É A DEMOCRACIA, MAS ENCOLHEU
A rentrée parlamentar que aí vem vai ser diferente. O problema não é só o fim dos debates quinzenais. Há outros e variados.
Como as novas regras limitam a democracia
Foi “resvés Campo de Ourique” para André Julião, coordenador do Movimento Escolas Sem Amianto (MESA). Em novembro de 2019, entregou na Assembleia da República, em conjunto com a Fenprof e a associação Zero, uma petição com mais de cinco mil assinaturas para que fosse debatida em plenário a remoção total do amianto nas escolas. Se a entregasse hoje, tudo seria diferente: uma das leis aprovadas na especialidade eleva de quatro mil para 10 mil o número mínimo de assinaturas para que uma petição seja discutida em plenário (com quatro mil, a discussão será em comissão). Mesmo assim, Julião não sabe se esta nova lei vai ter implicações na petição que entregou há sete meses: “Ainda não foi debatida na AR e não sei o que pode acontecer agora. Nós cumprimos com a lei da altura. Se isto não for a debate parlamentar, as pessoas vão-se sentir defraudadas.” Deixa a crítica: “Limitar a petição é matar um dos principais instrumentos da intervenção cívica.”
Pedro Delgado Alves esclarece (para alívio do dirigente do MESA) que as petições “que entraram antes [da aprovação da lei] não são abrangidas pelos novos limites mínimos”. O deputado socialista foi o coordenador do grupo de trabalho de alteração ao regimento, num projeto de lei do PSD com proposta de alteração do PS. Além das petições, a revisão do regimento também ficou marcada pela aprovação de outras propostas: reduzir o número de ple
COM AS 10 MIL ASSINATURAS PARA UMA PETIÇÃO, OS CIDADÃOS “FICAM AGORA MAIS LIMITADOS”, DIZ LUÍS LOBO
nários semanais de três para dois; fixar em conferência de líderes no início de cada legislatura os tempos dos debates em plenário e comissão; e – a mais polémica – a de substituição dos debates quinzenais com o primeiro-ministro por “debates mensais com o Governo”.
O presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, João Paulo Batalha, considera que “muitas destas medidas são um boicote ao próprio parlamento, acordado entre PS e PSD, com o pretexto de melhorar a eficácia dos trabalhos parlamentares e cortar com debates inúteis” “Aqui a questão é: os debates só são inúteis se o PS e o PSD os tornarem inúteis. Talvez estes partidos é que sejam inúteis.”
Para João Paulo Batalha, “os cidadãos tinham a oportunidade de intervir e agora ficam mais limitados. A nível sindical, por exemplo, uma petição da Fenprof entregue em maio poderia agora não preencher os requisitos para ser discutida em plenário. Com pouco mais de quatro mil assinaturas reunidas em menos de 15 dias, o secretário-geral Mário Nogueira levou ao parlamento a petição para que a comunidade escolar fosse testada à Covid-19 antes do regresso às aulas presenciais a 18 de maio. Dada a capacidade sindical desta federação de professores, o dirigente
Luís Lobo não tem dúvidas de que se fosse preciso, a Fenprof conseguiria reunir as 10 mil assinaturas – mas a notícia é pior para os cidadãos comuns, que “tinham a oportunidade de intervir e agora ficam mais limitados”, diz.
Um deputado derrotado
“PS E PSD RESERVARAM PARA SI O EXCLUSIVO DA DECISÃO E DO DEBATE POLÍTICO. É MUITÍSSIMO NEGATIVO PARA A DEMOCRACIA”
Os pequenos partidos saem prejudicados com esta nova lei, refere João Paulo Batalha. Além de diminuir o escrutínio do Governo, estas alterações regimentais têm outro objetivo claro: cortar a palavra a outros partidos, especialmente numa legislatura mais plural do que as anteriores. “E PS e PSD querem reservar para si o exclusivo da decisão e debate político e isso é muitíssimo negativo para a democracia.”
Com as novas regras, António Costa passa a ter presença obrigatória para responder sobre política geral apenas de dois em dois meses. Todavia, apesar do fim dos debates quinzenais, João Cotrim Figueiredo não tem receio da falta de exposição do partido. O que preocupa o deputado único da Iniciativa Liberal é “a falta de escrutínio”: “Havendo um debate mensal, só haverá espaço para seis ministros por ano e vamos poder confrontar o primeiro-ministro menos vezes”, explica à SÁBADO.
Enquanto membro do grupo de deputados responsável pela alteração ao regimento, João Cotrim Figueiredo diz ter conseguido algumas vitórias, como “estar presente na conferência de líderes para participar nas reuniões de agendamento e de fixação de grelhas de tempo”. Mas acredita que “se perdeu uma excelente oportunidade de fazer um bom regimento.”
Ainda tentou convencer o coordenador do grupo de trabalho, Pedro Delgado Alves, a “não aprovar tudo à pressa”. Sem sucesso: “Coladinhos e com uma agenda própria, o PS e o PSD tentaram forçar o novo regimento no início da segunda sessão”, que se inicia em setembro. W