Apostas da Família Margaça para afirmar a autenticidade de Pias
Após modernizar a produção, a Família Margaça, cujos terrenos têm de sobra o mais escasso recurso do Alentejo, a água, renova rótulos e lança novidades. A mensagem é só uma: autenticidade.
NO PÓS-25 DE ABRIL, Pias foi símbolo da reforma agrária. De todo o País lá chegava gente para ver como o povo tornava real o slogan “A terra é de quem a trabalha”. No regresso, todos levavam vinho – forte, frutado, com carácter, além de “recordação de um dia bem passado” –, que assim ficou famoso. Resultado: Pias passou a ser cobiçada denominação de origem e multiplicaram-se as marcas que a ostentam no rótulo.
O problema é que a maioria não vem de lá. “Há um vazio legal que o permite”, diz Renato Neves, o enólogo da Família Margaça, cuja propriedade de 800 hectares, 138 de vinha, é a maior desta freguesia de Serpa – que, em termos vinícolas, faz parte da sub-região de Moura. É dela, pois, o verdadeiro vinho de Pias. Acaba de fazer um rebranding para acabar com as dúvidas, mas como o tal vazio legal persiste, é com o nome Margaça – associado ao carisma do fundador, avô do atual administrador, Luís Margaça –, que faz a diferenciação, apostando em dois vetores: reforçando a imagem de autenticidade e elevando a fasquia com novos vinhos Premium.
A HISTÓRIA
José Veiga Margaça aprendeu novo a arte da tanoaria e, com os oito irmãos, percorria Portugal, fazendo barricas a norte e a sul. Daí ao comércio de vinhos foi um passo. “Ele tinha jeito, era bem-falante e entendia os aromas e as coisas da terra. Especialmente no Alentejo e no
Os “falsos Pias” proliferam desde os anos 70. Os vinhos da Família Margaça, que detém a maior propriedade da freguesia, é que são os genuínos
Algarve, era muito conhecido e apreciado”, conta o neto Luís.
Começou a sonhar ser também produtor e em 1973 comprou, com dois sócios, a propriedade. “Tinha pouco dinheiro e os outros deram mais, mas ele compensava em trabalho”, realça Luís. Os vinhos ficaram famosos logo à primeira vindima, mas depois os camponeses tomaram-lhe as terras, só devolvidas nos anos 80, altura em que negociou com os sócios ficar com tudo: “Não foi difícil. O sonho era dele e continuava a acreditar, eles já não, portanto, não queriam investir.”
Era preciso reestruturar as vinhas e o fundador Margaça pôs mãos (e dinheiro) à obra, até adoecer, em 1993, e passar a gestão aos filhos, Francisco e Fernanda – a mãe de Luís, ainda hoje está ligada à empresa, bem como a irmã do administrador, à frente dos Recursos Humanos.
O VINHO
Nem tudo fica em família. Para a enologia foi convocado Renato Neves, que entrou na empresa para ajudar na viticultura e em 2018 passou a responsável pelos novos vinhos Premium, que se vieram juntar aos branco, tinto e rosé asPIAS, entradas de gama agora com nova imagem, a par do recordista bag-in-the-box, “a variante moderna dos garrafões” e do bem-sucedido Encostas do Enxoé. São eles os Reserva, Vinha do Furo (tributo
aos furos a 80 metros de profundidade, que irrigaram a propriedade enquanto não chegou o Alqueva) e o monocasta de Touriga Nacional, surpreendente no Alentejo – tudo sob a marca Família Margaça, o mais genuíno vinho de Pias.
“Já conhecia os terrenos, férteis como poucos, onde não falta água, por estarem no perímetro da albufeira, e sem declive, portanto, mecanizável, bem como as vinhas, perfeitamente adaptadas ao solo e ao clima, privilegiado, e a adega, remodelada. Tudo isso me ajuda a controlar maturações para decidir as colheitas e a selecionar as uvas, pela cor e diâmetro dos bagos, para definir os lotes, procurando perfis frescos mas bem aromáticos, equilibrados, com menor ou maior potencial de guarda”, explica Renato.
As suas primeiras criações, que beneficiam do facto de haver castas de outras regiões, como o Sousão, ideal para dar acidez aos tintos, e de uma parceria com o escanção Gonçalo Patraquim, que domina o gosto dos consumidores, acabam de chegar ao mercado.
O FUTURO
Para o futuro – mas já explícitas nos vinhedos e adega – estão reservadas algumas surpresas, nomeadamente um monocasta branco, de Verdelho, e novos lotes, a juntar inusitados Alvarinhos e Encruzados (dos vinhos verdes e do Dão) ao alentejano Antão Vaz e ao nacional Arinto, mas sem beliscar a tipicidade, símbolo da marca Margaça.
Entretanto, com a pandemia (que obrigou a lay-off parcial) foi criada uma moderna loja online, para colmatar o decréscimo no enoturismo, que “é para continuar e melhorar”, como diz Luís Margaça, olhando para o futuro com confiança temperada de cautela. W