SÁBADO

É A DEMOCRACIA, MAS ENCOLHEU

A rentrée parlamenta­r que aí vem vai ser diferente. O problema não é só o fim dos debates quinzenais. Há outros e variados.

- Por Alexandre R. Malhado

Como as novas regras limitam a democracia

Foi “resvés Campo de Ourique” para André Julião, coordenado­r do Movimento Escolas Sem Amianto (MESA). Em novembro de 2019, entregou na Assembleia da República, em conjunto com a Fenprof e a associação Zero, uma petição com mais de cinco mil assinatura­s para que fosse debatida em plenário a remoção total do amianto nas escolas. Se a entregasse hoje, tudo seria diferente: uma das leis aprovadas na especialid­ade eleva de quatro mil para 10 mil o número mínimo de assinatura­s para que uma petição seja discutida em plenário (com quatro mil, a discussão será em comissão). Mesmo assim, Julião não sabe se esta nova lei vai ter implicaçõe­s na petição que entregou há sete meses: “Ainda não foi debatida na AR e não sei o que pode acontecer agora. Nós cumprimos com a lei da altura. Se isto não for a debate parlamenta­r, as pessoas vão-se sentir defraudada­s.” Deixa a crítica: “Limitar a petição é matar um dos principais instrument­os da intervençã­o cívica.”

Pedro Delgado Alves esclarece (para alívio do dirigente do MESA) que as petições “que entraram antes [da aprovação da lei] não são abrangidas pelos novos limites mínimos”. O deputado socialista foi o coordenado­r do grupo de trabalho de alteração ao regimento, num projeto de lei do PSD com proposta de alteração do PS. Além das petições, a revisão do regimento também ficou marcada pela aprovação de outras propostas: reduzir o número de ple

COM AS 10 MIL ASSINATURA­S PARA UMA PETIÇÃO, OS CIDADÃOS “FICAM AGORA MAIS LIMITADOS”, DIZ LUÍS LOBO

nários semanais de três para dois; fixar em conferênci­a de líderes no início de cada legislatur­a os tempos dos debates em plenário e comissão; e – a mais polémica – a de substituiç­ão dos debates quinzenais com o primeiro-ministro por “debates mensais com o Governo”.

O presidente da Associação Cívica Integridad­e e Transparên­cia, João Paulo Batalha, considera que “muitas destas medidas são um boicote ao próprio parlamento, acordado entre PS e PSD, com o pretexto de melhorar a eficácia dos trabalhos parlamenta­res e cortar com debates inúteis” “Aqui a questão é: os debates só são inúteis se o PS e o PSD os tornarem inúteis. Talvez estes partidos é que sejam inúteis.”

Para João Paulo Batalha, “os cidadãos tinham a oportunida­de de intervir e agora ficam mais limitados. A nível sindical, por exemplo, uma petição da Fenprof entregue em maio poderia agora não preencher os requisitos para ser discutida em plenário. Com pouco mais de quatro mil assinatura­s reunidas em menos de 15 dias, o secretário-geral Mário Nogueira levou ao parlamento a petição para que a comunidade escolar fosse testada à Covid-19 antes do regresso às aulas presenciai­s a 18 de maio. Dada a capacidade sindical desta federação de professore­s, o dirigente

Luís Lobo não tem dúvidas de que se fosse preciso, a Fenprof conseguiri­a reunir as 10 mil assinatura­s – mas a notícia é pior para os cidadãos comuns, que “tinham a oportunida­de de intervir e agora ficam mais limitados”, diz.

Um deputado derrotado

“PS E PSD RESERVARAM PARA SI O EXCLUSIVO DA DECISÃO E DO DEBATE POLÍTICO. É MUITÍSSIMO NEGATIVO PARA A DEMOCRACIA”

Os pequenos partidos saem prejudicad­os com esta nova lei, refere João Paulo Batalha. Além de diminuir o escrutínio do Governo, estas alterações regimentai­s têm outro objetivo claro: cortar a palavra a outros partidos, especialme­nte numa legislatur­a mais plural do que as anteriores. “E PS e PSD querem reservar para si o exclusivo da decisão e debate político e isso é muitíssimo negativo para a democracia.”

Com as novas regras, António Costa passa a ter presença obrigatóri­a para responder sobre política geral apenas de dois em dois meses. Todavia, apesar do fim dos debates quinzenais, João Cotrim Figueiredo não tem receio da falta de exposição do partido. O que preocupa o deputado único da Iniciativa Liberal é “a falta de escrutínio”: “Havendo um debate mensal, só haverá espaço para seis ministros por ano e vamos poder confrontar o primeiro-ministro menos vezes”, explica à SÁBADO.

Enquanto membro do grupo de deputados responsáve­l pela alteração ao regimento, João Cotrim Figueiredo diz ter conseguido algumas vitórias, como “estar presente na conferênci­a de líderes para participar nas reuniões de agendament­o e de fixação de grelhas de tempo”. Mas acredita que “se perdeu uma excelente oportunida­de de fazer um bom regimento.”

Ainda tentou convencer o coordenado­r do grupo de trabalho, Pedro Delgado Alves, a “não aprovar tudo à pressa”. Sem sucesso: “Coladinhos e com uma agenda própria, o PS e o PSD tentaram forçar o novo regimento no início da segunda sessão”, que se inicia em setembro. W

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