A economia do lixo
EM 2020, A VERDADE custa os olhos da cara mas as mentiras estão ao preço da chuva. Se procurarmos notícias, reportagens e entrevistas online no New York Times (NYT), no Washington Post, na New York Review of Books ou no Times britânico, necessitamos de assinaturas pagas para acedermos a elas. Caso se queira pesquisar as notícias, reportagens e entrevistas da Fox News, do Daily Wire ou da Breitbart, elas surgem-nos de graça, sem restrições de consulta. Escrever notícias credíveis, investigar informação para reportagens sérias ou entrevistar alguém de forma rigorosa custa uma pequena fortuna. Requer uma equipa de profissionais qualificados, obriga a pagar a jornalistas experientes e talentosos, exige uma constante autovigilância. Escrever inverdades - esse eufemismo contemporâneo para a mentira desbragada - e influenciar agendas políticas ou económicas é muitíssimo mais barato. Como descreve Nathan J. Robinson num artigo obrigatório publicado há dias na revista Current Affairs, que dirige, é a coisa mais fácil do mundo ter livre acesso a um artigo do site Infowars onde se sugere que o National Institutes of Health norte-americano admitiu que os telemóveis 5G podem causar o novo coronavírus. Mas é preciso investir tempo e dinheiro para aceder ao trabalho de investigação do NYT onde se enumeram as razões pelas quais o rastreio do contágio de Covid-19 está a falhar nos EUA.
O modelo económico que prospera no mundo digitalizado prejudica a informação responsável e beneficia a aldrabice instrumental. Os intermediários não ajudam: se quisermos ler o artigo de Richard Epstein na New Yorker menorizando a ameaça pandémica, ele é-nos oferecido pelo Hoover Institute, um think-tank tão inclinado para a direita como um condutor de táxis em Piccaddily. Caso tentemos consultar a entrevista de Isaac Chotiner arrasando na mesma revista o artigo de Epstein, o conteúdo torna-se reservado - é preciso pagar pelo acesso à lucidez. Na Internet, suprema esperança do “livre acesso universal”, o conhecimento está cada vez mais prisioneiro do mercado.
Sem a proteção dos direitos dos autores e das publicações onde escrevem, na ausência de conteúdos pagos, das subscrições que os libertam e de um suporte publicitário, os jornalistas morreriam à fome e a imprensa sucumbiria. Mas a corrente economia digital que beneficia o lixo empurrará os mais pobres a tornarem-se, leitura a leitura, também os mais pobres de espírito. W