SÁBADO

A vida de humilhação e solidão de Sofia, a Rainha emérita

Há décadas que a Rainha sofre em silêncio com um casamento que é uma farsa. Agora, não tem de engolir mais sapos e deixou Juan Carlos sair de Espanha sozinho.

- Por Sónia Bento

Juan Carlos saiu de Espanha sozinho. A Rainha Sofia não o acompanhou, o que não surpreende. Há décadas que se sabe que o casal real tem vidas separadas. No dia 14 de abril de 2012, o palácio da Zarzuela informava que o Rei tinha sido operado de urgência, depois de sofrer um acidente no Botsuana, para onde viajou a fim de caçar elefantes. Caiu e fraturou a anca. E não estava só. Acompanhav­a-o uma mulher de nome exótico, Corinna zu Sayn-Wittgenste­in, que os jornais espanhóis garantiam que era sua amante há muitos anos. D. Sofia demorou três dias a ir visitar o marido ao hospital, mas em pleno furacão mediático pôs mais uma vez o dever acima de tudo. Na verdade, a traição fora apenas mais uma, a diferença é que se tornara pública. A primeira infidelida­de de que a

Rainha teve conhecimen­to aconteceu em 1976 e a partir daí nunca mais dormiram juntos. Mas a questão do divórcio nunca se colocou porque o trono de Espanha sempre foi o mais importante. Hoje, com 81 anos e 58 de casamento, Sofia não tem de engolir mais sapos e enquanto o marido está em parte incerta, ela goza férias em Palma de Maiorca – como sempre, com os filhos e os netos.

Amor não correspond­ido h Na década de 50, a família real grega não tinha dinheiro, influência­s nem futuro, mas os filhos dos mais importante­s armadores gregos da época eram pretendent­es da princesa Sofia. Só que a mãe, a Rainha Frederica, afastou-os e nem Eduardo de Kent, primo direito de Isabel II, lhe servia. “Casarás com um príncipe real”, dizia-lhe. Mas Sofia tinha um amor não correspond­ido: Harald da Noruega, que era apaixonado por Sónia, uma plebeia com tendências suicidas. O pai de Sofia, o Rei Pablo da Grécia, chegou a pedir ao parlamento um dote de 9 milhões de dracmas (o equivalent­e hoje a cerca de 2,5 milhões de euros) para o casamento da filha, mas o governo só queria dar metade, um valor que para o Rei Olavo V, pai de Harald, era ridículo. Mesmo assim, o noivado de Sofia e Harald esteve

quase a ser anunciado. Só que no dia do casamento do duque de Kent, em Londres, a 8 de junho de 1961, Sónia disse a Harald que se mataria se ele ficasse noivo de Sofia. O atual Rei da Noruega não teve saída e enfrentou o pai, dizendo-lhe que a sua decisão estava tomada: ia casar-se com Sónia. Humilhada, Sofia fixou-se em Juanito, o príncipe herdeiro do trono de Espanha. Conheceram-se em agosto de 1954, num cruzeiro pelas ilhas gregas, e já aí Sofia, com 15 anos, viu como Juanito cortejava todas as mulheres, solteiras ou casadas. Nem a mãe dela – que fora a organizado­ra daquela viagem de 13 dias, que reuniu toda a realeza europeia para estreitar laços – escapou aos galanteios.

Apaixonada e sozinha no Estoril h Maria Gabriela de Saboya, filha do último Rei de Itália, Humberto II, que também estava exilado no Estoril, foi o grande amor de juventude de Juan Carlos. Os condes de Barcelona aprovavam Gabriela para noiva, mas o general Franco não quis. Sofia, a mais velha dos três filhos dos Reis Pablo e Frederica da Grécia, era a opção mais convenient­e. Ficaram noivos a 13 de setembro de 1961 e casaram-se a 14 de maio de 1962, em Atenas, numa cerimónia ortodoxa e noutra católica. Depois da lua de mel a bordo de um iate do armador grego Stavros Niarchos, os noivos foram para casa dos condes de Barcelona, no Estoril. Apaixonada, Sofia começou a sentir-se sozinha. Juanito entrava e saía, beijando-a distraidam­ente, e falava ao telefone com os amigos, com quem passava as noites na boîte Van Gogo, em Cascais. “Não te importas, Sofi?”, dizia-lhe.

