ENTREVISTA A MITHÁ RIBEIRO: INTELECTUAL, NEGRO, NO CHEGA
Anunciou que está na corrida para substituir André Silva. Dizem-na sem jeito para campanha (quem saiu), mas “trabalhadora” e “de diálogo” (quem está). E tem uma cadela e um gato.
Veio de Moçambique, trabalhou nas obras, tornou-se investigador universitário, colunista e... diretor do gabinete de estudos do partido de André Ventura
Inês estava no consultório do veterinário com a cadela Íris em estado terminal, quando viu um panfleto do PAN. O partido queria legalizar-se e precisava de voluntários. Tinha 30 anos e já era jurista na Câmara de Sintra, sem nenhuma ligação especial à causa animal, a não ser ter crescido numa casa onde sempre houve amigos de quatro patas. “Pensei que nunca me iam contactar”, confessa à SÁBADO, explicando que assim que a chamaram começou a ajudar e dois anos depois já era a primeira presidente do Conselho de Jurisdição do partido.
Descrita como trabalhadora, determinada, diplomática e ambiciosa, Inês Sousa Real não é a típica ativista dos direitos dos animais e só depois de estar no PAN se tornou vegana. “Sempre foi um ativismo do papel, não tanto de resgatar animais e ajudar com coisas práticas, mas mais a estudar as questões jurídicas”, explica quem se cruzou com ela no partido.
“Não tem um feitio de ativista, de ser frontal e entrar em guerras, faz tudo para não entrar em choque”, diz Sandra Duarte Cardoso, da SOS Animal, que acompanhou de perto o início do interesse de Sousa Real na causa animal e o trabalho que fez na Câmara de Lisboa (CML) como provedora do animal. “Foi a melhor provedora que a CML teve nos pareceres que fez e na tentativa de defesa dos animais”, garante.
Foi por indicação do PAN que Inês Sousa Real chegou a provedora, depois de a socialista Marta Rebelo se ter demitido após dois meses em funções. Na prática, montou a Provedoria de raiz e há quem a descreva como uma verdadeira “procuradora dos animais”. Fazia queixas, constituía-se assistente em processos de maus-tratos animais e até reunia com a Procuradoria-Geral da República para tratar de alguns assuntos.
Nas associações de defesa animal ninguém se esquece do trabalho que fez para impedir que os pombos capturados pela CML continuassem a ser dados como alimento vivo ao reptilário do zoo ou para garantir o direito dos animais de companhia a viajar nos transportes públicos.
Assumiu o cargo em 2013 e saiu em 2017, depois de muito reclamar pela falta de condições: não era remunerada e não tinha equipa, apesar do volume de trabalho. “Nunca tive um jurista no meu gabinete e tinha o meu trabalho na Câmara de Sintra para pagar as minhas contas”, recorda, falando em “centenas de queixas” vindas de todo o País às quais tentava dar sempre resposta. Quando saiu, o então vereador Duarte Cordeiro ainda lhe ofereceu remuneração, mas Inês já não voltou. “Achei que poderia ser mal interpretado aceitar depois de ter batido com a porta”, justifica.
Na autarquia, a demissão foi recebida com “um amargo de boca”, porque Sousa Real saiu para ser candidata à CML pelo PAN logo nesse ano. “Usou o cargo para fazer campanha”, diz um elemento da câmara. Mas Inês Sousa Real esteve afastada de todos os cargos no partido enquanto foi provedora. E só em 2017 é que voltou à vida partidária ativa.
Nesse ano, foi eleita deputada municipal em Lisboa e dois anos depois chegava à Assembleia da República, onde passou a ser líder parlamentar.
Acumulou as funções com os cargos na Comissão Política Nacional e na Comissão Permanente do partido e com a coordenação da Secretaria de Justiça do PAN (mais tarde viria a ter também a da Comunicação), além de estar na concelhia e na distrital de Lisboa. Só deixou para trás o lugar na Câmara de Sintra, onde suspendeu as funções de chefe de divisão. “Todos os dias recebemos dezenas de mails no correio do cidadão e ela quer saber de todos. Está sempre assoberbada de trabalho”, conta quem já trabalhou com ela no gabinete. “O PAN defende a slow life, mas não é isso que se passa no partido”, nota um crítico interno, enquanto um ex-membro do gabinete parlamentar garante que “muitas vezes se trabalha das 7h às 20h”.
Sem carisma nas ruas
Francisco Guerreiro, o eurodeputado que saiu do PAN, acompanhou a campanha de Inês em Lisboa nas autárquicas e notou a falta de mobilização. “Não é uma pessoa carismática que mobilize nas ruas”, garante Guerreiro, um dos dissidentes que Sousa Real acusa agora de fazerem uma “política de terra queimada”.
