Kit Yates
A matemática explica o mundo
Olivro de Kit Yates foi escrito (e publicado no Reino Unido em setembro de 2019) antes da pandemia do novo coronavírus, e portanto não há nas suas páginas (que chegam agora a tradução portuguesa) referências à pandemia, mas há menções a termos que hoje nos são familiares como curva exponencial e vírus.
Ao telefone com a SÁBADO, este biólogo matemático (ramo da biologia que não implica dissecar cadáveres de animais, para seu grande alívio, como explica no livro) não esconde a surpresa. “Para um matemático como eu, é espantoso ver as pessoas na rua a falar de crescimento exponencial. É curioso como aquela clássica pergunta dos alunos de matemática, o ‘para que é que isto serve?’, bom, agora estão a ver na prática...”
Kit Yates acompanhou com especial interesse o debate no Reino Unido sobre a imunidade de grupo (ou seja, deixar que a população se infete até uma determinada percentagem – grande o suficiente para a população ficar imune). O destino e a saúde da nação ficaram presos pela matemática dos surtos, das curvas exponenciais, das taxas de mortalidade e de contágio.
A mudança de direção do governo de Boris Johnson foi puramente baseada em matemática. “Quando os modelos matemáticos começaram a prever 500 mil mortos, mudaram de estratégia. Chegaram à conclusão de que a única maneira de obter a imunidade seria através da vacina.”
As fórmulas da vida e da morte é um livro de matemática para o grande público. Há modelos e fórmulas que explicam as pequenas e as grandes coisas da vida. Mas também há números que são usados de forma errada e abusiva e que tanto provocam erros judiciais e médicos como originam fake news (e também há matemática na forma como elas se propagam). Eis alguns exemplos do livro.
900 anos para ficar rico
Imagine que deixa o pacote do leite aberto e ele fica azedo. O que é que isso tem a ver com a bomba atómica, com os surtos do novo coronavírus, com aqueles vídeos virais da Internet, ou com o seu depósito a prazo? Crescimento exponencial. Ou seja, algo aumenta em proporção à sua medida. Por exemplo, uma célula de uma bactéria – se conseguiu entrar no seu pacote de leite - consegue dividir-se em duas numa hora apenas. E essas duas vão depois dividir-se, e assim sucessivamente.
O mesmo com o depósito a prazo. Se investir €100 a uma taxa de 1%, ganha €1, mas depois no ano seguinte a mesma taxa de 1% já será sobre €101, e assim sucessivamente. Mas invista mais do que €100, senão “precisaria de mais de 900 anos para ficar milionário.” Quanto à bomba atómica, é uma
reação em cadeia exponencial, tal como os vírus (os reais e os das redes sociais).
A cerveja e os dinossauros
Aqui é o contrário do crescimento exponencial: é a queda exponencial: algo decresce em proporção ao seu tamanho. “Descreve fenómenos tão diversos como a eliminação de fármacos do organismo e a velocidade de diminuição de espuma num copo de cerveja”.
Também é o princípio que permite saber se um documento é do século XX ou do século II antes de Cristo. Ou que aquele fóssil é de um animal com 100 milhões de anos. Ou que determinado quadro é uma falsificação porque foi feito séculos depois. É a datação radiométrica: num material específico, “os átomos diminuem proporcionalmente à quantidade restante” e de forma previsível.
Quantos vamos ser?
Se ler algures que a população mundial não vai parar de crescer, não acredite. Algum dia vai parar - a bem (planeamento familiar generalizado) ou a mal (não há espaço para mais, ou os recursos do planeta acabaram). O crescimento exponencial que acontece com um vírus, uma bomba nuclear ou a população mundial não é infinito. O novo coronavírus ainda existe porque há pessoas que não estão infetadas ou imunes.
O tempo voa?
Quanto mais velhos ficamos, mais temos a sensação que sim, que o tempo passa mais depressa. Porquê? Não há certezas, há várias teorias, mas a melhor explicação, segundo Kit Yates, é a escala exponencial. Um exemplo desse princípio é a escala de Richter, que tem uma base 10, ou seja, um sismo de 7.0, por exemplo, é 10 vezes superior a um sismo de 6.0.
Aplicado à nossa vida, julgamos um período de tempo em função do que já vivemos. Imagine o aniversário de uma criança de 10 anos. Se lhe perguntar se vai demorar muito até fazer 11 anos, ela vai dizer que sim. Isto porque um ano para ela corresponde a 10% do que já viveu. Mas um ano para uma pessoa que tem 50 anos corresponde a 0,5% do que já viveu. É uma diferença que muda tudo na nossa perspetiva da passagem do tempo. Feitas as contas, à luz desta escala exponencial, o tempo que passa entre os nossos 40 e 80 anos parece o mesmo que passou entre os nossos 5 e 10 anos. W