SÁBADO

FEJSA: A GUERRA E O BENFICA

Falou com a SÁBADO desde Belgrado, enquanto fazia uma nova tatuagem. Recordou os sete anos nas águias e a infância em Vrbas, marcada pela guerra dos Balcãs. A jogar na Arábia Saudita, no futuro quer morar em Lisboa.

- Por Pedro Ponte

Está na Arábia Saudita, mas os adeptos pedem-lhe para voltar. Em entrevista, fala da infância, do conflito nos Balcãs e da carreira

“[Os adeptos] pedem-me para voltar, dizem que o Benfica precisa de mim, um guerreiro, um monstro”

Joga no Al-Ahli Jeddah, da Arábia Saudita, mas continua a receber mensagens de adeptos que lhe pedem para voltar ao Benfica. Fejsa, de 32 anos, recorda a guerra – “vivi e senti os bombardeam­entos” –, desculpa Jesus pela saída para o Sporting e garante que do próximo Sérvia-Portugal (dia 27) apenas espera “um bom jogo de futebol”.

Como está a ser a sua vida na Arábia Saudita?

A vida em Jeddah é boa. É um país com um estilo de vida ordeiro e pessoas simpáticas e isso faz-nos sentir seguros. O Governo saudita tem lidado bem com a pandemia e as medidas que foram tomadas resultaram. Agora também começou o processo de vacinação e o número de infetados tem baixado, o que é muito importante. O facto de ter encontrado um bom balneário fez com que a adaptação não tivesse sido muito difícil.

Quando saiu do Benfica, em 2019, sentiu que estava na altura de dar esse passo?

Não foi fácil despedir-me do meu querido Benfica ao fim de sete anos... Naquele dia estive nervoso durante o tempo todo e não consegui evitar as lágrimas. Chorei durante quase todo o dia. Nem consegui dizer tudo o que queria porque as emoções não deixaram. Foi no Benfica que vivi os momentos mais bonitos da carreira e também da minha vida.

Continua a receber mensagens dos adeptos do Benfica?

Todos os dias! Pedem-me para voltar, dizem que o Benfica precisa de mim, um guerreiro, um muro, um monstro… Fico feliz que isso aconteça porque enquanto represente­i o Benfica dei sempre o melhor pela equipa com o objetivo de deixar marca.

“Se não tens ‘tomates’ para jogar quando sentes alguma dor, mais vale ires trabalhar para um banco”

Nasceu em Vrbas, na antiga Jugoslávia. Teve uma infância feliz?

Sim. Comecei a jogar futebol com o meu irmão. Ele era muito bom mas as coisas nunca se proporcion­aram para que pudesse jogar fora da Sérvia. Para mim, o início não foi fácil. Agora os miúdos começam nas escolinhas dos grandes clubes, mas eu vivia numa pequena cidade e tive de trabalhar muito para chegar onde estou hoje.

Na infância, viveu de perto a guerra dos Balcãs.

Nunca interferi na política. Tenho a minha opinião sobre os assuntos, claro, mas penso que os atletas profission­ais devem manter-se à margem porque haverá sempre alguém a sair magoado. Vivi e senti os bombardeam­entos e é algo que nunca

mais quero voltar a viver. Era muito pequeno, mas são coisas que ficam e que não esqueces durante anos. Foi um período muito difícil. As bombas atingiram pessoas inocentes. Penso que tudo aquilo nos tornou mais fortes e hoje somos um povo com uma fome enorme de sucesso.

Essas dificuldad­es ajudaram-no durante a carreira?

Esses acontecime­ntos do passado tornaram-nos assim, mais resistente­s, mas penso, sinceramen­te, que o nosso povo sempre foi assim. Os sérvios são resiliente­s, corajosos e até um pouco loucos. Somos muito fortes psicologic­amente e não nos deixamos ir abaixo facilmente. Olhando para as lesões que tive ao longo da carreira, a minha mulher costuma dizer-me que muitos já teriam desistido. Muitos sim, mas eu não! Quando me lesionava nunca me rendia e pensava que a situação não ia durar para sempre e que no fim estaria ainda mais forte. Faz parte dos nossos genes, pelos vistos.

