Viajar na zona norte da ria de Aveiro, petiscar em Labruge e passar 24 horas em Alcobaça
Na zona norte do vale fluvial, descobrimos um tesouro escondido de riqueza histórica, cultural e natural de encher as medidas – uma pequena viagem por Ovar, Estarreja e Murtosa.
NÃO É A PRIMEIRA OPÇÃO que vem à mente quando se fala de férias prolongadas, ou mesmo de uma escapadinha ligeira. Conhecida pelos seus ovos moles, canais, moliceiros e requintada gastronomia de peixe e marisco, a região da ria de Aveiro é ainda preterida em favor de destinos turísticos mais estabelecidos, e em grande medida frequentada apenas como ponto de paragem a caminho do Porto ou de Coimbra - como, de resto, nos confessam alguns locais com que nos cruzamos.
Não deixa de haver, no entanto, falta de maravilhas a descobrir nesta área tão intimamente ligada ao mar, como averiguámos nesta visita à zona norte da ria, no eixo compreendido entre os municípios de Ovar, Estarreja e Murtosa.
OVAR, MUSEU DO AZULEJO
Um local “fustigado de maneira bastante intensa pela Covid na sua primeira vaga no País”, como reconheceu o seu presidente da câmara, Salvador Silva. Ovar tinha, à altura desta visita, apenas seis casos confirmados, e procura agora reabilitar-se como destino turístico de
Por entre as suas avenidas e ruas estreitas, encontrará em Ovar alguns dos mais bonitos e diversificados azulejos de Portugal
confiança sob o lema “município seguro, centro seguro”.
A cidade pode não ter reputação de património turístico, mas é difícil não ficar rendido ao seu charmoso centro histórico e à cor vibrante dos seus prédios baixos e ruas pitorescas. Os azulejos, como não poderia deixar de ser, avistam-se em todas as direções e com as mais diversas formas, cores e técnicas, ou não tivesse Ovar a denominação de “cidade-museu vivo do azulejo”.
Os padrões podem ser descobertos por conta própria, a pé (outra das vantagens turísticas da cidade), mas Ovar desafia-o a mais com a iniciativa Vai Passear, uma rota delineada que nos conduz pelo património da azulejaria ovarense. Percorra-o sozinho e delicie-se com a rica variedade de cores do percurso; ou, em alternativa, reserve uma visita guiada e descubra mais sobre a sua história e as diferentes técnicas ao longo dos séculos. Seja qual for a escolha, por entre as ruas estreitas, encontrará alguns dos mais bonitos azulejos do País.
Pelo caminho, conheça ainda os marcos histórico-arquitetónicos da cidade: o Palácio da Justiça, interessante desenho de Januário Godinho com belíssimos painéis cerâmicos de Jorge Barradas; a pequena mas impactante Capela do Passo da Verónica, emblemática nas procissões da Semana Santa de Ovar; o Jardim dos Campos (vulgo Jardim das Rosas, não será difícil perceber porquê), onde, na antiga casa em que o escritor criou As Pupilas do Senhor Reitor, está instalado o Museu Júlio Dinis; ou, no final do percurso, o Parque Urbano, convidativo para a descontração numa tarde quente de verão.
Se o mar é a sua praia, passe pelo Furadouro, pequena vila balnear a poucos minutos de carro de Ovar, com quilómetros de areal. Por fim, um ponto Q
Para um gostinho do mar, visite o Furadouro, uma vila balnear a poucos minutos de carro, e não deixe de passar pela Igreja de Válega para contemplar os seus painéis
Q de paragem obrigatório na região, à chegada ou à partida, é a Igreja Paroquial de Válega, também conhecida por Nossa Senhora do Amparo, cujos deslumbrantes painéis de azulejo exteriores, implantados nos anos 50, são tão impressionantes quanto o seu interior.
ESTARREJA, MECA DA ARTE URBANA
Outro improvável destino turístico da região, a cidade de Estarreja foi recentemente revitalizada como ponto de paragem do roteiro de arte urbana nacional. Não precisa de prestar muita atenção para reparar nos painéis de diferentes dimensões que dão cor às paredes dos seus prédios, uma fonte de vida improvável numa cidade em notória ascensão no plano artístico-cultural.
Tudo começou em 2015, quando o já sobejamente conhecido artista urbano Bordalo II foi convidado a criar uma peça para a cidade. A obra em questão, um imponente guarda-rios, deu o mote para a criação do ESTAU – Festival de Arte Urbana, no ano seguinte: todos os anos, artistas nacionais e internacionais são convidados a interagir com a arquitetura local e marcá-la para a posteridade, com o público a assistir, em primeira mão, ao processo criativo.
O festival, que inclui ainda workshops de arte urbana, conversas com os artistas e concertos, já rendeu mais de 30 belas obras murais, que se espalham pela cidade, um número que aumenta este ano
Em Estarreja, visite alguns dos mais deslumbrantes murais de arte urbana do País, resultado do ESTAU – Festival de Arte Urbana
com a quinta edição, que se realiza de 12 a 20 de setembro – uma excelente oportunidade para visitar Estarreja.
Não que haja falta de belas obras para contemplar de momento: percorremos uma rota que, além de nos levar por zonas emblemáticas da cidade – o seu atarefado centro, os Paços do Concelho ou a Casa-Museu Egas Moniz –, nos apresenta a interessantes peças de todos os quadrantes e estilos artísticos, muitas das quais retratam pessoas, temas ou motivos locais, como D. Florinda, de Vhils.
Entre os nacionais, destacam
paisagem que sugere outro tipo de atividades. Incrivelmente rica em canais, portos e, claro, moliceiros, as opções para um contacto prolongado com a ria de Aveiro são virtualmente intermináveis.
O nosso passeio começou na emblemática Ribeira de Pardelhas, pitoresco porto onde não faltam embarcações tradicionais, numa revigorante viagem de moliceiro pela ribeira.
Além de bonitas paisagens pelo caminho, o passeio de cerca de meia hora permite aprender um pouco mais sobre o funcionamento da embarcação e o legado histórico e económico dos moliceiros no desenvolvimento da região da ria. No final, os próprios locais mostram-nos que não há motivo para não tomar um refrescante banho de rio, saltando do mesmo cais onde atraca a frota pesqueira.
Parte integral do património da Murtosa são, ainda, os percursos pedonais ou cicláveis à beira-ria, nos quais se pode desfrutar com toda a tranquilidade da abundante fauna e flora locais. Se preferir caminhar, dê uma hipótese aos percursos do Canal da Murtosa, dos Campos da Ria ou da Torreira, todos eles circulares e, garantem-nos os locais, bastante agradáveis.
Se achar, no entanto, que o comprimento é excessivo (quase todos os percursos ultrapassam, afinal, os 10 km), pode optar pelo ciclismo através do recentemente inaugurado projeto Murtosa Ciclável, de aluguer gratuito de bicicletas para utilização diária.
Cumprindo com todas as medidas de segurança que o atual momento exige (higienização das bicicletas e 12 horas de latência entre utilizadores), o projeto de estímulo à mobilidade ciclável potencia, como tivemos oportunidade de averiguar percorrendo um troço do Canal da Murtosa, a fruição da paisagem natural da zona. W
Em Murtosa, andar de bicicleta ou fazer um passeio de moliceiro são as opções ideais para desfrutar da paisagem da ria de Aveiro