NÃO VOU VOLTAR AO ESCRITÓRIO
Há quem não queira abandonar o teletrabalho. Conheça pessoas que nem às consultas presenciais querem voltar
pessoas tivessem uma grande autonomia, incentivava isso. Também foi o engenheiro Belmiro que vos deu um empurrão para entrarem na Bolsa, em novembro de 1997…
AT – Deu diversos empurrões que nos ajudaram a evoluir.
Era uma pessoa com quem era difícil trabalhar?
AT – Era uma pessoa que sabia o que queria. Não tenho dúvidas de que ajudou a formar pessoas. A própria forma como organizou a Sonae tornou-se uma verdadeira escola. Na altura nós não percebíamos, mas estávamos uns anos bem à frente da generalidade das pessoas neste país. Foi realmente uma referência e tudo aquilo que nós fomos capazes de pôr a funcionar na Ibersol tem muita influência do engenheiro Belmiro.
Isso explica que sejam os gestores há mais anos à frente de uma empresa do PSI-20?
AT – Ai somos os mais antigos? APS – É novidade, não me tinha dado conta.
Como é que avaliam a vossa permanência na Bolsa durante estes anos todos?
AT – A nossa aquisição da Ibersol foi feita através de uma entrada em Bolsa. Para nós isso fazia sentido, porque era uma oportunidade e criava rigor interno na forma de gerir as coisas. Mas nunca sentimos grande peso nisso, porque sempre olhámos mais para a evolução do negócio do que para a evolução das ações.
Em 2011 entrámos numa crise financeira, agora estamos a passar por um momento igualmente delicado com a pandemia. É possível fazer um paralelo entre estes dois momentos?
APS – As vendas ressentiram-se num caso e noutro, mas a crise de 2011 foi algo bastante previsível. No fundo sabíamos que seriam dois, três anos complicados e que depois a economia iria começar a crescer. Desta vez é uma coisa mais complicada. Tem sido um ano de sobrevivência. É ir gerindo o melhor que se pode.
Acham que os hábitos do consumidor se vão alterar depois desta pandemia?
APS – Não sei se vai haver assim tantas alterações, a não ser claro os hábitos de compra online e das entregas ao domicílio. E os hábitos de consumo mais saudáveis: como é que uma empresa que trabalha com marcas ligadas à fast food responde a essa exigência do consumidor?
APS – O consumidor quer é provar coisas boas. Apesar de as pessoas começarem a ter preocupações com a saúde, como é evidente, a alimentação saudável é uma tendência que vai demorar o seu tempo a ser consolidada. Não é que não seja importante, mas não vai ter um impacto significativo no curto prazo.
Mas há cada vez uma maior preocupação com essa questão…
APS – Há quantos anos se fala nessa tendência? Houve alguma mudança estrutural? Houve pessoas que mudaram, mas nenhuma rutura. Pelo menos é assim que eu vejo. Depois há a questão do que é bom. Quando se aliar o saudável ao bom, aí a coisa muda de figura. O ser humano, tendencialmente, procura o prazer, procura estar bem e desfrutar das coisas. Mesmo no trabalho, queremos estar num ambiente que nos dê prazer, se não o trabalho é penoso.
Já pensaram em se reformar?
APS – A gente reforma-se e quê, vai para casa? Há muitas maneiras de se estar na vida e cada pessoa vê as coisas como entende. Se as pessoas gostam, desfrutam do que fazem, vão-se mantendo.
Mas se algum de vocês sai da Ibersol, o que será da empresa?
APS – Já viu a quantidade de insubstituíveis ali no cemitério? [Responde rindo-se, olhando para o cemitério de Agramonte ao nosso lado.] As coisas regeneram-se naturalmente.
Que momentos marcantes destacariam do vosso percurso?
AT – Os momentos de recuperação, pelo envolvimento das pessoas, foram muito importantes.
APS – Quando foi a primeira crise nós chamámos as pessoas e dissemos: “Vamos ter de reduzir o salário a toda a gente, não vai haver prémios.” E os prémios aqui para os quadros ainda representam 30% a 40%. Mas as pessoas perceberam, continuaram em frente e passados dois anos retomámos a política da empresa.
AT – A superação de um grupo de pessoas é uma coisa fabulosa. Falando em grupo de pessoas: o que é que está a ser feito na Ibersol para garantir o cumprimento da lei de representação de géneros?
APS – Na empresa, ao nível dos restaurantes, a maior parte dos nossos gestores são mulheres. Na equipa de direção, as mulheres têm uma representatividade muito significativa. Só ao nível do Conselho de Administração é que temos que nos ajustar para cumprir com as quotas. O que acontece dentro da empresa acontece naturalmente e as mulheres fazem muito melhor algumas coisas do que os homens.
Nomeadamente?
APS – Gerir restaurantes, por exemplo, que é uma atividade de detalhe. Tudo o que seja uma atividade de detalhe, de atenção, da beleza das coisas, a mulher está muito mais preparada que o homem.
Concorda com a lei?
APS – Devo dizer que sou absolutamente contra a lei, porque acho
“Desta vez é uma coisa mais complicada. Tem sido um ano de sobrevivência. É ir gerindo o melhor que se pode”
que é uma patetice. Acho que estamos aqui a criar um artifício e a forçar as coisas. Se formos a olhar, por exemplo, para juízes, magistrados do ministério público, se calhar hoje as mulheres já são dominantes. Se eu fosse mulher sentir-me-ia altamente irritada por, no fundo, estarem a forçar uma coisa que caminha naturalmente para um sentido.
Há pouco dizia que gerir um clube de futebol “nem pensar”.
E entrar na política?
APS – Por acaso não era uma coisa que desgostaria, mas era no tempo certo e esse tempo já passou.
Tiveram de sacrificar muito da vida pessoal em prol da Ibersol?
AT – Um projeto como este obriga a um compromisso diário muito grande e nem sempre as coisas se fazem exatamente de forma tão equilibrada, embora tenhamos começado na faixa dos 50 anos, o que significa que tínhamos a nossa vida pessoal mais organizada.
APS – A família é que se queixa, nós nem tanto [risos]. Não lhes agrada muito, mas acho que acabaram por se criar equilíbrios. As pessoas acabam por se ajustar às circunstâncias.
Ficou algum sonho por concretizar na vossa carreira?
AT – Em termos profissionais há uma coisa por cumprir: pôr as coisas no sítio.
E como é que se põem as coisas no sítio?
AT – Continuar a juntar pessoas, dar-lhes um conjunto de rumos, criar equipas que possam levar outra vez a empresa ao sucesso. É preciso gerar motivos que levem as pessoas a galvanizarem-se novamente para fazerem o seu processo de crescimento. W
“Tudo o que seja uma atividade de detalhe, de atenção, da beleza das coisas, a mulher está muito mais preparada”