JUAN CARLOS NÃO POUPAVA A RAINHA A HUMILHAÇÕE­S. NUMA DAS MUITAS DISCUSSÕES, GRITOU: “ODEIO-TE!”

Um dia importante e nem um abraço... h Já em Madrid, as aventuras extraconju­gais do marido foram transforma­ndo Sofia numa mulher cada vez mais distante e dedicada ao papel de mãe. A 12 de julho de 1969, numa tarde muito quente, as infantas Elena, de 5 anos, e Cristina, de 4, estavam na piscina e o príncipe Felipe, então com 18 meses, dormia. D. Sofia tentava ler uma biografia de Maria Antonieta, sem conseguir concentrar-se. Àquela hora, Juanito estava numa reunião com o general Franco, que o havia chamado com urgência. De repente, Juan Carlos entra em casa e diz-lhe: “Já está, Sofia! Perguntou-me se queria ser o sucessor. Disse-lhe que sim!”. Juanito correu para o telefone e Sofia ficou no meio da sala e só aí se deu conta de que nem sequer se tinham abraçado. Com D. Juan Carlos mais próximo do trono, todas as mulheres se lhe ofereciam. Sofia evitava que saíssem do palácio da Zarzuela de modo a afastar o marido das tentações, mas essa era uma missão impossível.

A traição e os quartos separados

h A primeira infidelida­de de que foi testemunha aconteceu em 1976. Nesse dia, D. Juan Carlos disse que ia para uma caçada, em Toledo, e Sofia quis fazer-lhe uma surpresa e apareceu lá com os filhos. Quando chegaram, encontrara­m tudo fechado – só o cão do Rei estava à porta. Dececionad­a, Sofia viajou para a Índia, onde vivia a mãe. Segundo Pilar Eyre, ela dissuadiu-a de se divorciar. Perguntou-lhe se queria levar uma vida miserável como a dela desde a queda da monarquia na Grécia. Sofia desistiu. Voltou para a Zarzuela, mas exigiu que o Rei se mudasse para um quarto no piso de cima. Separaram as agendas oficiais e passaram a aparecer juntos apenas em ocasiões que requeresse­m a presença dos dois. Simplesmen­te não se falavam, mas a questão do divórcio nunca se colocou porque, para ambos, o seu casamento não lhes pertence, mas sim à monarquia e ao Estado espanhol.

O desprezo e as humilhaçõe­s h No início dos anos 90, o romance de D. Juan Carlos e de

Marta Gayá – uma decoradora de casas de luxo, casada com um engenheiro de Maiorca, e 10 anos mais nova do que o Rei – foi muito comentado. Numa festa de apresentaç­ão da Copa del Rey, de vela, em Palma de Maiorca, Juan Carlos deixou o grupo, no qual também estava D. Sofia, e disse em tom de brincadeir­a: “Desculpem, vou cumpriment­ar os meus sogros.” Referia-se aos pais de Marta, que terá sido sua amante ao longo de 18 anos. O monarca não poupava a Rainha a humilhaçõe­s até para lhe criticar as roupas. “Fica-te mal, tira isso!”, ouviu uma pessoa que serviu D. Sofia. O jornalista Jaime Peñafiel, que se referiu ao casamento dos reis como uma “farsa”, conta, num dos seus livros, que numa das inúmeras discussões Juan Carlos perdeu a cabeça e gritou: “Odeio-te, odeio-te!”. Ela, friamente, respondeu-lhe: “Odeias-me, mas não te podes divorciar.” W

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O Rei emérito Juan Carlos, de 82 anos, saiu de Espanha e pode exilar-se no Estoril, onde passou a infância 2
Filha dos Reis Pablo e Frederica da Grécia, D. Sofia tornou-se Rainha consorte de Espanha em 1975 O Rei emérito Juan Carlos, de 82 anos, saiu de Espanha e pode exilar-se no Estoril, onde passou a infância 2

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