Entre os que saíram, incompatibilizados também com Inês Sousa Real, estão Cristina Rodrigues, que passou a deputada não inscrita, e Bernardo Ramos, que se demitiu de deputado municipal em Sintra. Nenhum dos dois quis falar à SÁBADO, mas várias fontes notam que a tendência “centralizadora” da líder parlamentar esteve na origem de conflitos com ambos. Sousa Real desmente. “Não sou centralizadora. Sempre tive facilidade em delegar”, reage, criticando a “tendência destrutiva para criticar o PAN” da parte de quem saiu. De resto, Inês Sousa Real diz que está criado um “grupo de trabalho” para alterar os estatutos do partido e contrariar a tendência de acumulação de cargos.
“A Inês é mais de trabalhar em equipa do que o André Silva”, afiança Albano Lemos Pires, membro da
“O ESTILO DE LIDERANÇA NO FEMININO É DIFERENTE, MAIS CUIDADOR”, ASSEGURA INÊS SOUSA REAL
Comissão Política Nacional do PAN, que acha que a candidata a porta-voz do partido é “conservadora” em algumas matérias, mas “não é casmurra”. “É uma pessoa de diálogo, correta”, acrescenta o também dirigente do partido Francisco Cayolla, que a vê como uma “legalista”.
Inês, que se tornou muito próxima de André Silva, evita as comparações, ao mesmo tempo que vai dizendo que será diferente na liderança do PAN. “O estilo de liderança no feminino é diferente, mais cuidador, mais pacificador, de criar pontes e diálogo.” Para o provar, a moção de estratégia global que levará ao Congresso – que desta vez será todo aberto aos jornalistas – receberá os contributos de todos os militantes. “A ideia é fomentar a participação das bases”, declara, ciente das críticas de falta de democracia interna, que justifica com “as dores de crescimento” de um partido novo.
Fora do PAN, Inês Sousa Real é descrita como alguém que “faz pontes”. “É uma negociadora”, afirma o deputado municipal independente Rui Costa, explicando que por mais de uma vez estiveram em iniciativas conjuntas, antes e depois de sair do BE. Rodrigo Mello Gonçalves, que foi eleito pelo PSD mas será candidato pela IL, também destaca o lado “afável” de uma deputada municipal que descreve como “muito interventiva”.
Depois de 12 anos à frente da Câmara Municipal de Seia, o socialista Carlos Figueiredo está impedido de voltar a ser candidato a líder do executivo daquela autarquia. Está a terminar o terceiro mandato na liderança do município, o máximo permitido pela lei da limitação de mandatos. Mesmo assim, com as autárquicas à porta, o PS tem uma forma de contornar esse problema e Figueiredo teve a oportunidade de fazer o mesmo trabalho… noutro concelho. “Fui convidado para encabeçar uma lista autárquica, é verdade. Posso até dizer que fui desafiado para um concelh’o maior que Seia. Mas recusei. Confesso que não estava motivado para aceitar”, explicou à SÁBADO o autarca socialista.
Figueiredo é um dos 20 autarcas socialistas em último mandato – mas no interior do partido os finais dos mandatos são precedidos de convites, alguns deles executivos. O presidente da câmara de Oliveira do Hospital, José Alexandrino, recebeu convites no interior do PS para, mal terminasse o mandato, “assumir outras funções executivas”. “Mas nem pensar. Já tenho alguma idade e é tempo de criar os meus netos e aproveitar”, explicou à SÁBADO o autarca de 66 anos.
Do Executivo para as assembleias
O deputado José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto, já disse que, “por princípio”, o partido “não candidatará noutros municípios atuais presidentes de câmara que cessam funções pela limitação de três mandatos”, não excluindo que isso possa vir a “acontecer num ou noutro caso”. É uma regra à partida com exceções – como os casos acima ilustram. E não é uma raridade. Questionado se há outros autarcas em limite de mandatos a receber propostas para encabeçar listas de outros concelhos, a resposta de José Alexandrino, que também é presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, é sugestiva. “Pois...”
O destino de Alexandrino passa agora por ser candidato à Assembleia Municipal de Oliveira do Hospital, autarquia que tem vindo a liderar há 12 anos. E o mesmo deve acontecer com Carlos Figueiredo, em Seia, e Gonçalo Jesus, em Castelo de Paiva. “Vou para outras andanças dentro do meu concelho. Em princípio, devo ser número um para a assembleia municipal”, afirma o autarca.
O AUTARCA DE SEIA CHEGOU AO LIMITE DE MANDATOS, MAS RECEBEU CONVITE PARA OUTRO CONCELHO