Os adeptos em Portugal sempre o viram como um lutador.

Sim, nunca desisto. Nessas situações, das lesões, pensava apenas que voltaria sempre melhor e que faria tudo para ser um guerreiro. Até à morte, se fosse preciso! Há jogadores de futebol que andam aqui apenas pelo dinheiro, tudo para eles é fácil. Mas não pode ser assim. Tens de mostrar caráter, vontade, emoção, tudo. Se não tens “tomates” para jogar quando sentes alguma dor ou quando as coisas não estão fáceis, mais vale ires trabalhar para um banco.

O que representa­m as tatuagens espalhadas pelo seu corpo?

No momento em que estamos a conversar estou a fazer mais uma. E ainda tenho de acrescenta­r mais uma estrela das que representa­m os títulos pelo Benfica. Ainda não tive tempo… Posso dizer que cada uma representa-me a mim: o que eu amo, o que eu sinto. Sou fã de tatuagens.

Sempre quis ser futebolist­a profission­al? Os seus pais apoiaram-no?

Tive sempre liberdade para escolher o que queria ser. Mas desde pequeno que meti na cabeça que queria fazer do futebol a minha vida e trabalhei muito para isso. Queria poucas coisas, mas Deus retribuiu-me com muito. É muito importante ter fé.

No Benfica, Jorge Jesus foi o treinador que o trouxe para Portugal. Como é que acompanhou agora o regresso dele, poucos anos depois de ter treinado o Sporting?

Certo, ele esteve no Sporting, mas sejamos honestos: Jorge Jesus foi sempre Benfica. Foi buscar-me ao Olympiacos e trabalhar com ele foi extraordin­ário. É um treinador fantástico e com quem os jogadores jovens e até os treinadore­s jovens podem aprender. Infelizmen­te, já não o apanhei desta vez.

Que jogador é que o impression­ou mais no Benfica?

Tive a possibilid­ade de partilhar o balneário com tantos jogadores durante aqueles anos e muitos deles eram realmente excecionai­s. Luisão, Ederson, Oblak, Salvio, Gaitán, Garay, Nélson Semedo, Pizzi… Mas, para mim, o melhor foi o Jonas. É um exemplo de um excelente atleta e um grande homem. Ah, e também joguei com o atual treinador do Sporting...

No dia 27, Sérvia e Portugal defrontam-se para o apuramento para o Mundial 2022. Os jogadores sérvios devem ter particular atenção a Cristiano Ronaldo?

Não podem olhar apenas para o Ronaldo. É a referência, mas Portugal tem muitos jogadores de topo que jogam em grandes clubes. Não vai ser fácil. O espírito de equipa é sempre mais importante e não tenho dúvidas de que Portugal tem-no.

Quais são as melhores memórias que guarda dos jogos contra Portugal?

Foram sempre difíceis. Lembro-me de que tinha as emoções à flor da pele porque represente­i a Sérvia durante muitos anos, mas também me apaixonei por Portugal. Os meus filhos nasceram em Lisboa, é a nossa casa e onde um dia voltaremos a morar. Mas agora não vou jogar e, por isso, vou simplesmen­te aproveitar para ver um bom jogo de futebol. W

“Era muito pequeno, mas são coisas que ficam e não esqueces durante anos. As bombas atingiram inocentes”

 ??  ??
 ??  ?? Fejsa, de 32 anos, jogou sete épocas no Benfica e foi cinco vezes campeão. Já tinha ganho na Sérvia (Partizan) e na Grécia (Olympiacos)
Fejsa, de 32 anos, jogou sete épocas no Benfica e foi cinco vezes campeão. Já tinha ganho na Sérvia (Partizan) e na Grécia (Olympiacos)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal