamente.
ANDRÉ, 16 ANOS, SAIU À SOCAPA PARA IR A UMA FESTA. AQUELA A QUE A MÃE JÁ O TINHA PROIBIDO DE IR
“Precisaram de mentir para os deixar sair. A partir do momento em que tivemos uma conversa e os responsabilizei, mudaram de atitude”, admite.
Rebeldes que se adaptam
Sem grandes soluções para socializarem – discotecas e bares estão fechados e o contacto social deve ser reduzido por causa da Covid –, e fartos de estar em casa (ao fim de quase três meses de confinamento), torna-se cada vez mais difícil para os pais manterem os filhos em casa. E talvez não seja saudável continuar a fazê-lo. Podem sair, ainda que com regras e limites bem definidos, aconselham os especialistas.
Tanto no contexto da pandemia, como no de uma (normal) saída à noite, a abordagem é determinante, diz a psicóloga clínica Lisete Gonçalves. “O não é encarado por eles como um desafio. Com os filhos tem sempre de se negociar, dar-lhes autonomia para decidirem, explicando os riscos de cada situação e como se devem proteger”, diz.
Sónia Monteiro gostava que a sua filha, Bruna, de 18 anos, saísse menos vezes e que regressasse mais cedo a casa. “Digo-lhe 23h30, mas chega sempre pela 1h30, 2h da manhã. Preferia que estivesse mais tempo connosco, mas não dá”, diz,
JOANA SABE QUE O FILHO E OS AMIGOS SAEM PARA BARES ABERTOS CLANDESTINAMENTE. NUNCA ESTÁ DESCANSADA
resignada. A própria cidade onde vivem não ajuda. “Viseu está ao rubro, nem parece que existe Covid. Nada de máscaras, nem de distanciamento social”, diz a professora.
Bruna sai sempre com a máscara e o álcool-gel na carteira, mas a mãe não acredita que os use. Também não consegue garantir que não partilha copos com os amigos. “Ela costuma dizer-me: ‘Mãe, eu tenho cuidado, mas nós vamos todos apanhar, não sei porquê tanta histeria’”, conta à SÁBADO. Bruna entrou na faculdade em Coimbra no ano passado e o seu 1º ano acabou por ser atípico. “A pandemia tirou-lhe tudo: os amigos, a liberdade, os abraços. Gostava que fosse mais contida, mas sei que a rebeldia é própria da idade”, diz Sónia.
É verdade que a rebeldia é própria desta faixa etária. “Todos os jovens se sentem invencíveis e acreditam que nada de mal lhes vai acontecer”, diz a psicóloga Magda Gomes Dias, especialista em parentalidade positiva. Bernardo Pacheco, 20 anos, é exemplo disso. Nunca teve grande receio de se infetar. “Sempre me disse: ‘Se apanhar, apanho’”, conta Joana Ferreira de Carvalho. A mãe a tempo inteiro nunca está completamente descansada, até porque já apanhou o filho mais velho (tem mais três, de 9, 5 e 2 anos) a mentir. “Dizem que vão para casa de alguém, mas depois saem para bares abertos clandestinamente. Também sei que há lojas abertas até à 1h da manhã, em que eles batem à porta e compram álcool”, conta.
A mãe preocupa-se com a partilha do cigarro (ele fuma tabaco aquecido) ou dos copos, e até com os namoros de verão. “Noutro dia, quando eu vinha a sair da praia, vi um grupo de jovens todos a beber da mesma garrafa e incomodou-me”, conta.
Apesar de esta idade ser mais atreita ao risco, também é aquela em que há maior capacidade de adaptação, asseguram os especialistas. “É uma fase de plasticidade em que se reinventam facilmente”, diz a psicóloga Lisete Gonçalves. “Se não há discotecas, reúnem-se em casa e veem filmes ou jogam”, exemplifica.
Embora lamente não sair à noite, nem ir almoçar a casa dos amigos, Ester Pedrosa, 13 anos, arranjou novas formas de interagir – o que começou logo no confinamento. “Todos os dias ligava às amigas e até começaram a escrever um livro juntas. Deixou de se queixar e deu a volta por cima. Os adolescentes deram-nos uma lição”, diz a mãe, Paula.
Lisete Gonçalves não estranha que assim seja. “Os jovens adaptaram-se melhor à pandemia do que os adultos. Nós queremos sempre voltar aos sapatos velhos, que são confortáveis. Eles não: arriscam e, para contornar uma dificuldade, passam a fazer coisas diferentes”, diz. W