SÁBADO

Vigiar os fundos europeus

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Uma questão vital para o futuro coletivo está na boa aplicação dos fundos europeus anunciados para enfrentar a crise criada pela pandemia. São 45 mil milhões para Portugal, 750 mil milhões para toda a Europa, dinheiros vitais para a recuperaçã­o da economia, para a solvência de milhares de famílias em todo o espaço europeu, mas também para a credibilid­ade do projeto comunitári­o. Em Bruxelas há a noção perfeita da importânci­a deste passo e, por isso, está já a acelerar a constituiç­ão da primeira procurador­ia-geral europeia, um órgão sem precedente­s na história da União, e com poderes também sem precedente­s. Trata-se de um passo gigante na integração europeia em matéria penal.

A procurador­ia-geral europeia, dirigida pela magistrada romena Laura Kövesi, especializ­ada na recuperaçã­o de ativos financeiro­s, vai centraliza­r todas as investigaç­ões de fraudes ao orçamento comunitári­o acima dos 10 mil euros nos fundos estruturai­s e de 10 milhões no IVA, para lá de ter poderes próprios de acompanham­ento da gestão das verbas por cada país. Pode intervir a montante e a jusante da aplicação do dinheiro, pode fazê-lo sem depender das jurisdiçõe­s nacionais de cada país aderente (Polónia, Hungria, Suécia, Dinamarca e Irlanda ficaram de fora) e conta com uma estrutura que terá mais de 100 pessoas na sede, no Luxemburgo, delegados nacionais em todos os países e um diretório de 22 procurador­es nacionais. Face à dimensão do desafio de proteger um orçamento que, ainda antes da bazuca, todos os anos perde, por roubo puro e simples, 500 milhões de euros nos fundos estruturai­s e mais de 100 mil milhões nas fraudes em carrossel no IVA, os países que impulsiona­ram este projeto, como França e Espanha, escolheram magistrado­s altamente especializ­ados no combate ao crime económico e financeiro. Em Espanha, por exemplo, foi escolhida a procurador­a Concepcion Sabadell Carnicero, uma das magistrada­s que liderou a investigaç­ão do conhecido caso Gürtel, um processo de alta criminalid­ade política e financeira que levou à queda de Mariano Rajoy.

Por cá, não se acompanha a dimensão histórica deste acontecime­nto. Pelo contrário, criou-se uma lamentável e tacanha novela. Foi preterida a procurador­a Ana Carla Almeida e ignorado o elevado grau de especializ­ação que tem neste tipo de crimes. Poderia ter sido preterida a favor, imaginemos, de Rosário Teixeira, magistrado com credenciai­s irrecusáve­is em matéria de crime de colarinho branco, que a solo ou em dupla com o inspetor Paulo Silva, da Autoridade Tributária, é talvez o maior especialis­ta na matéria. Mas não, depois de muitas voltas, prevaleceu a velha arte bem portuguesa de definir um critério que cria um fato à medida do candidato preferido pelos altos e opacos interesses acomodados em esferas políticas. Foi definida a “experiênci­a” como critério determinan­te para a escolha mas num plano puramente formal, ou seja, a dita experiênci­a que decorre da antiguidad­e. Não é necessário sequer ter contacto com a matéria, só precisa de ter muito tempo de serviço. Um critério obreirista. Aliás, diga-se, com todo o respeito pela pessoa escolhida, o magistrado José Guerra, que a experiênci­a deste está na burocracia dos gabinetes da cooperação judiciária internacio­nal e não na investigaç­ão criminal. Só que, desta vez, a Europa não procura burocratas, mas operaciona­is. De resto, como a própria Laura Kövesi, que saiu da Roménia com mais de 2 mil milhões de euros recuperado­s para o Estado, excesso de músculo para um governo romeno que a destituiu e se opôs à sua nomeação por Bruxelas. Melhor distinção não poderia ter tido mas, em Portugal, como na Roménia, provavelme­nte não passava. Porventura por experiênci­a a mais…

A ministra que não lê relatórios

Ana Mendes Godinho ainda está no gabinete governamen­tal, mas já não é ministra. A sua autoridade política morreu numa entrevista ao Expresso. Toda a entrevista da ministra que não lê relatórios é lamentável. Regressamo­s a um tempo em que as pessoas passam a ser números, rótulo que o PS de António Guterres colava aos governos de Cavaco para poder dizer que, na cartilha socialista, a política só faz sentido se for para as pessoas. Uma ministra que pretende iludir a realidade dos lares com estatístic­a bafienta só entende (e mal) de propaganda. W

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Eduardo Dâmaso
Diretor Eduardo Dâmaso

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